O ideal ético hebraico, estóico e cristão de autonomia, de autocontrole, de autodomínio, de autodeterminação, de libertação pessoal e social, com ajuda DO ESTADO, claro.
IDEAL DE DIVINIZAÇÃO, pois a ação divina visa fundir cada pessoa com Deus, unir cada pessoa com Deus, fusão que não tira a INDEPENDÊNCIA PESSOAL, e sim a AMPLIA.
A Comunhão das almas é uma REPÚBLICA democrática, DE GESTÃO PARTICIPATIVA. DEUS é a REPÚBLICA VIVA, a COMUNHÃO VIVA.
Da mesma forma, um Estado social amplo, produtivo e redistribuidor, não tira a liberdade pessoal, e sim a realiza, a concretiza, a ajuda.
São Paulo, no discurso no Areópago em Atenas, mostrou que as teses principais do estoicismo estavam em adequação às idéias bíblicas.
A citação que São Paulo faz de Arato é a citação do estoicismo de Cleantes, que não é panteísta, e sim panenteísta, ensinando a onipresença e a Providência divina.
O estoicismo, filosofia de origem asiática fenícia, de raízes semitas (os fundadores do estoicismo e consolidadores eram pessoas de origem fenícia) defendia a natureza, a natureza humana, a razão humana, a ordenação racional dos afetos, denunciava a escravidão, defendia a igualdade da natureza humana e dos povos, os direitos naturais das pessoas e dos povos etc.
A graça e a razão atuaram fortemente em homens como Sócrates, Platão, Aristóteles e os estóicos.
São Paulo deu continuidade à linha filosófica da Paidéia, que tem amplas fontes orientais, semitas.
São Paulo elaborou as linhas gerais de uma síntese do melhor das idéias hebraicas (na linha de Hilel, Gamaliel e do Pirkei Aboth) com o melhor da Paidéia (se São Paulo tivesse pregado na China, citaria Confúcio, com certeza, se pregasse na África, citaria idéias religiosas africanas verdadeiras etc).
Xenofonte, no livro “Memorabilia”, ao esboçar a biografia de Sócrates, diz:
“… quanto ao desejo sexual e o estômago, ele era o mais controlado [“enkratestatos”] de todos os homens; possuía a maior capacidade de tolerar frio e calor, e qualquer espécie de fadiga; e em termos de necessidades, era treinado para a moderação de modo que estava contente com muito pouco”.
A Paidéia elogiava o “autodomínio” (de “enkrates”, “ter controle sobre”), o controle pelo logos das paixões, dos afetos, dos movimentos sociais.
A Paidéia apontava o perigo da “akrasia”, da falta de autodomínio, da escravidão humana no pecado (a ação demoníaca é uma força irracional, má, destruidora).
Isócrates ensinava: “muitas pessoas, devido à sua falta de autodomínio, não permanecem nos seus raciocínios, mas negligenciam seus interesses e seguem seus impulsos para o prazer”.
Eurípedes escreveu a peça “Medéia”, para ilustrar o perigo da “akrasia”, da pessoa possuída por ira.
Crisipo comentou esta obra. Sêneca escreveu a peça “Medéia”, com o mesmo tema.
A “akrasia” é a “hybris”, o tema de Homero e dos grandes dramaturgos gregos (Ésquilo, Sófocles e outros).
O termo “hybris” vem da raiz indo-européia “ut” e “qweri”, de “peso excessivo”, o que foge da medida humana (“métron”). O contrário de “hybris” (soberba) é “sophrosyne”, “sabedoria prática”, “prudência”, “moderação”, “temperança”.
A moderação é fruto da “eucratéia”, do “auto-controle”, da frugalidade (“eutéleia”). Até mesmo Hume fez o elogio da temperança, no livro “Sobre os princípios da moral” (IX, 1). Idem para Holbach, Hegel, Condorcet e outros luminares.
A religião grega, influenciada por boas idéias semitas vindas do oriente (inclusive assírias, medas, persas, fenícias e hebraicas), tal como as peças gregas, ensinava que a pessoa que é acometida pela “hybris” pratica uma “harmatia” e o efeito é a queda, a ruína, a destruição, a corrupção.
Sófocles tratou sobre a “hybris” nas peças “Édipo rei” e “Antígona”.
