Bento XVI, quando era apenas o Cardeal Joseph Ratzinger, redigiu o texto “Origem e natureza da Igreja” (publicado no livro coordenado pelo bispo Martins Terra, “Bíblia e justiça social”, São Paulo, Ed. Loyola, 1991, p. 82).
Vejamos como o atual Papa explicava o termo “Ekklesia” (Assembléia), “Igreja”, “povo de Deus”:
“… utiliza-se o vocábulo Ekklesia que, em seguida, incorporou-se a todas as línguas românicas e passou a ser a denominação peculiar da nova comunidade nascida da obra de Jesus. Por que se escolheu esta palavra? Que expressa esta palavra sobre esta comunidade? Da grande quantidade de material que se acumulou nas investigações sobre esta questão, eu gostaria de destacar aqui apenas uma observação. O termo grego, que continua a viver na palavra latinizada Ecclesia, tem sua base na raiz do Antigo Testamento, e comumente se traduz por “Assembléia do povo”. Tais assembleias, nas quais o povo se constituía como entidade cultual e, a partir daí, como entidade jurídica e política, existiam tanto no mundo grego como no âmbito semita.
A “quahal” [Kahal] do Antigo Testamento, porém, diferencia-se da Assembléia grega dos cidadãos com direito de voto, por um duplo aspecto: na “quahal” participam também as mulheres e as crianças, que na Grécia não podiam tomar parte ativa nos negócios políticos. Isto tem que ver com o fato de que na Grécia são os homens que decidem o que deve ser feito, ao passo que a Assembléia de Israel se reúne “para escutar a Palavra de Deus e aceita-la” [para o Diálogo]. Esta concepção tipicamente bíblica da Assembléia do povo parte do fato de que se considerava a Assembléia do Sinai como o protótipo de todas as outras Assembléias do povo; ela fori novamente celebrada por Esdras depois do exílio, realizando-se, assim, nova fundação do povo. Mas, como a dispersão prosseguia e a escravidão voltara, uma nova “Quahal”, uma nova reunião e uma nova fundação do povo por parte de Deus, passou a ser um dos pontos centrais da sua esperança. A oração pedindo que se congregue o povo, que surja a “Quahal-Ecclesia”, faz parte integrante do conjunto das orações judaicas da época de Jesus”.
Jesus Cristo escolheu o nome “Igreja” para denominar a organização do povo de Deus, a Aliança do Povo. O nome “Igreja” é exatamente o mesmo nome que simbolizava a Democracia, no mundo antigo, da Paidéia. Cristo mesmo escolheu este nome para Seu Corpo, para a Comunhão das pessoas com Deus. O nome de guerra da democracia, “Assembléia” (“Ekklesia”, em grego; “Ecclesia”, em latim; “Kahal”, em hebraico) foi escolhido por Deus para designar o Povo de Deus, o próprio Deus mergulhado no coração, na consciência do Povo soberano e divinizado.
A Bíblia ensina que o povo fez uma Aliança (consenso, diálogo) com Deus. O termo “aliança” é a tradução para “Brit”, que significa “Pacto”, “Aliança”, “União”, “Diálogo”, “Contrato social”. A base para a união com Deus é o diálogo, o consenso, a aliança, pactos, acordos, compromissos. O poder nasce do diálogo, do consenso, da aliança, da união (“Brit”).
O termo “Igreja” (“Ekklesia”, em grego) significa “o povo em assembléia”, “Assembléia do povo”, onde o povo exercia diretamente seus poderes políticos, nomeando magistrados, fazendo leis e julgando. A Igreja é o Povo divinizado, é o Povo portando Deus nos corpos. A Igreja é o Povo unido numa Comunhão Místico, o “Corpo de Cristo”, o Cristo coletivo, em Assembléia.
Os textos de Xenofonte, de Sólon e outros mostram a importância central da Assembléia, que Homero ensina que existia até mesmo no Olimpo. A Bíblia e a Igreja também ensinam que no Céu há uma Grande Assembleia, onde as pessoas participam do governo divino, como pode ser visto no livro “Apocalipse”. O Reino de Deus é uma Grande Assembléia, uma Grande Democracia Popular Participativa.
O próprio Deus, no Céu, organiza Seu poder mediante “Assembléia”, como explica o “Eclesiástico” (24,1-2): “a sabedoria faz o seu próprio elogio e se gloria no meio do seu povo. Ela abre a boca na Assembleía do Altíssimo e se gloria do seu poder”, atua “sobre toda a terra, sobre todos os povos e nações”.