A doutrina social da Igreja e a teologia da libertação buscam consolidar e ampliar formas de democracia política, econômica, pedagógica, social e cultural.
Esta DEMOCRACIA PLENA é chamada, por vários autores, de socialismo participativo, economia mista.
Hugo Assmann (que participou da luta pela construção do socialismo no Chile e no Brasil), no livro “Teología desde la práxis de la liberación” (Salamanca, Ed. Sígueme, 1973, p. 162), destacou a importância da democracia participativa e social, como ideal histórico da teologia da libertação:
“a revolução do terceiro mundo supera, em sua estrutura de ideais, tanto a revolução burguesa de 1789 e seus subprodutos similares, quanto a revolução proletária de 1917, na Rússia. Porque esta revolução do terceiro mundo, pelo fato de inscrever-se no contexto global de tecnificação vitoriosa dos mecanismos do poder político e econômico no plano mundial, já incorpora em si tanto a luta pela consecução dos bens indispensáveis a uma vida digna, quanto a luta pela liberdade de participação do homem em todos os níveis de decisão social. Em outras palavras, é simultaneamente uma revolução antiimperialista (e, no plano nacinal, anti-oligárquica) e anti-tecnocrática”.
O ponto essencial é a formulação de idéias práticas criadoras, de regras, estruturas, órgãos, formas e instituições que assegurem a “participação” das pessoas “em todos os níveis de decisão social”, para que tudo sirva ao florescimento do potencial (do poder) do ser humano, que é a glória de Deus.
O Estado, os bens, o processo produtivo e a produção de leis devem ser controlados pelos trabalhadores diretos e pela sociedade, para a realização do bem de todos.
O termo “autoridade” vem de “autor” e/ou “augere”.
Significa que todos devem ser autores (atores ativos, intérpretes criadores) na vida social e pública, sujeitos da vida social, pautada pelo diálogo.
O Estado deve assegurar o crescimento da personalidade de cada pessoa, pois as luzes de cada pessoa são essenciais para iluminar o mundo.
Em outros termos, as estruturas sociais, econômicas, políticas, pedagógicas etc devem ser participativas, em consonância com a natureza social, comunitária e política das pessoas.
O ideal da democracia social e participativa é também a fórmula dos melhores teólogos da libertação: Clodovis Boff, Gustavo Gutierrez, Enrique Dussel, Comblin, Jon Sobrino (n. em 1938, de El Salvador), Juan Luis Segundo, Leonardo Boff, Frei Betto e outros.
Há o mesmo anseio nos teólogos mais próximos ao socialismo, como Ernesto Cardenal, o jesuíta Gonzalo Arroyo, Hugo Assmann, José Porfírio Miranda (ex-jesuíta, mexicano), Sérgio Torres, José Miguel Torres ou Pablo Richard.
Havia o mesmo ideal em Paul Tillich (1886-1965), luterano, expoente do movimento socialista cristão, na Alemanha, que ensinava que a religião faz parte intrínseca do núcleo de cada cultura, de cada consciência.
No fundo, a democracia social era o sonho de Martin Luther King (1929-1968), Coretta Scott (esposa de Luther King) e também de Malcom X, pessoas de fé, com grande engajamento social. Era o mesmo sonho de Gandhi e de Mandela, da África do Sul.
Há outros grandes expoentes da teologia da libertação, como José Porfírio de Miranda (1924-2001), que escreveu obras como “Marx e a Bíblia” e “Cristianismo de Marx”.
É justo lembrar também de Richard Shaull (1919-2002), missionário estadunidense, ecumênico, um dos precursores da teologia da libertação.
Outra estrela é Samuel Silva Gotay (n. em 1935), de Porto Rico, autor de obras como “El pensamiento Cristiano revolucionário em América Latina y el Caribe” (1981).
O ideal da democracia POPULAR (SOCIALISMO PARTICIPATIVO) social também é o ideal de milhões e de estrelas de primeira grandeza, como Lúcio Gera, Aldo Büntig, Segundo Galilea, Catalino Arevalo, Francisco Claver e outros. Na Índia, a teologia da libertação conta como Kappen, Amalorpavadass, Rayan, Soares Prabhu e outros, que têm este mesmo ideal.
