O planejamento pessoal e social (usando diários, metas etc, pontos da teologia mística de Santo Inácio etc) é natural porque reflete uma estrutura da psique humana, feita à imagem e semelhança da Mente divina.
Isso vale para a vida pessoal, familiar e social.
Políbio acreditava na Providência, nos planos de Deus, na história. Por isso, no prefácio do livro “História universal sob a República Romana” (tomo I), ele diz que “o peculiar de minha obra” “é que, assim como a Providência tem feito inclinar a balança de quase todos os acontecimentos do mundo até um ponto”, levando-os a “um mesmo rumo, assim também eu, nesta História, exporei” “o mecanismo de que ela tem se servido para a consecução de todos os seus desígnios”.
O ser humano, como reconheceu o próprio Marx na linha de Aristóteles (causas finais na história), age por planos elaborados previamente.
A pessoa elabora, na consciência, os fins, os planos (projetos), antes das ações conscientes, especificamente humanas, fazendo isso à imagem de Deus.
Nas palavras de Marx; “ao final do processo do trabalho brota um resultado que antes de começar o processo já existia na mente do operário, quer dizer, um resultado que tinha a existência ideal”, “o operário não se limita a mudar a forma da matéria”, e sim “realiza nela seu fim, fim que ele sabe que rege como uma lei as modalidades de sua atuação e ao que tem necessariamente que subordinar sua vontade”.
Marx tirou estes textos de Hegel, do livro “Fenomenologia”, onde Hegel compara o trabalho do artesão com o trabalho da abelha.
Nos termos de Paulo VI, “a ação social” é guiada por “uma doutrina”, um conjunto de ideias entrelaçadas (cf. “Populorum progressio”, 39), um conjunto de idéias.
Os planos e projetos para o futuro são nossos ideais históricos e racionais.
Como ensinou Maritain, hoje, o ideal histórico do cristianismo, hoje, chama-se democracia social, participativa, popular. Uma Democracia popular, econômica, social, política, cultural etc, com base nos direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais etc.
Todas as pessoas têm aspirações, interesses, necessidades, fins, planos (idéias práticas pré-existentes), logo, têm direitos naturais e humanos aos bens suficientes e necessários para uma vida plena.
Dentre estes direitos naturais, João Paulo elencou, em 02.10.1979, num discurso na ONU (numa seqüência do discurso de Paulo VI, em 1965):
“O direito à vida, à liberdade e à segurança das pessoas; o direito à alimentação, ao vestuário, à moradia, à saúde, ao repouso, ao lazer; o direito à liberdade de expressão, à educação e à cultura, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião e o direito a manifestar sua religião, individualmente ou em comum, tanto em particular como em público; o direito de escolher seu estado de vida, de constituir família e de desfrutar de todas as condições necessárias à vida familiar; o direito de reunião e de associação; o direito de ir e vir e à migração interna e o direito à nacionalidade e à residência; o direito à participação política e o direito de participar da escolha do sistema político do povo ao qual se pertence“.
O leque exemplificativo (não-exaustivo) dos direitos subjetivos naturais listados acima mostra que são direitos de várias gerações, ou seja, postulam um regime democrático social e participativo. De fato, há milhões de direitos subjetivos naturais, tal como há milhões de virtudes, de regras éticas, que são como que “tipos”, “ideais sociais”.
Pio XI, na “Divini Redemptoris”, listou “o direito à vida, à integridade do corpo, aos meios necessários de existência” e outros.
Para abonar este ponto, basta citar, de João Paulo II, um trecho do “Discurso aos diplomatas creditados junto à Santa Sé”, em 13.01.1997, onde este papa lembrou que “a construção das instituições” deve “garantir, aos cidadãos” (às pessoas) “um futuro mais estável, porque fundado sobre um património de valores comuns: o respeito pelos direitos [naturais] do homem, a primazia da liberdade e da democracia, o Estado de Direito, o direito ao progresso económico e social. Tudo isto, certamente, em vista do desenvolvimento integral da pessoa humana”. Integral, dado que é o desenvolvimento de cada pessoa concreta, e de toda a pessoa, em todas suas dimensões, aspectos, elementos (alma e corpo).
Para assegurar o “desenvolvimento integral da pessoa” (o bem comum, o bem de todos), é essencial uma estrutura jurídica positiva, uma estrutura estatal, que deve ser toda pautada pelas idéias do bem comum, pelas regras exigidas para a realização do bem comum, da comunhão humana.
Sobre o papel positivo dos sistemas jurídicos, vale a pena a transcrição da continuação do discurso de João Paulo II na Onua, em 02.10.1979:
“Todo o sistema jurídico, sabemo-lo, tem por fundamento e por fim o bem comum. E isto aplica-se também à Comunidade internacional: o bem de todos e o bem do todo!
“É isto que permite chegar a soluções justas, nas quais ninguém é prejudicado em vantagem dos outros, ainda que estes sejam a maioria: a justiça é para todos, sem que a injustiça seja infligida a alguém. A função do direito é dar a cada um aquilo que lhe compete, dar aquilo que lhe é devido com plena justiça. O direito comporta, então, uma forte conotação moral. E o próprio direito internacional está fundado sobre valores. A dignidade da pessoa, ou a garantia dos direitos das nações, por exemplo, são princípios morais antes de serem normas jurídicas.
“Isto explica que os primeiros teóricos da sociedade internacional [especialmente Francisco Vitória e Suárez] e os precursores dum reconhecimento explícito do «ius gentium» (direito dos povos) foram filósofos e teólogos, entre os séculos XV e XVII. Além disso, não se pode deixar de constatar que o direito internacional já não é apenas um direito entre Estados, mas tende cada vez mais a atingir os indivíduos, através das definições internacionais dos direitos do homem, do direito sanitário internacional ou do direito humanitário, para citar apenas alguns exemplos”.
A “lei natural” é uma expressão que designa o conjunto de verdades (idéias, ideais práticos) práticas do bem.
A lei natural é a base da lei positiva, do Estado.
Logo, as idéias do povo devem ser a base da legitimidade do Estado.
Os interesses, as necessidades do povo, devem pautar a atividade do Estado.
As idéias verdadeiras refletem o interesse do povo, são idéias do bem comum. Por isso, Santo Agostinho usava a expressão “veritas caritatis” (verdade e bondade, bem) para resumir a lei moral natural e cristã.