O “princípio da subsidiariedade”, destacado por Gustav Gundlach e Nell-Breuning (com o respaldo de Pio XI e de João XXIII, na “Mater et magistra”), é, no fundo, o princípio da democracia, ECONÔMICA E POLÍTICA, da participação ativa, do poder que vem “debaixo para cima” (cf. Lugon). Este princípio foi chamado por Proudhon de “princípio do federalismo”, que deve estruturar toda sociedade, TODA A ESTRUTURA ECONÔMICA, por consensos amplos em torno das regras exigidas pelo bem comum.
Toda sociedade (TODAS AS PESSOAS, TODOS OS TRABALHADORES) deve ser ativa, participante, viva, como um povo, e não uma massa (cf. textos de Pio IX, Pio XII e João XXIII).
A sociedade deve ser organizada debaixo para cima, com estruturas participativas, com movimentos livres, organizados e coordenados (para permitir a planificação participativa) para o bem comum. Sobre este princípio, vale à pena ler, de José Alfredo de Oliveira Baracho, o livrinho “O princípio de subsidiariedade” (Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1996).
Por este princípio, toda estrutura e círculo social (na terminologia de Pontes de Miranda) maior deve ser uma “ajuda” (cf. João XXIII), um apoio à participação da pessoa e das unidades menores, auxiliando-as e coordenando-as, por mecanismos de planificação participativa, DE REALIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DE CADA PESSOA, para a promoção do bem comum.
Juristas como Louis Le Fur, Maurice Hauriou, Esmein e Renard destacaram a importância do princípio de subsidiariedade, decorrência do princípio do bem comum, como base para o controle social sobre o Estado. A sociedade só pode controlar o Estado, E OS BENS PRODUTIVOS, AS ESTRUTURAS E UNIDADES PRODUTIVAS, AS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO, para realizar o bem comum, se a sociedade estiver organizada e for ativa, se for participativa.
As consciências das pessoas, entrelaçadas pelo diálogo, devem controlar o poder. Nas consciências há as idéias consensuais, especialmente os princípios gerais de direito. Hauriou: “o juiz” deve estar “abaixo dos princípios e acima da lei escrita”, “porque o Direito são os princípios, mais do que a lei escrita”.
Leão XIII, na “Diuturnum” (n. 4 e 12, 28.06.1881), destacou que a comunidade (a sociedade, “os povos”, AS PESSOAS) pode designar os agentes públicos e construir estruturas políticas e jurídicas, TAL COMO ECONÔMICAS, desde que os poderes destes agentes e estas estruturas “atendam ao bem comum” (a base normativa da “lei natural”), ou seja, desde que o exercício do poder seja “justo”.
Como ensinou Leão XIII, na “Diuturnum”, “os povos” (AS PESSOAS, OS TRABALHADORES) podem “escolher para si a forma de governo que melhor lhes convém ou à sua própria índole”, têm o direito de escolher e alterar “as instituições” e “os costumes” para assegurarem o bem comum, que é o núcleo da fundamentação da lei natural, pois a expressão “lei natural” significa as regras sociais e racionais (ditames) exigidas pelo bem comum.
O ponto mais importante foi que Leão XIII ressaltou que o catolicismo não tinha preferência por “formas de governo” ESPECÍFICO, POIS NO FUNDO AS FORMAS DE GOVERNOS E ESTADOS devem ser controladas pelo POVO ORGANIZADO. O “direito de mandar” e o “dever de obedecer” estavam sujeitos à lei natural, presente na consciência de todos (às regras sociais, consensuais, naturais exigidas pelo bem comum). NO FUNDO, A CONSCIÊNCIA DE TODOS DEVE REGER O ESTADO, A SOCIEDADE, AS ESTRUTURAS ECONÔMICAS.
Leão XIII ressaltou que “o poder público” deve ter “força, dignidade e solidez, quanta é exigida pela coisa pública [interesses sociais] e bem comum dos cidadãos”. Ainda na “Diuturnum”, lembrou que “a Igreja inspira a doçura nas almas, humanidade nos costumes, equidade [justiça, regras para o bem comum] nas leis” positivas, “sem nunca ser hostil a uma liberdade honesta, tendo por fim e por hábito detestar as tiranias”.