Eurípedes trata do tema em “Medéia”. A “hybris” atrai a “némesis”, a ira divina, a pessoa fica submetida ao destino (“moira”).
Homero, Hesíodo e Píndaro alertam sobre o perigo mortal da “hybris”. Aristóteles trata sobre a “hybris” no livro “Retórica” (livro I) e nesta obra também analisa as paixões (no sentido pejorativo, de emoções que contrariam a luz da razão, pois as boas emoções, as emoções sobre controle racional, são boas. O próprio Deus tem emoções, que são boas, pois sempre se movem à luz da natureza, da inteligência).
O melhor da Paidéia ensina que a razão (nossa consciência, o logos) pessoal deve reger as paixões de forma política e, na vida social, a sociedade deve auto-ordenar-se, DEMOCRACIA POPULAR PARTICIPATIVA, SOCIALISMO DEMOCRÁTICO, pela razão social, pelo diálogo, pelo logos, pelo consenso racional em prol do bem comum. Este ensinamento psicológico, pedagógico, ético, político e econômico foi recepcionado pelo cristianismo por ser racional e estar em boa conformidade com os textos e idéias bíblicas.
São Paulo acolheu estas idéias, elaborando boa síntese entre a tradição hebraica e a tradição da Paidéia. Isso foi feito, na forma humana, pela síntese entre o melhor da tradição estóica (que é eclética, baseada numa síntese do melhor da Paidéia, dos pré-socráticos a Aristóteles) com o melhor da tradição judaica, especialmente os melhores textos fariseus (a tradição de Hilel, Gamaliel, Fílon, Flávio Josefo, o conteúdo oral do “Pirkei Aboth” e outros).
O livro organizado pelo Professor J. Paul Sampley, da Universidade de Boston, “Paulo no mundo greco-romano” (São Paulo, Ed. Paulus, 2008), traz um texto de Stanley K. Stowers, “Paulo e o autodomínio” (p. 459). Este texto mostra que o léxico e as idéias filosóficas de São Paulo eram inspiradas especialmente no estoicismo popular. Os fariseus eram os estóicos hebreus, cf. Flávio Josefo. O estoicismo é uma escola filosófica nascida com vasta influência oriental, no zoroastrismo, nas idéias semitas etc. Por ter o estoicismo uma origem semita, foi bem acolhido pelos judeus, pelos fariseus, principalmente.
São Paulo nasceu em Tarso, o principal centro estóico da época (cf. Pausânias). São Paulo foi educado em sua cidade natal e em Jerusalém, tendo Gamaliel como mestre. Por isso, São Paulo, em sua própria educação, foi como que predestinado à síntese, que também está presente nos outros Apóstolos (São Pedro, São Tiago, São Lucas, São Mateus, São Marcos e outros). Esta síntese está esboçada no discurso no Areópago e nas listas de virtudes e vícios das cartas de São Paulo, inspiradas no estoicismo popular.
Stanley defende inclusive que São Paulo leu o livro “Medéia”, de Sêneca, pela proximidade léxica (das palavras) entre os textos paulinos e o texto de Sêneca.
Vejamos a concepção de São Paulo sobre o autodomínio, no texto de Stanley (p. 465):
“O autodomínio é a constância duradoura em seguir o que parece verdadeiro para a razão e conforme à reta razão (cf. Rm 1,18-20). Como em Rm 1,21-28, akrasia é loucura (por ex., aphrosyne; cf. 2,20); uma falta de constância baseada no deixar de agir de acordo com o que é verdadeiro”.
O estoicismo tem origem semita, por mediação persa e fenícia. Por esta razão, e por conter idéias racionais, parte do estoicismo foi aceita no mundo judaico, como fica claro no tratado “Pirkei Avot”, da Mishna. Pela mesma razão, a parte boa do estoicismo foi recepcionada pela Igreja. Para atestar a recepção da filosofia clássica, Fílon de Alexandria escrevia sobre o conteúdo do ensinamento das sinagogas judaicas no tempo de Cristo e São Paulo:
“A Lei nos exorta a filosofar e, com isso, aperfeiçoa a alma e a mente que comanda. Por isso, de sete em sete dias, estão abertas milhares de escolas em cada cidade; escolas de sabedoria, autodomínio, coragem e todas as outras virtudes” (cf. “Spec. Leg. 2,61-2).
