A doutrina social da Igreja eh uma síntese entre teoria classica da Paideia com ideias hebraicas, semitas

A doutrina social da Igreja sobre o poder é um desdobramento da teoria clássica da Paidéia sobre o poder em boa síntese com as idéias semitas e hebraicas

O professor John Mitchell Finnis (n. em 1940), professor na Universidade de Oxford e na Notre Dame Law School, no livro “Direito natural em Tomás de Aquino” (Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2007), explicou corretamente que os textos de São Tomás, o principal Doutor da Igreja Católica, são a continuação do melhor da filosofia política da Paidéia. São Tomás de Aquino é apenas um elo da “teoria clássica”, da “corrente principal da teoria do direito natural” (cf. obra citada, p. 90). Aquino é um elo da “tradição católico-platônica-aristotélica do direito natural” (cf. p. 12 da obra citada).

Finnis escreveu obras importantes como: “Teoria legal, política e ética de Aquino” (Oxford, Oxford university Press, 2004), “Lei natural e direitos naturais” (Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 2000) e “A luta pelo direito natural” (Santiago, Ed. CEJ, 2006).

Finnis resumiu bem o núcleo da teoria política da Paidéia e da Igreja: todo governo deve ser baseado na lei natural, que exige ser explicitada e detalhada, positivada, dentro da lei positiva, civil, estatal, social. A lei é a soberana. A lei natural é o conjunto das regras práticas, razoáveis e dialógicas da razão prática do povo. A razão prática do povo é, assim, a soberana natural da sociedade, pois Deus nos fez para o autogoverno pessoal, familiar e social. A consciência da sociedade deve reger a sociedade. A consciência da sociedade é formada pela união das consciências pessoais pela via do diálogo. Uma sociedade se rege de forma natural quando se autogoverna, por meio de assembleias, votos, consensos, acordos, aclamações, formas de consulta da vontade e das ideias do povo.

Finnis, na linha dos grandes escritores da Igreja, mostra que o núcleo da teoria política cristã está na teoria das leis. Esta teoria foi bem exposta nos textos de São Tomás de Aquino, especialmente na “Suma Teológica” e na “Suma aos gentios”. Também está bem explicada em Boécio, Santo Isidoro de Sevilha, Santo Ambrósio, São Basílio, Santo Agostinho (especialmente nolivro “Do livre arbítrio”) e todos os grandes Doutores e Santos Padres da Igreja. Também está nas “Decretais”, em Abelardo e outros documentos da Igreja.

Finis transcreve vários textos centrais de São Tomás para resumir a teoria das leis da Igreja: a lei é “uma ordenação [ordens, preceitos, regras, “regulae”] da razão para o bem comum de uma comunidade, promulgada pela pessoa ou corpo responsável por cuidar da comunidade” (cf. “Suma teológica”, I-II, q. 90, artigo 1).

O outro texto essencial ensina que é o poder legislativo é detido naturalmente pelo povo. As leis devem nascer do “povo” (“tota multitudo”), do “povo livre” (“libera multitudo”) e, de forma complementar, dos representantes do povo. Os representantes do povo são os que têm a “cura”, cuidam, gestores dos negócios do povo (“gerit personam multitudinis”). Estes textos estão na “Suma Teológica” (I-II, q. 97, a. 3 ad 3; e II-II, q. 57, a. 2). O terceiro texto é que existe “um tipo de acordo [pactum, consenso] entre o rei [quem governa, detém o poder executivo] e as pessoas”, o povo (está no comentário de São Tomás a “Carta aos romanos” de São Paulo, “Rom. 13.1, v. 6). As leis verdadeiras nascem, são estabelecidas (“positum”, “positivadas”, postas, expressas) pelo povo.

Outro texto essencial é a defesa de Aquino do regicídio. São Tomás de Aquino, na linha de Cícero e de Sófocles, ensinou que as leis iníquas devem ser desobedecidas e que um tirano deve ser tratado como um bandido (cf. “Suma Teológica”, I-II, q. 92 a. 1 ad. 4 e 5/ II-II, q. 69, a. 4). Não havendo outra forma pacífica, o tirano pode ser executado, para a libertação (“libertatio”) do “povo” (“multitudinis”), da “pátria” (“patriae”).

A lei natural é o conjunto das idéias práticas e dialógicas exigidas e adequadas para o bem comum. Em outros termos, o conjunto dos “primeiros princípios da razão prática”. Na boa expressão de Finnis, são “insights”, idéias práticas e razoáveis (axiomas), geradas pelo diálogo do povo, em prol do bem comum, bons projetos, bons planos. São idéias nascidas da “experiência”.

A Igreja, como fica claro em Santo Agostinho, repetiu a lição de Tales, Heráclito, Pitágoras, Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, Platão, Sócrates, Aristóteles, dos estóicos, de Cícero, de Sêneca e outras grandes estrelas da Paidéia. Afinal, o melhor da Paidéia é fruto também de Deus, da ação do Espírito Santo, da Sabedoria, em toda a humanidade. O melhor da Paidéia mundial (suméria, fenícia, egípcia, grega, romana, chinesa, vietnamita, coreana, hindu, japonesa, africana, indígena etc) coincide, em linhas gerais, com a Paidéia bíblica. Para constatar isso, basta a leitura dos textos de Confúcio, Mêncio, Chuang Tzu, Lao Tse, dos melhores textos hindus e budistas etc. O mesmo ocorre nos grandes textos egípcios, sumérios etc.

Há, em toda a humanidade, um fluxo de idéias verdadeiras e razoáveis e o núcleo destas idéias constitui o que se pode chamar de “filosofia perene” (cf. Aldous Huxley). A expressão “filosofia perene” (equivalente a Paidéia) foi cunhada por Agostinho Steuco, um bibliotecário do Vaticano, que escreveu o livro “Da filosofia perene”, em 1540. A expressão foi também usada pelo eclético e ecumênico Gottfried Leibnitz, uma das melhores cabeças da humanidade. Leibnitz viu que em todas as religiões e correntes de idéias há um fundo subjacente, comum, de idéias verdadeiras.

Este conjunto de idéias práticas perdura e aumenta no tempo, pois é parte relevante da Tradição da Igreja, que existe desde o início da humanidade. Como explicou Santo Agostinho, “aquilo que hoje é chamado de religião cristã já existia entre os antigos e nunca cessou de existir desde as origens do gênero humano, até o tempo em que o próprio Cristo veio e as pessoas começaram a chamar de cristã a verdadeira religião que já existia anteriormente” (cf. “Da verdadeira religião”, X, 19). Aldous Huxley, em 1945, redigiu o livro “A filosofia perene”, com a mesma idéia.