O cardeal Newman redigiu um grande elogio à consciência e à verdade, escrevendo:
“A verdade não pode impor-se senão pela força da verdade, com tanta doçura como poder.
É pela mediação da consciência [da razão, que se move pela via do diálogo] que o homem aceita as injunções da lei divina”.
Esta proposição, repetida várias vezes por Bento XVI, é base da concepção política da Igreja: a faculdade de mandar (de regrar, de explicitar regras, publicando-as, dando-as a conhecer, positivando-as) deve, para ser legítima, corresponder às ideias do povo, ou seja, a uma obediência racional, voluntária, vinculada à voz da consciência, do diálogo, da razão e do bem comum.
A tradição jurídica da Igreja sempre ensinou que a boa heteronomia é apoiada (tem fundamento) na autonomia, na coincidência de conteúdos (de regras, de idéias) entre o que explicita a regra (o conteúdo da regra, o preceito, explicitado pela autoridade) e o conteúdo da consciência da pessoa que acata estas regras. A pessoa acata as ordens por serem “justas”, ou seja, por serem racionais e condizentes com o bem comum. O mesmo vale para as leis de Deus, que devem estar em harmonia com as ideias práticas das pessoas.
O cidadão deve acatar as leis justas porque estas expressam idéias que pré-existem na própria consciência do povo e representam, assim, as exigências do bem pessoal e social.
A boa heteronomia é harmônica com a autonomia, ou seja, a autoridade boa e justa pressupõe a liberdade, tem harmonia com a liberdade e o diálogo, pois é a liberdade social.
O núcleo do poder e do direito é o diálogo, ponto bem frisado por Hannah Arendt.
O direito positivo legítimo é a ordenação heterônima que não viola a autonomia, que se harmoniza com a liberdade, com as idéias do cidadão, com a consciência, com a autonomia da pessoa, de cada pessoa. Nos termos do tridimensionalismo jusnaturalista de Miguel Reale, o direito “é uma integração normativa de fatos segundo valores”.