Isto também ocorre na Coréia, onde há expoentes como Nam-Dong, Ham, Suh, Sok-Hon, Ahn, Byung-Um e Kim.
Na África, a teologia da libertação difunde-se cada vez mais e o mesmo ocorre na China, no Vietnã, na Coréia, no Japão, nas Filipinas, na Oceania etc.
No Irã, no movimento palestino, há também idéias da teologia da libertação.
O padre Gonzalo Arroyo é considerado o fundador do movimento “Cristãos para o socialismo”.
Mirkini-Guetzevich, em obras como “As novas tendências do direito constitucional” (1936), também demonstrou que a democracia política deveria ser também social e econômica.
Esta era a linha de Pontes de Miranda, Alceu Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Roberto Lyra pai, Roberto Lyra Filho, João Mangabeira, Francisco Mangabeira, Domingos Velasco e milhares e milhares de escritores, servidores, políticos, padres etc na história do Brasil.
Milhares de autores adotaram, como bons católicos, as linhas gerais de uma democracia verdadeira, social e participativa, em consonância com os textos dos bispos do mundo todo.
Esta proposição pode ser demonstrada (provada) com ampla prova documental. Basta considerar os textos de autores como: Franco Montoro, Edgar de Godói da Mata Machado, Osvaldo Lima Filho, Santiago Dantas, Gabriel de Rezende Passos (1901-1962, autor de “Direito e liberdade”), Paulo de Tarso, Lebret, Alceu, padre Gabriel Galache (dirigiu por vários anos a Editora Loyola), o padre Ducatillon (elogiado por Prestes, no Senado, em 11.11.1946), Frei Gestel, Guido Gonella, Pierre Bigo, Jean-Yves Calvez (n. 1927, Assistente Geral do padre Arrupe, de 1970 a 1981), Colin Clark, Jacques Leclercq e Gilbert Keith Chesterton (1874-1936).
O padre Ducatillon também ilustra bem o ideal cristão de uma democracia popular. Ducatillon proferiu bons discursos no Brasil (cf. “Correio da Manhã”, 21.10.1944), sendo elogiado inclusive por Luís Carlos Prestes.
O ideal de uma democracia popular também foi a linha de um bom escritor, como Giovanni Guareschi (1908-1968), em bons livros engraçados e sérios, como “Dom Camilo e o seu pequeno mundo” e “O regresso de Dom Camilo”. Guareschi criou os personagens Dom Camilo e seu amigo, o comunista Peppone (prefeito da cidade), que lutaram juntos contra os fascistas.
Guareschi também escreveu no semanário “Il Borghese”, com sátiras, ilustradas por seus desenhos de caricatura, contra os políticos corruptos.
João Paulo II, na “Solicitudo rei socialis” (n. 44, 30.12.1987), também enfatizou a importância de “reformar… estruturas injustas”, “em particular, as próprias estruturas políticas, para substituir regimes corruptos, ditatoriais ou autoritários por regimes democráticos, que favoreçam a participação” do povo no poder e nos bens, criados para todos.
A razão para isso é simples: todas as pessoas têm, naturalmente, poderes (energias, potencial, liberdade, subjetividade), o poder público é a síntese do poder de cada pessoa, poderes combinados mediante o diálogo, unificando a sociedade, criando um poder público racional e pautado pelo bem comum (cf. lição de Romano Guardini e seu discípulo, o padre Bernhard Häring).
O padre Romano Guardini (1885-1968) escreveu boas obras, como “Liberdade, graça e destino” (1958), “O mundo e a pessoa” (1963) e “O Senhor” (1964).
Na “Solicitudo”, João Paulo II destacou a síntese da doutrina social da Igreja, o documento “Gaudium et Spes”, do Vaticano II, na linha de Leão XIII e João XXIII.
