A grande mídia deve ser pública, estatal, tendo ao lado milhares de pequenas mídias, sem oligarquia da mídia

O diálogo é a forma natural das pessoas de acessar e gerar idéias verdadeiras. A atuação divina, a Providência, opera por maiêutica, como Sócrates (cf. “Teeteto”, 15 c, “tenho isto em comum com as parteiras… interrogo os outros” para obter “pensamentos sábios”). A graça ajuda no parto natural de idéias verdadeiras em cada pessoa, em cada família e nos diversos círculos sociais (aldeias, bairros, vilas, cidades, regiões, estados-membros, departamentos, nações, continentes e no mundo).

Vale a pena transcrever o texto do padre Segundo, com base num texto de Pio XII, texto que Alceu amava, pois mostra a ineficácia da censura prévia, tal como a importância da tolerância, do diálogo, da cooperação na produção de idéias verdadeiras. O texto do padre Segundo diz (p. 142):

“Em 20 de dezembro de 1953, Pio XII dirigia-se aos juristas católicos italianos, falando de uma questão muito semelhante à que se tratou aqui – aliás, quase uma aplicação desta: que devem fazer pela “verdade” aqueles que têm poder na sociedade? A resposta dada por Pio XII desorientou alguns, por sua novidade dentro do ensinamento (para não dizer da prática) da Igreja: “A afirmação segundo a qual os desvios religiosos e morais sempre devam ser impedidos, quando possível, porque sua tolerância é em si mesma imoral, não pode valer em seu incondicional valor absoluto… Deve estar subordinada a normas mais elevadas e mais gerais, as quais permitem, em algumas circunstâncias, e mais ainda, fazem com que talvez seja melhor não impedir o erro, para promover um bem maior”.

Pio XII não se explicou mais. Mas cabe perguntar-se, naquilo que se refere ao tema aqui analisado: e se Deus tivesse usado o mesmo princípio com os autores humanos do Antigo Testamento, ou com os do Novo?

Se o princípio vale para os processos humanos, a “revelação” é um deles. Que Deus o dirija, não o faz ser menos humano em seus condicionamentos”.

Alceu usava este texto de Pio XII para combater a censura prévia, implantada pela ditadura militar, no Brasil, depois de 1964. Como ficou claro, o trigo acaba por aparecer por si mesmo em detrimento do joio. As idéias verdadeiras são claras, são brilhantes, ponto que os estóicos enfatizavam e que Descartes, seguindo a linha estóica, destacou. As idéias verdadeiras nos agarram pelo coração, são compreensivas, geram marcas no ser humano. Este ponto também foi destacado pelo jovem Marx e pelos estóicos, pois o jovem Marx amava Cleantes.

Da mesma forma, Pio XII deixa claro que o diálogo é a forma natural de gerar idéias verdadeiras, correlatas e em boa adequação com o bem comum. O bem comum, o “bem maior”, exige idéias geradas pelo diálogo, pela participação ativa do povo no poder. O diálogo é a via normal para a produção de idéias que geram o bem comum. O diálogo é a forma natural de termos poderes constituídos estruturados e organizados para o bem comum.

Vejamos a continuação do texto de Segundo, com base noutro texto do grande Cardeal Lercaro, um Cardeal vermelho, da Bolonha vermelha, próximo de Dom Hélder Câmara:

No entanto, nem tudo terminou com a declaração de Pio XII. Alguns anos depois, em 1958, o cardeal Lercaro, mencionando explicitamente aquele discurso papal, retomou com maior profundidade a explicitação, o “novo” tema da tolerância. No número 10 da revista Sacra Doctrina (cf. Documentation Catholique, 1959, col. 337 ss), escrevia: “Qual é esse bem maior que justifica e ainda exige a tolerância? A virtude que, geralmente, justifica a tolerância é a prudência, enquanto reto juízo sobre o que se tem de fazer. Mas essa prudência, em nosso caso particular, deve ser considerada como clarividência prática, por causa de uma situação histórica, que já não permite levar o herege à fogueira, ou, pelo contrário, em razão de princípios mais elevados, como o respeito pela verdade? […] Nós dizemos: respeito pela verdade e pela maneira humana de aceder a ela, mais do que respeito pela liberdade”.

