A Doutrina da Igreja quer uma ECONOMIA DO TRABALHO, DO CONHECIMENTO, sem reificação, sem miséria, sem exploração, sem alienação

O processo natural e racional de nomogênese social e de produção de idéias e de palavras, tal como a estrutura do processo produtivo, deixa claro que a soberania reside na consciência das pessoas, na consciência social.

Antropologicamente, a idéia que o ser humano é essencialmente animal familiar, político, social e racional (movido pelo diálogo interno e externo) foi sempre uma das premissas mais importantes da concepção política cristã.

Esta idéia está na Bíblia (basta pensar em Judite ou Ester, tal como em Santa Joana d´Arc) e está presente também nos melhores textos da Paidéia (Sócrates, Sófocles, Platão, Aristóteles, os estóicos, Cícero e outros).

Alceu Amoroso Lima, no livrinho “Da inteligência à palavra” (Rio de Janeiro, Ed. Agir, 1962, p. 40), transcreve um trecho de Santo Tomás que explica a importância desta premissa antropológica para a compreensão do processo de nomogênese social, da gênese social da ética, das leis e do poder.

Vejamos o texto de Alceu: o ser humano “é, por natureza, um animal político e social” (cf. lição de Aristóteles, em “Política”, A. 2, 1253 a, 2; acolhida no comentário de Santo Tomás sobre esta obra).

A sociabilidade da natureza humana é maior que a das abelhas ou formigas.

Somos sociáveis, por força interna da psique humana e também porque é a única forma racional de atender às necessidades humanas.

A cooperação/união, o trabalho associado, UMA ECONOMIA DO TRABALHO, é a forma de atender às necessidades, pela multiplicação da produtividade do trabalho.

Usando um ditado popular, “a união faz a força”, especialmente no mundo intelectual e, por isso, só a participação de todos nos processos decisórios sociais E ECONÔMICOS pode assegurar boas decisões consensuais e que adequadas ao bem de todos.

Este ponto foi bem destacado nas encíclicas de Leão XIII. Por exemplo, na “Immortale Dei”, este papa ensinou: “vivendo só”, o ser humano “não pode adquirir o necessário para a subsistência e o progresso de sua existência, para a perfeição de seu espírito”. Por isso, “está disposto por Deus que nasça dentro da comunidade, tanto na familiar como na política”, pois somente nestas sociedades é que “pode obter o suficiente para a vida perfeita”.

Assim, o bem comum, a destinação universal dos bens, é a finalidade, a justificativa e a medida da legitimidade do Estado, de todas as leis positivas, TAL COMO DE TODA ESTRUTURA DO PROCESSO PRODUTIVO, da ECONOMIA, da organização da economia.

Leão XIII termina este ponto da encíclica explicando que o Estado nasce naturalmente da família e da sociedade, ou seja, imediatamente da “natureza”, estando vinculado à realização do bem comum.

A medida e o fundamento da autoridade, do direito natural, do poder legítimo, do Estado, das estruturas econômicas, é a conformidade com a razão (presente em todos) e como bem comum.

A importância do trabalho social para a ampliação da produtividade foi bem destacada por Adam Smith. Ocorre que este confundiu a importância do trabalho associado com a divisão do trabalho.

O que amplia a produtividade é a cooperação produtiva, o trabalho associado,  UNIÃO DO TRABALHO INTELECTUAL AO TRABALHO BRAÇAL, a ELEVAÇÃO CULTURAL E TÉCNICA-CIENTÍFICA DOS TRABALHADORES.

O trabalho associado que une o trabalho braçal ao trabalho intelectual, contando com as luzes, com a inteligência ativa de cada trabalhador, é a forma de obter o máximo de produtividade.

Também é a forma natural e racional para obter uma distribuição igualitária do produto (por meio de boas regras sociais e racionais, que devem ser positivadas), para atender às necessidades de todos.

Deus deu ao ser humano a palavra, a forma para a comunicação “aos outros” dos “pensamentos”, que é feita mediante “a voz”, por “palavras”. Para isso, as pessoas escolhem consensualmente palavras para designar os objetos e também escolhem regras consensualmente para ordenar (organizar) a vida social, visando o bem comum.

A divisão de trabalho é útil, quando é voluntária e consensual, ponto aceito inclusive por Marx, ao esboçar o “reino da liberdade” e também pelos melhores anarquistas.