O ponto mais importante da encíclica “Diuturnum” foi frisar que o “principado” (“aqueles que” estão “à frente dos negócios públicos”, os agentes públicos) deve estar sujeito AO POVO, às regras naturais, consensuais, racionais exigidas pelo bem comum.
Todos os agentes públicos (detentores de frações do “principado” (de cargos públicos), designados pela sociedade (por eleições, concursos e outras formas históricas) devem estar sujeitos à lei natural (regras sociais naturais de convívio), presente na consciência da sociedade (das pessoas), deixando, assim, claro, que a verdadeira soberania reside na consciência (que intelige as necessidades e exigências do bem estar comum) da sociedade, como defende a escola jusnaturalista.
Numa linha próxima, o jurista Georg Puchta (1798-1846), um dos expoentes do historicismo, também ensinava que a fonte primacial do direito legítimo é a consciência coletiva, a consciência jurídica das pessoas, dentro do processo histórico. O processo de gestação do direito nasce da consciência espontânea do povo (o direito consuetudinário, enquanto regras na mente das pessoas, na cultura) cristalizando-se nos costumes (hábitos, práticas, vida prática), na legislação (positivação das regras da consciência); na jurisprudência; e na doutrina (a ciência jurídica, o direito científico). Enfim, “jus ex facto oritur” (“o direito nasce dos fatos”, das necessidades, idéias e aspirações humanas), tese bem explicada por Taparelli.
Na “Praeclara gratulationis” (20.06.1894), Leão XIII ressaltou que a religião e a Igreja devem, “mais eficazmente que” qualquer outro meio, “procurar que as transformações mais profundas dos tempos se convertam para o benefício [bem] de todos”, estabelecendo “o reinado do direito e da justiça” que formam “os fundamentos mais sólidos das sociedades”.
O ponto central, como ensinou Leão XIII, na “Libertas”(20.06.1888), é auxiliar a sociedade a organizar bem (regrar, por regras racionais e sociais) as “relações” dos “membros da sociedade” entre si e entre os membros e a própria sociedade (como sujeito de direitos e deveres).
As regras operam por idéias, costumes e “leis sociais” e estas são boas (legítimas) se asseguraram o bem comum, “a paz e a prosperidade públicas”. Nos termos de Paulo VI, no discurso ao Sacro Colégio Cardinalício (23.12.1968), a doutrina cristã quer “tornar virtuosa e feliz a vida presente e prepará-la para a vida futura”.
No mesmo sentido, o bispo Ireland, no livro “A Igreja e o século”, em 1904, ensinava:
“Os grandes teólogos da Igreja, os Tomás de Aquino, os Suárez, fornecem-nos em seus ensinos um programa desta democracia política que toma no presente século a sua forma definitiva. Afirmam eles, e demonstram, que todo o poder político vem de Deus pelo povo, para o bem do qual os príncipes e reis são delegados, e quando os reis se fazem tiranos, tem o povo como recurso o direito inalienável da revolta. A Igreja vive sob todas as formas de governo. Ratificadas pelo povo, todas elas são legítimas; mas o governo que, mais do qualquer outro, é o governo do povo pelo povo e para o povo, é aquele sob o qual a Igreja do povo, a Igreja Católica, encontra melhor ambiente para os seus princípios e para o seu coração”.
No mesmo prisma, Leão XIII, na carta aos Cardeais franceses, em 03.05.1892, lecionou (“reflita-se bem nisto”) que “a variedade” dos “modos de transmissão” do poder, as “formas contingentes”, tal como a variedade das “pessoas” “investidas” no poder, demonstra, “à evidência” (“dèlon”, em grego), “o caráter humano da sua origem”. Provam a origem humana do poder, ou seja, o poder vem (nasce, decorre) imediatamente do povo, como fonte imediata, sendo Deus a fonte longínqua, mediata.