Fílon ensinava que “a razão” deve ser a “auriga dos sentidos irracionais”, operando com “exortações filosóficas”. O sábio deve ser livre de “paixões irracionais”, tendo as paixões regidas, de forma política, pela razão. Fílon ensinava que a Lei de Moisés influenciara o melhor da Paidéia e que era superior aos textos gregos porque “produz melhor o autodomínio”.
A idolatria nutria as paixões irracionais, os vícios. São Paulo também abriu escolas com este conteúdo. As sinagogas e as igrejas eram também escolas de filosofia e as estruturas das igrejas seguiam a mesma estrutura das sinagogas, tal como o calendário etc.
Fílon descrevia as leis sobre o matrimônio, a comida e a bebida como lei de autodomínio (“enkrateia”), de “moderação” (“sophrosyne”, prudência, um das quatro virtudes cardeais).
A “temperança” é também uma das quatro virtudes cardeais e o termo “temperança” traduz, no português, o termo “temperantia”, em latim. Em grego, é “sophrosyne”, embora alguns autores ensinem que “enkrateia” é o mesmo que temperança, pois é o governo de si mesmo, a serenidade da pessoa que se auto-ordena, que tem controle de si mesmo. A melhor interpretação é que sophrosyne é sabedoria prática, prudência. E temperança é enkrateia.
Flávio Josefo, nesta linha de diálogo com o estoicismo, também ensinava que os fariseus são como os estóicos, mas com uma diferença: o ensino estóico atingia poucos, enquanto o judaísmo atingia a muitos (cf. “Ag. Ap. 2.168-71).
Flávio Josefo foi um dos maiores fariseus de seu tempo e ao chamar os fariseus de estóicos hebreus sabia do que falava, pois conhecia as duas correntes e o que havia de comum entre elas, dado que o estoicismo tem amplas fontes semitas.
Fílon e Flávio Josefo descrevem os essênios como filósofos do autodomínio (“eles consideram o autodomínio e a resistência à força das paixões como uma virtude”). Fílon e Flávio Josefo elogiam os fariseus, os essênios e os terapeutas pelo ideal de autodomínio, de libertação.
Stanley ensina sobre a ética de São Paulo:
“O autodomínio nas cartas de Paulo.
As cartas de Paulo usam todos os termos principais que os filósofos usavam nas suas discussões sobre o autodomínio e o seu oposto: autodomínio (“enkrateia”, cf. Gl 5,23); praticar o autodomínio (“enkrateuomai”, cf. I Cor 7,9; 9,25); falta de autodomínio (“akrasia”, cf. I Cor 7,5); paixão-emoção (“pathê”, “pathos”, cf. Rm 1,26; 7,5; 8,18; 2 Cor 5,5.6.7; Gl 5,24; Fl 3,10; 1 Ts 4,5)”.
A principal obra de São Paulo sobre o autodomínio é justamente a “Carta aos Romanos”, a obra que contém sua teologia política, seu ideal jusnaturalista.
São Paulo abre a “Carta aos Romanos” mostrando que a idolatria é o afastamento de Deus e que isso provoca a perda de autodomínio. Quem se afasta da graça é punido por si mesmo, pelos “desejos” (“epithymiais”, pelas “paixões” desordenadas diante de uma “mente incapaz” (“adokimon noun”, enfraquecida). A consciência afastada da razão (por aversão à Razão) pratica “atos inconvenientes” (“me kathékonta”, cf. Rm 1,28). O termo “kathékonta” era usado pelos estóicos.
Mais adiante, São Paulo recomenda a “apatheia” (cf. Rm 6,11-12; e Gl 5,24), que não significa ausência de paixões, e sim ausência de paixões desordenadas, de paixões em desarmonia com a razão e com a natureza. Apatéia é o controle da consciência sobre os afetos, da liberdade, do destino, da vida. Este controle é obtido mediante a verdade, por idéias verdadeiras (“conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, cf. Cristo).
Stanley aderiu à opinião abalizada de Troels Engberg-Pedersen, no livro “Paulo e os estóicos” (Louisville, Westminster John Knox Press, 2000). Stanley censura a Reforma protestante por desligar a interpretação dos textos de São Paulo da “tradição moral greco-romana”.
O texto de São Paulo sobre “os atletas” é profundamente estóico (cf. I Cor 9,24-27 – “é assim que pratico o pugilato”, “trato duramente o meu corpo e reduzo-o à servidão”).
