A regra fundamental do socialismo é bíblica, a cada um de acordo com as suas necessidades, expressão do primado da pessoa, da destinação de todos os bens a todas as pessoas

O princípio de “a cada um de acordo com suas necessidades” é textualmente bíblico, sendo a principal ideia matriz do socialismo participativo e comunitário. 

Esta regra matriz decorre (tem origem) na ideia maior da destinação universal dos bens. Deus criou toda a natureza para todas as pessoas, para que todos tenham vida plena, abundante, feliz, criativa, simples e alegre. 

A ideia básica é expressa na fórmula bíblica “a cada um de acordo com suas necessidades”, inerente a centenas de textos bíblicos e expresso duas vezes no livro “Atos dos Apóstolos”, que descreve o ideal e a prática da Igreja primitiva.

Este princípio se repete no capítulo 2, versículo 45 (“punham tudo em comum”, “dividia entre todos, segundo as necessidades de cada um”) e no capítulo 4, versículos 34 e 35 (“não havia entre eles necessitado algum”, “distribuía-se então, a cada um, segundo a sua necessidade”).

Marx considerava este o princípio principal do comunismo. Para a Bíblia, este princípios (destinação universal dos bens, primado das pessoas e do trabalho humano e divisão dos bens de acordo com as necessidades, promovendo os talentos e capacidades humanas) são princípios católicos, cristãos. São as ideias fundamentais (como que nossas marcas próprias) da sociedade cristã. Estes princípios (regras gerais) formam como que nossas diferenças específicas, “marcas de fábrica”, nossa grife”, o que nos caracterizava e distinguia. Marx e os socialistas aprenderam estas ideias chaves e fundamentais na Bíblia, na prática e nas ideias que regem as sociedades cristãs.

Destinação universal dos bens, o que não quer dizer eliminar as pequenas propriedades pessoais e familiares, e sim difundir para todos, tendo também um vasto patrimônio estatal para todos, tipo estatais, bens públicos gratuitos etc (a fórmula dos padres Mably e Morelly, tal como de Rousseau, no “Projeto de uma Constituição para a Córsega). 

Pela doutrina de São Tomás Morus, o Padroeiro dos Políticos (o Vaticano o considera assim), os bens (a distribuição, a produção e o uso dos bens) devem servir ao “bem comum”, à utilidade, ao atendimento das necessidades de todos. Para isso, o povo deve ter o controle efetivo sobre os bens, para que estes atendam às necessidades de todos. Estas regras são racionais e também bíblicas, como está claro em “Gênesis 1,26-28”, nos “Atos dos Apóstolos” (capítulos 2,44-45; e 4,32-34), nos demais textos bíblicos, nos Santos Padres etc.

A CNBB, no documento “Igreja e problemas da terra” (aprovado na 18ª. Assembléia Geral da CNBB, em 1980), destacou o princípio da necessidade (“a cada um de acordo com suas necessidades”, cf. At 2,44; 4, 32-33), que é o princípio da destinação universal dos bens ou do bem comum: “as pessoas que não têm onde instalar seu lar”, que se encontram em “extrema necessidade”, “têm o direito a tomar, dos bens dos outros, o que necessitam” (n. 83). O princípio da moderação é, no fundo, outra fórmula para o princípio da dignidade humana, do bem comum, do primado da pessoa, da vinculação da sociedade e da economia às necessidades humanas, para que todos tenham vida plena, digna, simples, feliz, alegre e abundante.

O próprio Marx elogiou o “cristianismo primitivo”. Foi seguido, nisso, por Engels. Em Renan há também o elogio do cristianismo primitivo. Infelizmente, estes autores não souberam ver que estas idéias permanecem vivas nos cristãos, nos muçulmanos (pelas raízes hebraicas e cristãs), nos melhores pensadores judaicos, tal como estão presentes nos melhores textos hindus, budistas, da religião chinesa e japonesa etc.

Luís Blanc (1811-1882), no livro “O catecismo dos socialistas” (1849), escrevia que “a finalidade do socialismo é realizar entre os homens as quatro máximas fundamentais do Evangelho: 1º) amai-vos uns aos outros; 2º) não façais a outrem o que não quereis que vos façam; 3º) o primeiro dentre vós deve ser o servidor de todos os outros; e 4º) paz aos homens de boa vontade“.

Blanc seguia a linha de Buchez, o mesmo Buchez foi a base do melhor dos textos de Lassalle, como atestou Karl Marx. Buchez era o líder do partido socialista católico, na expressão do próprio Marx.

Para Louis Blanc e Etienne Cabet, dois socialistas cristãos e democráticos, pré-marxistas, o princípio a cada um de acordo com suas necessidades era a base dos direitos das pessoas, pois inerente a todos os interesses legítimos há necessidades (os termos “interesse”, “necessidade” e “bens” são correlatos) que devem ser amparadas pelo Estado como direitos subjetivos positivos. Este princípio está em centenas de versículos bíblicos e em milhares de textos dos Santos Padres e dos Doutores da Igreja.

No “Código de moral política”, da União Internacional de Estudos Sociais de Malines (editado pela Vozes, em 1959) consta expressamente que “a satisfação das necessidades de todos os homens” é a “finalidade primária dos bens”, sendo estes feitos para “servir à manutenção e ao aperfeiçoamento da vida”.

As necessidades das pessoas (os bens suficientes para uma vida digna, ressaltando que o termo “bens” inclui serviços, atos necessários) são nossos interesses legítimos (racionais) e, assim, nossos direitos naturais (que devem ser juridicamente protegidos, como lembrava Von Ihering) que obrigam a sociedade (pólo passivo da relação) e as demais pessoas.

As necessidades sociais (os bens necessários para o bem comum, ressaltando que o termo “bens” abarca condutas) são os interesses legítimos (reais) da sociedade e, assim, os direitos da sociedade.

Os direitos da sociedade geram, no outro pólo da relação jurídica, os deveres das pessoas para com a sociedade. Nesta relação, a sociedade é o pólo ativo, a titular destes direitos, tendo as pessoas como obrigadas (todas as pessoas têm obrigações sociais, devem orientar suas vidas para que todos tenham boas condições de vida, vida abundante).