Na “Immortale Dei” (n. 2, de 01.11.1885), Leão XIII explicou que “o direito de governar” não está “ligado a nenhuma forma política”, pode “revestir esta ou aquela forma”, desde que assegure “o bem comum”, que é o ponto central, crucial, essencial, na concepção política, econômica e jurídica da Igreja.
Nos termos de Leão XIII, na “Immortale”: “os seres humanos são livres para escolher a forma de governo que lhes agrade, desde que estejam salvos a justiça e a exigência do bem comum”. Esta é a doutrina tradicional da Igreja e também consta nos textos de Dom Romualdo Antônio de Seixas (1787-1860, ver sua “Pastoral exortando à paz e concórdia”), o Primaz do Brasil, que chegou a presidir a Câmara dos Deputados. Dom Romualdo também presidiu a sagração de Dom Pedro II (1825-1891), após o golpe da maioridade, em 1840, de feitio democrático, contra os conservadores.
A Igreja reconheceu o direito subjetivo natural e humano (racional) dos “governados” de se auto-determinarem (como expressão da liberdade pessoal), o que abarca o direito “de escolher e controlar os próprios governantes, quer de substituí-los pacificamente, quando tal se torne oportuno”, e o mesmo vale para a ECONOMIA. Este ponto foi também destacado por Pio XII, na Mensagem de Natal de 1944 e na “Lumen gentium”.
Nos termos de Pio XII, na Mensagem de Natal de 24.12.1944: “os povos se opõem com mais veemência aos monopólios de um poder ditatorial, incontrolável e intangível e reclamam um sistema de governo que seja mais compatível com a dignidade e a liberdade dos cidadãos”.
Pio XII inclusive culpou as ditaduras pela 2ª. Guerra, dizendo que os povos pensam que “se a possibilidade de controlar e dirigir a atividade dos poderes públicos não tivesse sido suspensa, o mundo não teria sido arrastado pelo turbilhão da guerra”. Por isso, Pio XII concluía: “a forma democrática de governo parece ser para muitos um postulado natural imposto pela própria razão”.
Repetindo a lição, Bento XVI ensinou que a democracia é “a mais adequada das formas de ordem política” (cf. “Europa”, p. 63). Da mesma forma, o papa lembrou que o povo (a sociedade) pode escolher os agentes públicos, a forma do Estado e do governo, as estruturas de poder, as formas de gestão de bens. O povo também pode, pela via do Estado e da legislação, alterar as leis sobre direitos reais, inclusive a estrutura do direito de propriedade, atenuando-o, proibindo males. Malefícios como as riquezas privadas concentradas, o latifúndio, os trustes e cartéis, os oligopólios e monopólios, os juros, o luxo, os gastos imoderados, a destruição da natureza e todo uso (no sentido lato) dos bens, tal como todo acúmulo de bens e poder anti-social.
Nos termos de Jacques Maritain e de Alceu Amoroso Lima (1893-1983), a democracia social (E ECONÔMICA) é, no estágio atual de nossos conhecimentos, o regime justo de convivência (este ponto era o núcleo do trabalhismo e do getulismo, no Brasil). A democracia social, popular, participativa e trabalhista é o “ideal histórico” da doutrina social da Igreja.
Nas palavras de Maritain, no livro “Cristianismo e democracia”: “a questão não é de encontrar um novo nome para a democracia, mas de descobrir a sua verdadeira essência e de realizá-la; de passar da democracia burguesa, esterilizada por suas hipocrisias e pela ausência de seiva evangélica, a uma democracia integralmente humana; da democracia frustrada à democracia real”.
Maritain também escreveu nesta obra que “a democracia está ligada inseparavelmente com o cristianismo”, tendo se espalhado no mundo como “uma forma mundana [secular] do espírito cristão”. Estas idéias é que pautaram a vida e os textos de homens como Alceu Amoroso Lima, o padre Leonel Franca, o padre Joseph Mors (1887-1960, professor no Colégio Cristo Rei), Barbosa Lima Sobrinho e tantos outros, inspirando, também, este meu blog, de mera exposição.