A concepção da vida como “agonia” (“agon”, “luta”), como luta, como esforço, como tensão, é estóica e paulina (cf. 1 Ts 2,2), é uma idéia profundamente cristã (cf. Miguel de Unanamo).
Há bastante semelhança entre os textos de São Paulo com os textos de Musônio Rufo, Díon Crisóstomo, Fílon, Epicteto e Sêneca. O mesmo ocorre com as idéias dos primeiros pensadores cristãos, como fica claro na “Carta a Diogneto” (na lista das virtudes), em São Clemente Romano, em São Clemente de Alexandria, em Orígenes, em Tertuliano, em Minúcio Felix, em São Justino e outros.
A linha estóica cristã está também em Santo Inácio de Antioquia, terceiro bispo de Antioquia, que morreu como mártir em Roma, lá por 108 ou 109 d.C. Santo Inácio de Antioquia escreveu, numa carta a São Policarpo, o resumo de seu ideário ético: “que nada te perturbe. Fica firme como a bigorna sob o malho. Um grande lutador é espancado, e mesmo assim vence”.
A expressão “que nada te perturbe” é a velha “apatheia”, o sossego interno, a paz interna. Esta linha estóica e cristã está presente nos textos e na prática de homens como São Pedro Damião (1007-1072), que se flagelava para autocontrolar-se e ativar o metabolismo do corpo.
A noção cristã de “apatheia” como o controle consciente do corpo e da vida (dos afetos, dos instintos, dos movimentos, vivendo com base numa regra, em projetos) foi desenvolvida dentro do monasticismo cristão (que é a continuação do monasticismo hebraico, dos essênios e terapeutas).
A noção de “apatheia” como autocontrole está na escola de Antioquia, que abarca a cidade de Tarso, pois Antioquia e Tarso são praticamente vizinhas, situadas a uns x km. Esta noção foi cultivada por São Basílio, por São Gregório de Nissa e outros, tal como Santo Ambrósio e São Jerônimo cultivavam o ciceroanismo cristão, de base estóica, na parte ética. Santo Ambrósio e São Jerônimo cultivavam o estoicismo com base nos textos de Cícero e de Sêneca.
Santo Inácio de Antioquaia considerava o autocontrole (o autodomínio, a temperança, a “apatheia”, a “enkratéia”) como a característica principal do cristão, a marca da natureza divina, da presença do Espírito Santo na pessoa.
Na filosofia de Plotino e de Gregório de Nissa, as três noções de apatheia – procura espiritual-,katharotes – pureza – e arete – virtude – estão profundamente ligadas.
A concepção de apatheia, segundo Gregório de Nissa, está próxima da de Inácio de Antioquia que a considera como marca da natureza divina no homem, isenta de qualquer apego ao sofrimento dominador, à paixão -pathos (XLVI, 241D). É “ na apatheia que consiste a bem-aventurança” (Cat. XXXV, 14).
Segundo Gregório de Nissa a apatheia designa a vida sobrenatural, a graça divina, a participação da alma humana na vida divina. Não tem a ver com a eliminação das paixões, no sentido físico ou psíquico. Tem a ver com o símbolo do que poderemos chamar o estado paradisíaco e o símbolo do mundo dos anjos.
A apatheia é a bebida de que os homens viviam no estado paradisíaco; está ao lado da semelhança com Deus e da imortalidade, na simbólica da vinha paradisíaca. É como que o regresso à vida angélica, símbolo do mundo do alto, por oposição ao mundo cá de baixo. Diz Gregório de Nissa que “ a alma se tornou igual aos anjos – isangelos – pela apatheia “(XLIV, 777 A) e que “ é preciso imitar pela apatheia a pureza dos anjos” (XLIV, 857 A), in Jean Daniélou, op. cit., p. 95.
Para além da sua relação com a “pureza” – katharotes – e, em particular a pureza dos anjos, aapatheia relaciona-se com a virtude – arete – no que poderíamos chamar – seguindo Daniélou,op. cit., p. 100- o significado paradisíaco do termo.
