A linha Democrática popular é a linha majoritária da Doutrina social da Igreja

A linha democrática-popular de Santo Tomás Morus, Mably, Buchez, Lamennais, Lacordaire, Ozanam, William Cobbett, Tocqueville, Ketteler, Acton, Toniolo e outros autores é o núcleo da doutrina social da Igreja.

Lamennais, no ensaio “As formas modernas de escravidão” (1839), ensinou: “o que o povo quer, o próprio Deus o quer também, porque o povo deseja a justiça”, por isso, “a causa do povo é, pois, a causa de Deus. Ela haverá de triunfar”.

Lamennais seguiu os passos de Descartes e de Leibnitz, dois grandes cristãos (Descartes, um grande católico; Leibnitz, um grande luterano ecumênico), destacando corretamente o critério do consenso, conexo com o do bem comum.

Lamennais também ressaltou bem as “causas segundas”, na forma de agir da Providência.

O amor ao povo e à liberdade foi sempre a linha central dos livros de Lamennais.

Seus livros mereceriam ser reeditados, para serem lidos nas CEBs, especialmente as obras “O livro do povo”, “Palavras de um crente” (dedicado “ao povo”), “Hino à Polônia”, “Do passado e do futuro do povo” e “Da escravidão moderna”.

A Igreja, com os Santos Padres, adotou o melhor do pensamento antigo, da Paidéia (cf. constatou Werner Jaeger).

A “recepção” do pensamento antigo foi chamada de “régio caminho traçado pela tradição e pelos santos padres”, como ensinou o papa Gregório XVI, no breve “Dum acerbissimas”, de 26.09.1835.

No neoclassicismo, no fim do século XVIII e no início do século XIX, houve como um novo renascimento, com o elogio da Paidéia. Este elogio fazia parte do método educacional dos jesuítas. No parnasianismo, no final do século XIX, houve outra exaltação da Paidéia, onde os leigos católicos exaltaram os textos da Paidéia, em boa consonância com os textos bíblicos e dos Santos Padres.

A linha de Lamennais era a linha de William Cobbett, um autor católico bem apreciado por Marx.

Cobbett redigiu uma “História da reforma protestante na Inglaterra e na Irlanda” bem simpática ao catolicismo.

Cobbett seguia a linha democrática e radical de Gerrard Winstanley, dos “Levellers” e “Diggers”.

O livro “As opiniões de William Cobbett”, do casal G.D.H. Cole e Beatrice Cole mostram a influência de Cobbett nos cartistas e no surgimento do Partido Trabalhista.

Buchez foi o primeiro que organizou uma teoria organizada sobre as cooperativas de produção para suprimir o patronato, o capitalismo, difundindo as cooperativas com o apoio do Estado.

Buchez escreveu o artigo “As cooperativas operárias de produção”, no “Jornal das ciências morais e políticas” (em 17.12.1831), ressaltando que o excedente das unidades seria distribuído aos sócios em função do trabalho destes e outra parte seria incorporada ao capital social, num fundo indivisível. A idéia do fundo indivisível vem dos mosteiros e conventos.

Buchez seguiu o exemplo dos mosteiros e da instituição dos morgados. O morgado era a instituição dos bens das famílias, na Idade Média. Eram bens inalienáveis e eram administrados em benefício do clã familiar, uma verdadeira pequena aldeia.

Buchez defendeu a indivisibilidade do patrimônio das empresas cooperativas. Ele não era apenas teórico, criou uma cooperativa de produção, com sócios operários.

As idéias de um Fábio Konder Comparato sobre a transformação das unidades produtivas em “cooperativas” (ou “fundações”, cf. Renard) são baseadas no primado do trabalho, combinando com formas de planejamento estatal participativo.

São idéias que têm estruturas comuns com as idéias de Buchez, tal como de Marc Sangnier, Mounier e Alceu Amoroso Lima.

A fórmula de Buchez e de Ketteler é, no fundo, “a propriedade social dos meios de produção”, também defendida por Dom Hélder, no documento “Ouvi os clamores do meu povo”, de 1973, um Manifesto dos Bispos do Nordeste, organizado por Dom Hélder.

Dom Hélder, nos livros “Revolução dentro da paz” (Rio de Janeiro, Ed. Sabiá, 1968, ligada a Rubem Braga e Fernando Sabino), “Terceiro mundo defraudado”, “Utopias peregrinas”, tal como nas “Meditações do padre José”, defendia a mesma tese, da superação do capitalismo, combinando distributismo, cooperativismo e intervenção e planificação do Estado.

Num parêntese, o discurso de Dom Hélder, no “Centro Católico de Intelectuais Franceses”, em 26.05.1970, em Paris, foi um dos marcos mundiais da denúncia de torturas no Brasil, sob o governo da Junta Militar e de Médici.

Dom Hélder teve o apoio do Cardeal Marty, de Paris, mostrando que a linha predominante na Igreja é pró-democracia participativa e social, coincidente com o que Marciano Vidal chama de socialismo participativo, democrático ou humanista.

Buchez, Ozanam, Tocqueville, Ketteler, Lacordaire ou um César Cantu (1804-1895) representam o núcleo mais importante do desenvolvimento da doutrina social da Igreja, no século XIX. O mesmo vale para os grandes textos de Lamennais.

Dom Hélder seguiu os passos do padre Cícero (que elogiava, com oitenta anos, o nacionalismo de Sandino) e de Alceu Amoroso Lima. Numa poesia (de 24.07.1966) com um elogio a Lebret.

Dom Hélder escreveu: “Karl Marx, levado ao céu pela crítica ao capital e pela defesa do trabalhador” (cf. a biografia de Dom Hélder, feita por Nelson Piletti e Walter Praxedes, “Dom Hélder Câmara”, São Paulo, Ed. Ática, 1997, p. 409).

Expoentes como Dom Hélder, Dom Luciano, o abade Pierre (na França), Barbosa Lima Sobrinho, Alceu Amoroso Lima, Frei Betto, Dom Moacir Grechi e outros são a cristalização das melhores idéias do povo, da boa linha evolutiva de nosso povo e da Igreja.

Resumindo, nas palavras de Dom Hélder: “o desenvolvimento recebido do alto, pré-fabricado, sem a participação do povo na criatividade e nas opções, pode ser tudo, menos desenvolvimento”. Neste ponto, Dom Hélder tinha a mesma concepção de Paulo Freire, no livro “Pedagogia do oprimido”.

A ligação de Dom Hélder com Roger Garaudy também é outro grande sinal dos tempos, a meu ver. A palestra feita por Dom Hélder, em outubro de 1974, na Universidade de Chicago, sobre a relação entre Santo Tomás e Karl Marx, também tem a mesma linha libertária e ecumênica, mostrando que o método de Santo Tomás era ecumênico, pois acolhia todas as verdades contidas na Paidéia, nos textos de Maimônides, Averróis e Avicena.

Este método deve adotado para as verdades contidas nos textos de Marx e outros autores, como recomendava Dom Hélder.