A Igreja inspirou os primeiros modelos de socialismo e só rejeita formas espúrias e erradas de socialismo

Marciano Vidal, na obra “Ética teológica” (Vozes, RJ, 1999, p. 607), escreveu um bom texto demonstrando que o Vaticano não condenou todas as formas de socialismo:

“depois da publicação da encíclica Quadragésimo anno, onde Pio XI afirmava que ‘ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista’, os católicos ingleses consultaram a Santa Sé para saber se o trabalhismo era atingido também pela condenação e o Vaticano respondeu negativamente, ‘posto que se achava livre do vírus anti-religioso e preconizava suas melhorias sociais pelas vias democráticas’”.

Ressalto e friso que Pio XI, na Quadragesimo anno, em 1931, mostrou que a doutrina social da Igreja e o socialismo democrático tinham vários pontos em comuns e mostrou que a Doutrina da Igreja defende a estatização dos grandes bens produtivos, dos grandes meios de produção (os bens que têm grande poder devem ser do Estado). 

A condenação era restrita aos tipos de socialismo que aderiam ao “naturalismo” (rejeição da religião), à pregação da violência sem limites (com desprezo da democracia) e à defesa da estatização total, concentratória e antidemocrática, sem estabelecer direitos subjetivos positivos e eficazes para a população.

Os Bispos da Nicarágua, na “Carta pastoral”, de 17 de novembro de 1979, distinguiram várias formas de socialismo, deixando claro que há formas de socialismo conformes à doutrina da Igreja:

“Se, como alguns pensam, o socialismo se desvirtua usurpando aos homens e aos povos sua condição de protagonistas livres de sua história; se pretende submeter o povo cegamente às manipulações e imposições dos que detêm arbitrariamente o poder, não podemos aceitar esse socialismo espúrio e falso”.

“Muito menos poderíamos aceitar um socialismo exorbitante que pretendesse arrebatar ao homem o direito às motivações religiosas de sua vida, assim como o direito de expressar publicamente suas motivações e suas convicções, qualquer que seja sua fé religiosa”.

“Igualmente inaceitável seria negar aos pais o direito de educar seus filhos segundo sua convic­ção, bem como qualquer outro direito da pessoa humana”.

“Se, ao contrário, socialis­mo significa, como deve significar, a preeminência dos interesses da maioria dos nicaragüenses e um modelo de economia planificada nacionalmente, solidária e progres­sivamente participativa, nada temos a objetar”

“Um projeto social que garanta o des­tino comum dos bens e recursos do país e permita que, sobre esta base de satisfação das necessidades fundamentais de todos, se assegure a qualidade humana da vida, parece-nos justo. Se socialismo implica numa redução das injustiças, das tradicionais desigualdades entre as cidades e o campo, entre a remuneração do trabalho intelectual e manual, se significa participação do trabalhador nos resultados de seu trabalho, superando a alienação econômica, nada há no cristianismo que implique em contradição com tal processo. O próprio papa João Paulo II acaba de recordar na ONU a preocupação causada pela separação radical entre trabalho e propriedade”.

Somente há socialismo quando as pessoas são “protagonistas livres de sua história”, onde há libertação. Sem isso, trata-se de um “socialismo espúrio e falso”. A síntese é boa, serve de abonação para as afirmativas contidas neste blog.

As fontes mais antigas do socialismo corroboram estas teses. Por exemplo, Esteban Echeverría, um argentino precursor do socialismo, escreveu o livro “Dogma socialista y otros páginas políticos” (Ediciones Estrada, Buenos Aires, 1839), inspirado em Lamennais, Mazzini, Saint-Simon e Pierre Leroux (fontes eminentemente cristãs).

Esteban também seguia as idéias de Leibnitz, Vico, Herder, Turgot, Buchez, Leroux e de outros autores cristãos. Seguia uma forma de socialismo inspirado na religião. A obra é tida como a primeira, na América Latina, a ter no título o termo “socialismo”.

O General Abreu e Lima escreveu “O socialismo”, o segundo livro socialista da América Latina, também inspirado na religião, especialmente em Buchez, Lamennais e outros precursores cristãos.

Os jornais socialistas surgidos em Pernambuco e no Rio de Janeiro, nos anos 40 do século XIX, tinham como base o socialismo francês, religioso, com base no cristianismo. No Brasil, esta afirmativa pode ser facilmente provada com uma simples pesquisa nos jornais do século XIX. Seria interessante um livro com uma antologia destes artigos favoráveis ao socialismo retirado destes jornais antigos. Provaria que o socialismo foi divulgado e veiculado em formas cristãs. Mesmo nos jornais anarquistas existem várias citações de santos e de pensadores cristãos (especialmente Lamennais).

Lamennais exerceu grande influência em vários socialistas. Influenciou a Liga dos Justos, Ludwig Börne e Weitling. Estes, por sua vez, influenciaram Marx e Engels.

Lamennais também influenciou os socialistas cristãos, através de F. D. Maurice, Charles Kingsley e dezenas de outros pensadores.

O socialismo, que tem fundamento em boas raízes bíblicas (como foi exposto por Dussel e por outros teólogos da libertação), é uma síntese, “um modelo de economia planificada nacionalmente, solidária e progressivamente participativa”, com distributismo (exige a difusão de milhões de moradias, direito à renda básica, pequenas empresas com base no trabalho pessoal ou familiar, computadores pessoais, ferramentas, difusão do ensino e da saúde etc), cooperativismo (autogestão e co-gestão), estatais organizadas como queriam Betinho e Prestes (com co-gestão), democracia, liberdades fundamentais e outros pontos programáticos.

Unir a máxima difusão de micro e pequenas propriedades e firmas com sólida base estatal, com boas estatais, proteção estatal e subsídios aos pequenos produtores, proteção alfandegária, repulsa ao livre cambismo etc. Este é o bom Caminho.