A fórmula de Abraham Lincoln é uma fórmula cristã – o poder deve vir do povo, pelo povo, para o bem do povo.

O ideário (ideal, plano, programa) social e político da Igreja foi resumido por Paulo VI, na “Octogésima adveniens” (14.05.1971), onde este Papa escreveu: “a pessoa humana [todas as pessoas] deve ser o princípio [a fonte, a origem imediata], o sujeito [exercendo o poder, tendo a titularidade do poder] e o fim [a finalidade, o bem das pessoas, bem comum] de todas as instituições sociais”.

Esta fórmula de síntese da teoria política cristã e natural, usada por Pio XII, foi repetida por João XXIII, pelo Vaticano II, por Paulo VI e por João Paulo II.

O humanismo cristão (presente na Bíblia e na Tradição) exige que tudo gire em redor da pessoa, do povo (“laos”, em grego; “am”, em hebraico), do ser humano, dos direitos naturais humanos. Isto inclui todas as estruturas socioeconômicas, políticas, culturais, pedagógicas, eclesiais etc. No fundo, é a mesma fórmula usada por Abraham Lincoln (presidente que Marx admirava, tendo até escrito uma carta a Lincoln), que definia a democracia como o “governo do povo [princípio, fonte], pelo povo [o sujeito ativo] e para [finalidade, fim, beneficiar] o povo”.

Abraham Lincoln (1809-1865) também defendia o primado do trabalho sobre os meios de produção e também era protecionista, ensinando que cada país deve produzir a base de sua alimentação, roupas etc, sem dependências externas, assegurando a soberania alimentar e produtiva. O sistema protecionista foi chamado de “Sistema americano”, expressão cunhada por Henry Clay, num famoso discurso que proferiu, em 30.03.1824, no Congresso dos EUA. O protecionismo foi usado pela Inglaterra, pelos EUA, pela Alemanha e pela França para desenvolver suas indústrias. Mesmo Adam Smith advoga alguma porção de protecionismo. No entanto, após desenvolverem suas indústrias, estes países ricos exportam livre-cambismo e neoliberalismo, para impedirem o desenvolvimento dos países fornecedores de matérias primas. O protecionismo é apenas uma parte da ação estatal, necessária e útil ao desenvolvimento de qualquer economia. Economia boa é economia mista, com regência estatal, presença estatal, controle estatal. 

Uma boa organização econômica mundial deve ter regras públicas para reger a economia, para proteger as indústrias locais, difundindo as fontes da produção. Para isso, um Estado mundial planificador é essencial, como bem explicaram Bento XV, Pio XI, Pio XII, João XXIII, o Vaticano II, Paulo VI e os demais Papas, prestigiando a ONU, como núcleo deste Estado mundial futuro. Deve ser um Estado confederativo, que não elimine as Nações, nem as unidades provinciais e departamentais, nem os Municípios, nem os bairros, nem as Famílias.

Na encíclica “Octogésima”, Paulo VI destacou a “dupla aspiração mais viva, à medida que se desenvolvem a informação e a educação: a aspiração à igualdade e a aspiração à participação; trata-se de dois aspectos da dignidade do ser humano e da sua liberdade” (n. 32).

Os documentos pessoais de Salazar provam a hostilidade deste contra Paulo VI. Os textos de Ricardo de La Cierva, ideólogo do governo de Franco, também mostram a raiva de Franco contra Paulo VI. O processo de abertura, no Brasil, em 1974, também ocorreu, em boa parte, por conta dos documentos de Paulo VI, dos Sínodos de Bispos etc. Outro fator importantíssimo para o fim do governo ditadorial no Brasil e em outros países foi a queda de Nixon, em 08.08.1974, por conta do escândalo de Watergate.

Para Paulo VI, a primeira aspiração, o primeiro direito natural, é a igualdade. Trata-se do direito natural à igualdade social. A segunda a aspiração ou direito natural é o direito à participação. As aspirações à igualdade e à participação fundamentam a democracia e tem fundamento na própria natureza humana, ao modo como somos estruturados pelo Criador. Nas palavras de Paulo VI:

a dupla aspiração à igualdade e à participação procura promover um tipo de sociedade democrática”. Desta Democracia, vários modelos se propõem, dos quais alguns já foram utilizados; nenhum deles, porém, foi plenamente aprovado, de tal forma que, neste campo, continuam as investigações, não só entre as opiniões teóricas, como também nos sistemas de experiência” [cf. n. 24, da encíclica referida].

O termo “igualdade” significa “justiça”. Justiça vem de “jus”, “maat” (em egípcio), equivale a “eqüidade”, “balança”, igualdade, boa medida. “Justiça”, como também revela o termo hebraico e bíblico. Justiça significa, como destacou João XXIII, assegurar a todas as pessoas os bens que lhes são devidos naturalmente, condições de vida plena para todos. Significa assegurar condições de vida plena para todos.

Todas as pessoas devem ter os bens suficientes para uma vida plena e abundante, como ensinava São João Evangelista, o discípulo mais próximo de Jesus.

O objeto (finalidade) da “justiça”, das regras racionais e sociais para a vida humana, é “o bem comum”. A virtude da justiça significa idéias práticas e criadoras, sociais e consensuais, exigidas pelo bem comum. Em suma, “justiça” é um conjunto específico de idéias práticas (de regras, deveres, obrigações) exigidas pelo bem comum.

O bem geral ou comum exige a mediania, a igualdade social, uma vida simples, modesta, “humilde”, sóbria, independente, “estóica”, cristã. O bem comum exige também um regime político e um sistema econômico onde todos tenham participação no poder, controlem a natureza por formas econômicas sem reificação (sem extração de mais valia), que todos tenham os bens suficientes para uma vida digna, sem milionários e sem miseráveis, como queriam Chesterton e Alceu.