Com base nestas idéias, Ulysses Guimarães (1916-1992), que era católico e democrata (tal como Franco Montoro e vários lideres do PMDB), num discurso publicado no jornal “Movimento” (abril de 1978), ensinou corretamente que
“o homem é titular [sujeito, autor, controlador], e não objeto do Estado. O homem, ao criar o Estado, quis criar o aliado, e não o monstro que persiga, torture e mate seu criador ou martirize com salários desmoralizados pela carestia galopante, com a inacessibilidade de médico e remédio ou de escola para seus filhos. O povo é o que há de mais profundo e permanente em uma nação”.
Frise-se que os textos de Ulysses (vide seu livro, “Rompendo o cerco”, editado pela Paz e Terra, em 1978) sempre foram corretamente elogiados por homens como Alceu, Barbosa Lima Sobrinho, Antônio Cândido, Alencar Furtado, Juscelino, Geraldo Ataliba, Tancredo Neves, Carlos Chagas, Fernando Gasparian, Celso Monteiro Furtado (1920-2004) e outras boas estrelas de nosso firmamento político, compromissados com o ideal de uma democracia social, não-capitalista, não-liberal.
Tancredo Neves, por exemplo, era discípulo de Getúlio Vargas, ligado ao getulismo, ao ideal de democracia social, repelido e combatido pela antiga UDN (instrumento da CIA, toda infiltrada).
Num contraponto, o general Figueiredo, que governou o Brasil de 1979 a 1985, dizia publicamente que o povo era como “uma besta que se deixa levar pelo cabresto”. O general Figueiredo dizia que “um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar”.
Nietzsche também atacou o amor da Igreja pelo povo, a democracia, o socialismo, a razão e a paz. Nietzsche atacou o catolicismo, os judeus, os socialistas, os humanistas e a democracia, mostrando, com seu ódio irracional, as relações profundas entre estas correntes.
Na mesma linha, os nazistas e a Ku Klux Khan odiavam o catolicismo, os judeus, a democracia etc.
A Secretaria de Estado do Vaticano, na 91ª Conferência Internacional do Trabalho, em 16.06.2003, também redigiu um documento na linha da teologia da libertação:
“… o verbo libertar é uma palavra forte, que significa tornar livre, tornar a pessoa humana livre, neste caso, da pobreza, um fenômeno que se pode comparar à escravidão, porque atinge profundamente o homem, na sua dignidade: o ser humano que fica desprovido do que lhe é necessário para viver é um ser humilhado, ao qual são negados os seus direitos econômicos e sociais e mesmo, nos casos extremos, o seu direito â vida.
“Contudo, a pobreza não é mais uma fatalidade! Este é o motivo pelo qual libertar um homem da pobreza constitui um imperativo ético “que se impõe à consciência da humanidade” (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1993); e a Igreja Católica, cuja missão consiste essencialmente em “servir o homem”, todo homem, ao preocupar-se pelas suas exigências da vida de todos os dias” (cf. Mater et Magistra, 2), deve estar na linha da vanguarda na luta contra a pobreza.
“1.2. Além disso, aqui o verbo libertar é utilizado na sua forma pronominal. Isto significa que os pobres constituem a parte diretamente interessada neste processo de libertação, e supõe-se que participem na sua libertação da pobreza”.
A Igreja teve um papel importantíssimo no processo de redemocratização do Brasil após o golpe militar de 1964 e também durante o Estado Novo.
A Igreja também atuou duramente para sepultar o franquismo na Espanha, com participação destacada do Núncio e de Paulo VI.
Ocorreu o mesmo nos demais países da América Latina.
Este processo de democratização ainda está em curso, retomando as linhas postas após a Revolução de 1930, na direção de uma democracia social, trabalhista (a linha getulista-trabalhista) e participativa (como destacou Alceu Amoroso Lima).
Conclusão: a teologia da libertação, a teologia política e a doutrina social da Igreja são aspectos sociais da ética cristã e natural.
Esta ética busca organizar e criar um regime (uma organização da sociedade) formado pelas idéias e interesses da sociedade, idéias conexas e que carregam dentro de si os clamores (aspirações, esperanças, necessidades etc) do povo, como ensinaram Cristo e Moisés.
Por isso, cabe aos militantes (a todas as pessoas) ouvirem o grito de dor do oprimido e lutarem ao lado do povo, pela libertação, em todas as esferas.