O amor de Engels às liberdades pessoais, à autonomia local, às liberdades fundamentais

O livro “Do socialismo utópico ao científico” data de 1880. Como reconheceu Engels, no prefácio de 1892, “não sei de nenhuma outra publicação socialista, inclusive o nosso Manifesto Comunista de 1848 e O capital de Marx, que tenha sido traduzida tantas vezes”.

Em 1880, era o texto mais difundido (superando o “Manifesto” e “O capital”), sendo a principal fonte das idéias do grupo ligado a Karl Marx e Engels.

Neste livro, Engels e Marx reconhecem vários tipos de socialismo, na época.

Em outras obras, Engels reconhece que os socialismos com fontes cristãs dominaram “durante muito tempo as idéias socialistas do século XIX” e, até 1880, “em parte ainda hoje as dominam”, conforme reconheceu Engels, com anuência de Marx e Lafargue.

Os leitores marxistas não devem ficar irritados com este fato e sim alegres, pois facilita o trabalho conjunto (de marxistas e cristãos) contra o capital, o latifúndio, o imperialismo e outras injustiças institucionalizadas. Ora, um bom marxista deve ter como prioridade combater estes males (imperialismo, latifúndio e o capital) e não combater a religião.

Engels, no prefácio ao livro “Do socialismo utópico ao científico” (pp.19-20), de 20.04.1892, também mostrou como o Direito Romanotanto a parte sadia do Direito Público (que inspirou Rousseau, como pode ser visto no livro “O Contrato Social”, na parte sobre os comícios e as eleições dos governantes e legisladores) quanto o Direito privado (especialmente a propriedade quiritária e a liberdade contratual) – influenciaram a Revolução Francesa e a instauração do modo de produção capitalista (no sentido de predominância das relações capitalistas).

Vejamos o texto de Engels, neste prefácio de 1892, pouco antes de morrer em 1895, com bom elogio das LIBERDADES PESSOAIS:

Na Inglaterra, a continuidade ininterrupta das instituições pré-revolucionárias e pós-revolucionárias e a transação selada entre os grandes latifundiários e os capitalistas encontravam a sua expressão na continuidade dos precedentes judiciais, assim como na respeitosa conservação das formas legais do feudalismo”.

“Na França, a revolução rompeu plenamente com as tradições do feudalismo e criou, com o Code civil, uma magistral adaptação do antigo direito romano às relações capitalistas modernas, daquela expressão quase perfeita das relações jurídicas derivadas da frase econômica que Marx chama a “produção de mercadorias”; tão magistral que este código francês revolucionário serve ainda hoje em todos os países – sem executar a Inglaterra – de modelo para as reformas do direito de propriedade”.

“Mas, nem por isso devemos perder de vista uma coisa. Embora o direito inglês continue expressando as relações econômicas da sociedade capitalista numa linguagem feudal bárbara, que guarda com a coisa exprimida a mesma relação que a ortografia com a fonética inglesavous écrivez Londres et vous prononcez Constantinople, dizia um francês – esse direito inglês é o único que conservou intacta através dos séculos e transplantou para a América do Norte e para as colônias a melhor parte daquela liberdade pessoal, aquela autonomia local e aquela salvaguarda contra qualquer ingerência, fora da dos tribunais; numa palavra, aquelas antigas liberdades germânicas que tinham sido perdidas no Continente sob o regime da monarquia absoluta e que não foram até agora recobradas em parte alguma”.

O texto acima demostra que o direito quiritário romano (especialmente as normas sobre propriedade e a liberdade contratual, que ainda são a base de mais de 80% dos Códigos de Direito Privado do Brasil) foi uma grande matriz teórica do capitalismo (“magistral adaptação do antigo direito romano”), mas também foram matrizes da Democracia, como pode ser visto no livro de Rousseau, “O contrato social”, onde há uma apologia do Direito Romano.

Os Santos Padres, no entanto, se opuseram às normas frias e gélidas da propriedade quiritária, como foi visto neste livro.

O texto acima, de Engels, também reconhece que o direito comum inglês (o “common law”), gestado na Idade Média, sob a influência da Igreja (quando a Inglaterra era católica, sendo que depois se torna na maior parte anglicana, conservando quase tudo do catolicismo, pois o anglicanismo é o catolicismo com poucas alterações), conservou “aquelas antigas liberdades germânicas” (o sistema do júri etc), abafadas pelo absolutismo.

Engels elogia estas partes sãs do ordenamento jurídico inglês, que foram conservadas e transplantadas para os EUA: “a melhor parte daquela liberdade pessoal, aquela autonomia local e aquela salvaguarda contra qualquer ingerência, fora dos tribunais”.

Este último ponto demonstra que Engels, em sua concepção socialista, apreciava corretamente estas liberdades. Ou seja, queria um socialismo com liberdades, com humanismo. Estas liberdades eram respeitadas até na Idade Média, nas vilas, longe dos aristocratas. O auge da idade Média católica ocorre com o movimento de constituição das Comunas, dos Municípios, da organização dos pequenos burgos, com artesãos, camponeses e pequenos burgueses, longe dos aristocratas.