Francisco Suarez, o maior discípulo de São Tomás, favorável a democracia popular

O reconhecimento da Igreja que as idéias de Suárez são as que melhor expressam a doutrina de Cristo é praticamente um ponto pacífico na Igreja. Pio XII elogiava Santo Tomás de Aquino e Suarez como as principais autoridades jurídicas da Igreja. Quando Suarez estava vivo e lecionava na Universidade Gregoriana, o papa Gregório XIII (que regeu a Igreja de 1572-1585) comparecia às aulas deste sacerdote, dando respaldo público (reconhecimento) à doutrina do Mestre de Coimbra.

A influência de Suarez foi veiculada também por mediações, como os textos do padre Genovesi, amplamente acolhidos em Portugal, no iluminismo português, de fundo católico, bem próximos de Suarez. Genovesi é uma estrela democrática e também do garantismo penal. 

A concepção de Suárez, exposta em várias obras, como “De Legibus” (Livro III, cap. 3), é uma continuação (uma explicitação, um desdobramento) da concepção dos Santos Padres e do tomismo. Isto foi demonstrado pelo grande abade Jacques Leclercq (1891-1971), professor em Lovaína (Bélgica), no livro “Lições de direito natural” (5 volumes, 1927-1937, no cap. IV, do segundo tomo), tal como em “As linhas gerais da filosofia moral”.

As idéias de Suarez foram chamadas de teoria da translação ou da colação mediata do poder. Por esta teoria, o poder vem de Deus mediante o povo, mediante a sociedade, a natureza, a consciência das pessoas. No fundo, Leão XIII ensinou praticamente a mesma concepção, como será mostrado, já que adotava as premissas jusnaturalistas. Nos textos de Leão XIII há traços da teoria da translação e da designação e estas duas teorias são jusnaturalistas e democráticas.

A teoria da mediação era ensinada claramente por São João Crisóstomo (em seus comentários sobre a “Carta aos Romanos”, de São Paulo e na “Homília” XXIII), onde ensina que Deus é a causa primeira e última de tudo, mas o Criador age por mediações (pela criação), por causas secundárias, especialmente pela mediação das pessoas, do povo, da sociedade. O poder vem de Deus, mediante o povo, devendo o Estado ser um servo fiel do Povo. Estas idéias já estão em Cícero, Aristóteles, nos estóicos etc, tal como estavam na Bíblia. Cícero, por sua vez, obteve estas idéias dos gregos, especialmente de Platão, Aristóteles, dos estóicos, de Lísias e de Demóstenes (estes dois oradores eram seus modelos, como aponta no discurso “Brutus”, sobre a história da oratória em Roma).

A mediação da consciência das pessoas ocorre livremente, consensualmente, em torno do bem comum, sem violência ou mentiras. Há a mesma concepção nos livros mais importantes de Maurice Hauriou, como “Princípios de direito público” e “Précis de droit constitucional”. Esta idéia diretriz também está nos textos do dominicano Renard e em autores como Lemonyer O.P., Tonneau O.P., Troude (professor em Roen, França) e Delos O.P., que expuseram, no livro “Précis de sociologie” (Marseille, Éditions Publiroc, 1934, p. 313), a concepção de Suarez, resumindo tudo nas frases: “vox populi, vox Dei, omnis potestas a Deo… per populum” (“voz do povo, voz de Deus; todo poder vem de Deus… pelo, mediante o povo”).