A virtude significa os bens do paraíso, perdidos pelo pecado de Adão- símbolo do homem – e recuperados por Cristo. Trata-se do que se poderia chamar a vida sobrenatural e a sua complexa relação com a incorruptibilidade -aphtharsia -, conciliável com o complexo conceito de imortalidade. Citamos um passo de S. Gregório de Nissa:
“ na sua origem, a natureza humana era florescente, enquanto estava no Paraíso, regada pela água fecunda da fonte.. Tinha como folhas o germe da incorruptibilidade – aphtharsia – mas tendo o Inverno da desobediência secado a sua raiz, a flor murchou, caiu por terra, o homem ficou despojado da incorruptibilidade e a árvore das virtudes degenerou… Mas Aquele que devolve a primavera à nossa alma veio… A nossa natureza recomeçou a florescer e a ficar ornada das suas verdadeiras flores. Essas flores da nossa vida são as virtudes” (XLIV, 1096C).
Não desenvolveremos o assunto relativo às virtudes, deixando apenas a claro que, no pensamento de S. Gregório de Nissa, elas são fruto da acção do Espírito Santo, manifestação da apatheia, não fazendo distinção entre virtudes morais, teologais, frutos e dons do Espírito Santo. Da “força, temperança, justiça e outras (XLIV, 781B) à “caridade, alegria, paz, longanimidade, bondade” (XLIV, 961 B), à “ humildade, longanimidade, doçura”( XLVI, 272 C), todas têm a ver com a vida sobrenatural da alma e com a imagem – eikon – de Deus.
As virtudes são termos genéricos que têm a ver com a perfeição da imagem. O homem feito à imagem e semelhança de Deus e as virtudes definem essa perfeição. Neste sentido, a virtude está no mesmo plano que a apatheia e a pureza- katharotes.
As virtudes pertencem à vida sobrenatural dada pela graça divina e são designadas por metáforas e símbolos, além das flores e cores: podem ser ornamentos da esposa, folhas soltas e suavemente agitadas por um suave sopro – pneumati- e expandem-se sob a acção desse sopro, ou seja, as virtudes têm a sua origem no sopro do Espírito Santo. É importante notar que não há distinções entre categorias de virtudes: interessa que cada uma e no seu conjunto imitem a natureza divina, designem a imagem – eikon- de Deus:
Neste sentido, as virtudes são sobrenaturais porque são resultado da Incarnação do Verbo de Deus.
“Deus pintou a imagem da sua própria beleza aplicando como cores as virtudes”(Gregório de Nissa, Tratado da Criação do Homem).
A pureza – katharotes – não tem a ver com a ideia de ausência de sujidade ou de mancha de natureza física ou moral. É a característica da vida divina assim como katharsis é não a eliminação de impurezas terrestres mas comunicação da graça divina. Gregório de Nissa considera que o único conhecimento que temos de Deus é aquele que temos quando nos conhecemos enquanto imagem de Deus.
A apatheia e a katharotes designam a vida divina da alma, em geral, a graça que santifica e deifica e se expande em virtudes que são valores espirituais que acentuam a semelhança com Deus.
Os conceitos de apatheia – que também tem a ver com a privação de qualquer paixão- ekatharotes- a pureza -, são plotinianos, o pensamento é cristão. No seu conjunto a vida divina na alma humana, a graça divina é a participação dos humanos no mistério da vida de Cristo que venceu a morte e pela sua Ressurreição transformou a ideia de incorruptibilidade e de imortalidade para o espírito dos homens que perseveram na procura espiritual e de encontro interior, místico, com Jesus Cristo.
Cumpre-nos notar que a referência que encontramos ao paraíso no discurso do Jesus Cristo situa-se no momento da agonia, na cruz, quando promete ao bom ladrão, seu companheiro de suplício, a esperança de um post mortem de imortalidade, de reconforto, de continuidade de presença divina, de companhia: “hoje estarás comigo no paraíso”. Por isso o apelo a revestir-se do homem novo de que fala São Paulo é o apelo a revestir-se da apatheia, da katharotes de Cristo e a perseverar nas virtudes que são dons do Espírito Santo.
O ideal cristão e racional de autogoverno pessoal, familiar e social, de libertação
O poder público, a organização da sociedade, deve estar sujeito à razão e ao bem comum. Como leciona Bento XVI, na “Spe salvi” (n. 22), “sem dúvida, a razão é o grande dom de Deus ao ser humano; e a vitória da razão sobre a irracionalidade é também um objetivo da fé cristã”.