Alceu, na obra referida acima, tal como em seus textos sobre o TRABALHO e nos textos do final da vida, textos socialistas, deixa claro que Santo Tomás destacava a importância do pensamento abstrato. A razão para isso é simples: não basta “o conhecimento sensível, que visa o presente e o imediato”, é preciso, também o “conhecimento intelectual”, com base na “abstração” (idéias), tal como a “escrita”. Por isso, a vida social é também a forma mais inteligente de obter as melhores idéias.

Como veremos mais adiante, com base nos textos de Aristóteles, a ampliação do poder da razão pessoal, pelo diálogo, pelo trabalho intelctual associado, é a grande justificativa da democracia.

Duas cabeças pensam melhor que uma e milhares e milhões, pensam ainda melhor. Por isso, para que a sociedade e o Estado, tal como as estruturas e unidades econômicas, sejam bem ordenados ao bem comum, é necessário e racional que todos tenham parte no poder, que todos tenham parte nos debates, na formação das idéias, na comunicação e no processo decisório.

As idéias surgem das imagens obtidas pelas “portas dos sentidos, especialmente os olhos e os ouvidos” (cf. Santo Inácio, nas “Constituições”, n. 250; tal como na teoria psicológica do senso ou sentido comum, bem exposta por Karl Rahner).

Estas imagens (visuais, auditivas, tácteis etc) geram palavras, diálogos e idéias consensuais que são então codificadas em textos. Logo, o processo de nomogênese social (as leis nascem da sociedade, do diálogo) é o processo normativo-legislativo natural e legítimo que ocorre em toda sociedade, gerando múltiplos ordenamentos jurídicos, sendo alguns formalizados e outros informais.

O processo de nomogênese social tem como origem imediata a consciência, a razão, o diálogo (que interliga as consciências).

Logo, a comprovação que o direito vivo e legítimo (tal como o poder social legítimo) brota das pessoas, da sociedade, está no núcleo do processo cognitivo natural, na “seqüência natural entre o pensamento, a palavra e a escrita”, sendo importante destacar que o pensamento (as idéias) nasce da interação entre as pessoas e a realidade, especialmente do diálogo.

A razão (a inteligência) humana pode conhecer a realidade, pode gerar verdades (idéias verdadeiras, que retratam a natureza, o ser, o que existe).

A razão humana atua em harmonia com a Razão, a Inteligência divina, e é exatamente por isso que as idéias verdadeiras e práticas estão sempre em consonância com o bem geral, dado que nascem do Bem, são planos de vida plena para todos. Neste sentido, Taparelli chamava o “direito” de idéias motrizes que “engendram a ordem, manifestada à razão”.

Conclusão: Deus criou a razão para o autogoverno (liberdade, libertação) pessoal e social, para que cada pessoa possa governar a si mesmo (controlar o próprio destino), pautando sua vida pelas regras da razão natural.

Da mesma forma, Deus nos deu a razão para que a sociedade possa se auto-determinar pela via do diálogo, e isso vale para a sociedade, o Estado, cada instituição, cada unidade produtiva, toda a estrutura da economia geral etc.

A razão pessoal e o diálogo (a interligação das razões, formando uma razão social) são as bússolas dadas por Deus para nossa navegação, na vida, para que o leme do barco de cada pessoa possa avançar ascensionalmente, na escada helicoidal (cf. Vico) do progresso pessoal e social.

O ordenamento jurídico liberal tem origem também nas concepções errôneas sobre a estrutura das empresas (das unidades produtivas), também baseada em erros graves sobre o direito de propriedade.

João Paulo II, na “Laborem Exercens”, desdobrando o texto de Paulo VI, citado acima, ensinou que a divisão da sociedade em classes sociais pelo gênero de trabalho deve cessar (ser extinta), já que a divisão de trabalho deve ser consensual, sem diferenças sociais.

O próprio Marx, num texto sobre a divisão do trabalho futura, ensinou a mesma coisa, lembrando que a mesma pessoa poderá trabalhar num dia num ramo e outro noutro.

Desde o início, a doutrina da Igreja implicitamente defendeu que a divisão da sociedade em classes tinha como base a divisão do trabalho (das diversas formas de trabalho), ou seja, era normal e é normal a existência de várias formas concretas de trabalho, de trabalhos variados, tal como a organização destes trabalhos, organização democrática.

A Igreja considera a divisão do trabalho  consensual como benéfica, TUDO sem exploração, sem reificação, sem dominação, sem servidões.