O Cardeal Lercaro destacou bem a “maneira humana de aceder” às verdades, pela via discursiva, pelo diálogo, pelos debates, pelas contradições, por “ensaios e erros” (“Trial and error”), pela dialética real do diálogo entre as pessoas. A verdade nasce do diálogo. As idéias verdadeiras têm origem no diálogo, no Logos. O diálogo é a base da virtude da prudência, que é saber fazer a distinção entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro.

As idéias verdadeiras são as idéias boas, as idéias que geram o bem comum. Estas idéias nascem do diálogo, do povo e, por esta razão, o poder vem de Deus mediante o diálogo, pela consciência da sociedade, que é formada pela união das consciências pessoais, pela via unitiva do diálogo. O Plano divino é a formação da “Comunhão mística”, do “Corpo de Cristo”, que é uma união dialógica das pessoas, onde se um sofre, todos sofrem; se um se alegra, todos se alegram. A Comunhão mística é uma República popular, democrática, social cooperativa, baseada na comunhão de vida, de bens, do poder etc.

A verdadeira pedadogia cristã e humana, a verdadeira dialética (cf. bons textos socráticos e estóicos) é o diálogo. O termo dialética tem origem na palavra grega “dialektiké”, nascida do verbo “dialégomai”, palavra composta de “légo” (“logos”, falar, Palavra, Verbo) e a preposição “diá”, que significa “movimento”.

O diálogo foi e é alma do teatro clássico e atual, pois é a alma da vida social, sendo também o método de exposição e de investigação de Sócrates, Platão, Aristóteles e das “Sumas” de Santo Tomás de Aquino. O método escolástico é o método do diálogo, ponto que a estrutura das “Sumas” de São Tomás ilusta. São Tomás abre cada questão com uma tese posta por um personagem. Depois, elenca objeções e contradições, postas por outro. Em seguida, dá a solução que é, em geral, uma síntese. E, no final, responde às objeções, às antíteses. Enfim, tese, antítese, síntese e respostas. Diálogo, eis a estrutura dos livros de Santo Tomás de Aquino, o maior Doutor da Igreja.

Plotino, no livro “Enéadas” (I, III), trata especificamente da “dialética”, adotando o conceito de Platão e Sócrates (e Aristóteles), que explicavam que a dialética é o diálogo que parte do conhecimento sensível ao conhecimento intelectual, gerando idéias claras e verdadeiras correlatas ao Bem, ao bem comum,, num processo de purificação (“katharsis”). O conhecimento sensível gera imagens internas (“eikasía”); estas geram uma “opinião” (“pístis”, no sentido de hipótese); que, por sua vez, gera uma idéia exposta pela razão discursiva, o logos, o diálogo (“dianóia”); e, por fim, há a idéia verdadeira correlata ao bem comum, a compreensão (“nóesis”). Parte desta estrutura vem dos estóicos, pois Plotino adotava, na linha do platonismo médio, uma síntese de platonismo, neopitagorismo, aristotelismo e estoicismo.

A chave da democracia real está em assegurar o máximo de diálogo possível nos processos decisórios que interessam a todos ou mesmo a alguns. Por esta razão, os meios de comunicação devem estar sob o controle do povo organizado, sendo a base de um bom sistema de televisão uma estrutura como a BBC, um sistema de rádio e TV público, aberto à participação de todos, da sociedade. Ao lado, devem existir centenas de pequenas e micro pequenas mídias, familiares, sindicais, de municípios, de pequenas firmas familiares etc. Um sistema público grande, estatal, aberto, ao lado de miríades de pequenos meios de comunicação familiares, sindicais etc, como a economia mista, com boas estatais e milhões de pequenas empresas familiares. Misto, mesclado, com o melhor dos sistemas. 

Hoje, com a internet, a chave da democracia passa por um Sistema público de banda larga, uma grande estatal ou autarquia, que assegure a todas as pessoas a conectividade, o máximo de diálogo entre si e com a sociedade, o acesso à bilhões de textos, informações e idéias. Este ponto sempre foi bem destacado por meu grande amigo, Antônio Carlos Rodrigues Vianna, um grande prestista.