Leão XIII, na “Quod auctoritate” (22.12.1885), destacou que os Estados são “obra dos homens” e que devem ser construídos como “a imagem exata de suas opiniões e costumes”, como construímos “navios” ou “edifícios”, com o uso da razão natural:
“Com efeito, o Estado é constituído de acordo com os costumes dos povos; e como a excelência dos navios e dos edifícios depende da boa qualidade e da justa colocação de cada uma das partes, da mesma forma, o curso da coisa pública não pode ser nem justo nem sem dano se os cidadãos não andarem no caminho reto da vida. A própria disciplina civil e todas as coisas que constituem a ação da vida pública surgem e perecem somente por obra dos homens; por isso, eles costumam atribuir às coisas a imagem exata de suas opiniões e costumes”.
A “disciplina [o governo, o Estados, o ordenamento jurídico] civil e todas as coisas que constituem a ação da vida pública surgem e perecem somente por obra dos homens”, pelo bom ou mau exercício da liberdade.
Cabe à razão do povo, à liberdade racional, gerar estruturas estatais que assegurem a felicidade pessoal e social. A expressão “liberdade irracional” é inclusive contraditória, pois não é livre quem age pautado em erros, mentiras, ignorância, temor, necessidade ou por paixões irracionais.
O termo “costume”, na terminologia tomista e medieval, é bem abrangente. “Costumes” são regras não-escritas, contidas na consciência. Significa, assim, “cultura”, idéias, movimento espontâneo e livre da sociedade, elaborado pela arte e ciência popular. Os costumes são fontes bem populares do direito, fontes não escritas, pois são as regras de conduta existentes na consciência da sociedade.
Assim, pela teoria clássica da Igreja, o poder político nasce imediatamente da ação livre (inteligente e voluntária) das pessoas, do povo, do mesmo modo como construímos navios ou edifícios, com bons planos etc. O povo (a sociedade) é a fonte imediata do poder, pois o “poder público” é a ação da sociedade ou de massas relevantes desta. Em outros termos, o “poder” tem como base os “costumes” do povo, ou seja, a cultura (a sabedoria) do povo.
No mesmo prisma, o Cardeal Lavigerie, em novembro de 1890, ensinou que “a vontade de um povo” é o fator decisivo para a escolha da “forma de governo”. Este cardeal abolicionista ressaltou a licitude da diversidade de leis positivas, de formas de governo e de Estado, num sentido próximo de Montesquieu e de Tocqueville.