Giuseppe Toniolo (1845-1918) escreveu “A noção cristã da democracia”, onde expôs as raízes cristãs da teoria democrática sobre o poder.
Além disso, como Liberatore, que escrevia sobre democracia e economia mista, Toniolo, no livro “Tratado de economia social” (1916), desenvolve as teses da escola ético-jurídico, de economia mista, solidária, meio pública e meio particular, esboçando uma síntese que integrava o que havia de bom na democracia e no socialismo.
Uma economia com um setor público de grandes meios de produção com estatais e cooperativas e setor privado de artesões, pequenos e médios proprietários familiares, camponeses, pequenos burgueses, classe média.
Alceu elogiou Toniolo em vários textos. Trata-se da linha de Sismondi, de Buchez, Ozanam, Ketteler, De Mun, Antoine, Pesch e outros, a linha mais tradicional e mais ortodoxa da Igreja.
A linha que rejeitou o capitalismo liberal (privatizar tudo) e rejeitou a ideia de estatizar tudo (comunismo), buscando um meio termo, parte pessoal e parte social, economia mista. A linha de Adolf Wagner.
Num parêntese, Anton Menger, um jurista socialista, em várias obras jurídicas, desenvolveu uma forma de socialismo jurídico, com fundamentação jusnaturalista, parecida com as teses do solidarismo.
Menger teve tal importância que o velho Engels escreveu um livro pequeno para combater esta forma de “socialismo jurídico”, que foi defendido, em linhas gerais, também nos textos de Stammler, de Hermann Cohen (1842-1918) e da Escola de Marburgo (fundada por Cohen, neokantiano), escolas e correntes do socialismo democrático, possibilista, bem próximas da Igreja.
O melhor do kantismo terminou respaldando o programa do socialismo democrático.
A Escola de Marburgo foi fundada por Hermann Cohen, tendo ainda estrelas como Cassirer e Natorp. A estrela maior é Hermann Cohen, aluno do grande Trendelenberg. Cohen, no fundo, é a continuação do melhor de Maimônides, estando bem próximo do pensamento da Igreja.
Os textos de Toniolo, combinando direito e economia, foram predecessores da linha posterior de Pesch e Llovera, a linha do solidarismo cristão.
O solidarismo cristão era bem próximo do solidarismo jurídico-político de Leon Bourgeois (1857-1934). Bourgeois pertencia ao partido radical francês e escreveu o livro “Solidariedade”, em 1896, ganhando o Prêmio Nobel da Paz, em 1920.
O radicalismo francês era uma linha possibilista do socialismo, ligado a Jaures e, depois, a Herriot, próximo de João XXIII (quando era núncio em Paris).
Foi esta a linha que permitiu a aproximação do socialismo francês, a democracia popular (Frentes populares) ao catolicismo francês (Maritain, Mounier e outros), na década de 20 e depois na década de 30, o mesmo ocorrendo nos após guerra, com De Gaulle e Maritain.
As escolas de Liège; de Toniolo e da escola da democracia cristã são bem próximas das idéias da escola de Bourgeiois, do radicalismo francês (solidarismo, socialismo possibilista), tal como da escola de Durkheim e do socialismo de cátedra (no fundo, reviviam as idéias cristãs do “socialismo utópico”, do socialismo pré-marxistas.
No fundo, retomam as idéias cristãs de Morus, Montesquieu, Mably, Morelly, Rousseau, do Círculo Social, do padre Jacques Roux, Buchez, Bargemont, Weitling, Leroux, Considérant, Saint-Simon, Cabet e também da maior parte da Liga dos Justos.
Também são as idéias do cartismo, do movimento Tai Ping (com ideário cristão, o maior movimento revolucionário na China, que movimentou o campesinato). Estas mesmas idéias estão no populismo russo e americano, um populismo cristão.
Estes movimentos de idéias cristãs condenavam o capitalismo e esboçavam as linhas de uma democracia popular, cristã, social, com uma economia mista, parcialmente do Estado, controlada pelo Estado, regida por leis éticas e jurídicas.
Para Toniolo, as “normas de moral e de direito”, as normas estatais, a presença e intervenção do Estado, devem conciliar “o útil individual com o social”, o interesse pessoal e social, a pessoa e a sociedade, a utilidade da sociedade e da pessoa.
Economia mista é justamente combinar interesse pessoal e social, amor a si mesmo e ao próximo, em boa síntese.
Neste ponto, suas idéias seguem santo Ambrósio e o utilitarismo ético de Cícero, dos estóicos. O utilitarismo ético de Cícero e de Santo Ambrósio foi acatado também nos melhores textos de Stuart Mil e no melhor do benthamismo.
Os benthamistas foram uma das correntes do radicalismo inglês, corrente democrata pequeno-burguesa que teve líderes cristãos como William Cobbet (um grande católico, um santo, muito admirado e lido por Marx) e Grote.
Bentham, que era teísta, escreveu um livro com o título “Plano de reforma parlamentar, sob a forma de catecismo” (1817), onde defendia eleições anuais, sufrágio eleitoral e voto secreto e é principalmente por isso que merece estima.
Os últimos textos de Bentham são textos de um utilitarismo social e moral, de fundo cristão e estas ideias foram mantidas e melhoradas pelo grande Stuart Mill, formulador de um socialismo cooperativista bem próximo da doutrina social da Igreja.
Friso apenas que Bentham trouxe boas ideias sobre democracia política e reformas de presídios, mas pecou por aceitar muitas das teses do neoliberalismo econômico, o que gerou boa crítica de Marx, em “O capital”. Há uma parte ruim (joio) nos textos de Bentham, e há uma parte boa, jusnaturalista, defensora da democracia (a parte trigo).
Enfim, em todos estes autores, as normas (regras, idéias práticas) éticas (racionais, sociais), presentes na consciência do povo (de cada pessoa), devem gerar normas jurídicas positivas que devem reger a economia e o Estado.
Em outras palavras, o povo deve reger a economia, as instituições, o Estado, o que é o núcleo da teoria cristã e natural sobre o poder público.
Em suma, a teoria ética e jurídica de Toniolo desenvolve idéias da linha de Cícero, Santo Ambrósio, tomista e de Suárez, sendo eminentemente democrática e popular. Estas idéias estão presentes, mais tarde, no solidarismo (e em alguns radicais).
O solidarismo já era uma forma de reconciliação entre cristianismo e socialismo democrático, resgatando a união anterior da democracia social com o cristianismo, que está clara no socialismo utópico, no socialismo cristão, pré-marxista, que inspirou as melhores ideias de Marx.