O primado da razão implica no direito natural de todo ser humano à autonomia (a ser um sujeito da história, e não um objeto, algo reificado). Nas palavras de Paulo VI, na “Populorum progressio” (n. 34):
“o homem [ser humano] só é verdadeiramente homem [realizando a natureza humana racional e social], na medida em que, senhor das suas ações e juiz do valor destas, é autor do seu progresso, em conformidade com a natureza que lhe deu o Criador, cujas possibilidades e exigências ele aceita livremente”.
A Igreja, partindo do humanismo hebraico (cf. Enrique Dussel), utilizou idéias e textos da Paidéia (do humanismo grego e antigo), especialmente de Aristóteles e dos estóicos (e, assim, também de Sócrates, Sófocles, Heráclito, dos pitagóricos e outros), pois coincidiam com as idéias da cultura hebraica, expressas na Bíblia.
Até mesmo a concepção da divisão tripartida do poder público está clara nos textos de Aristóteles, o pai da ciência política. Montesquieu, um grande pensador católico, apenas desenvolveu, usando também bons textos de John Locke.
Montesquieu aproveitou o modelo inglês e de outros países e apenas detalhou e aperfeiçoou a idéia de dividir o poder para permitir ao povo o controle político, o controle sobre o Estado, sobre a sociedade, sobre si mesmo.
Faz parte da Tradição hebraica-cristã (uma “tradição viva”, cf. Pio XII ou João Paulo II, na “Fides et ratio”, n. 85; tal como em “Puebla”, n. 372) e da Paidéia (tradição grega e também de diversos e antigos povos) a proposição que ensina que a razão é uma “parte da alma”, “é o governante e juiz natural das coisas concernentes a nós” (cf. “Ética a Eudemos”, 1219, 28; e “Protréptico”, p. 41, livro 20; textos colhidos do livro de Werner Jaeger, “Aristóteles”, México, Ed. Fondo de Cultura Econômica, 1995, p. 286).
O núcleo da ética, como ensinou Aristóteles (no livro “Ética a Nicômaco”, I, 13, 1.102, b, 16) é pautar a vida pela sabedoria, pela razão prática, que deve ordenar a parte sensitiva e vegetativa da alma, da consciência.
O ideal de autodeterminação é o ideal de libertação, de liberdade, de autonomia, de autarquia. Este ideal sempre foi cultivado pelos católicos. Por isso, Ludovico Ariosto escreveu, em sua casa em Ferrara: “pequena é esta casa, mas suficiente para mim e a ninguém está sujeita”. Este ideal brilha em grandes cristãos como Walter Scott, Dickens, Carlyle, John Ruskin (1819-1900), Ludwig Borne, Cervantes, Camões, Tomás de Kempis (“fecha a porta de sua casa e ficará em paz”) ou Edward Coke (“a casa de um homem é seu castelo”).
Conclusão: a consciência humana (com o primado da razão, mas sem nunca desprezar os afetos e os instintos) foi criada por Deus para nossa autodeterminação, para a autonomia. Cada pessoa deve guiar-se pela voz da própria consciência.
Cada sociedade deve guiar-se pelo diálogo, DEMOCRACIA POPULAR PARTICIPATIVA (SOCIALISMO DEMOCRÁTICO), que forma como que uma consciência social (gerada pela interação dialogal das consciências pessoais) e esta consciência social (o diálogo) deve auto-ordenar-se, governar-se a si mesmo.
Este é o Projeto de libertação de Deus, enunciado inclusive na abertura dos Dez Mandamentos e também na criação humana (cf. Gn 1,26).
A CRIAÇÃO, o UNIVERSO, nunca acaba, sempre continuará, pela ETERNIDADE, sempre melhorando, pela Evolução, pela força do Espírito que tudo empapa.
Toda pessoa tem alma eterna, alma que não é um vazio, e sim algo mais forte que o aço, que apenas se regenera, eternamente. As pessoas morrem, mas ficam vivas, ao modo de anjos, “sereis como anjos”, atuando na natureza, no Universo, para perfeição da Criação. A criação sempre continua, mesclada com A REGENERAÇÃO. E isso é puro catolicismo.
O mesmo conteúdo, GROSSO MODO, do melhor do budismo, do melhor do hinduísmo, das religiões afro, do mais puro confucionismo, xintoísmo etc.