O marxismo teve adesão na América Latina porque parte de seu conteúdo coincide com verdades já contidas no catolicismo e nas correntes nacionalistas e de economia mista cristã

No livro “Ensaio – Tempos de Lukács e Nossos Tempos – Socialismo e Liberdade” (São Paulo, Ed. Ensaio, 1984, p. 153), há a opinião de André Gunder Frank sobre a teologia da libertação. Vejamos:

“Andre Gunder Frank: ao comemorar-se o centésimo aniversário da morte de Karl Marx, gostaria de analisar a persistente importância de Marx e do marxismo em nossos dias, dando ênfase à significação de sua finalidade principal e aos problemas que disso derivam.

“O objetivo principal perseguido por Marx e pelo marxismo tem sido o de mudar o mundo para melhorá-lo: “Até aqui os filósofos só têm interpretado o mundo, nosso objetivo é transformá-lo” para eliminar a exploração, a opressão e a alienação do homem (e da mulher) pelo homem. O método de Marx, identificado com seu nome, ainda que nem sempre posto em prática pelos marxistas, tem sido o materialismo histórico: “Não é a consciência do homem que determina sua existência, mas, ao contrário, é sua existência social que determina a consciência”.

A frase boa de Gunder – a prática do materialismo histórico requer “uma análise concreta da realidade concreta” (Lênin), não a adesão ideológica a textos sacralizados ou mera obediência política a uma doutrina aceita.

Correto. Os marxistas não devem sacralizar, considerar como fetiches, os textos de Marx. Não devem tratar Marx como se fosse um Papa e um Papa que somente usasse o magistério extraordinário, definindo ex cathedra os pontos. Marx não deve ser tratado como um Papa, e sim como um cientista e estudioso. 

Lembro que quase todos os textos dos Papas, nas encíclicas, não são textos do Magistério extraordinário, não são textos infalíveis. São textos RACIONAIS, valem pelo conteúdo, pela racionalidade do conteúdo e adequação com os fatos, com as provas factuais, podendo ter erros.

Os católicos, então, da mesma forma, não devem seguir a corrente malsã do integrismo, achando que todos os textos papais são infalíveis. Todos são em geral ótimos, com grandes ideias e insights, e praticamente gosto de todos.

Os textos dos Papas, a maioria absoluta, são escritos no exercício do magistério ordinário, quase sempre ensinam boas verdades, mas não são infalíveis. Somente são infalíveis quando o Papa age no exercício do magistério extraordinário e isso só ocorreu pouquíssimas vezes, e mesmo estes textos devem ser interpretados corretamente, com distinções e cuidados, que os grandes teólogos ensinam.

Continuando a examinar o texto bom de Gunder Frank:

Pág. 160 a 161: muito do crédito que o marxismo alcançou na América Latina deve atribuir-se a dois aliados que não esperava, nem tampouco desejava: o nacionalismo e a religião.

“Contradições entre materialismo, nacionalismo e religião”. 

“Uma contradição maior e recente se coloca entre fins e meios do marxismo, referida agora ao significativo papel do nacionalismo e da religião. De acordo com o materialismo histórico clássico, estas formas da consciência logo desapareceriam, especialmente como forças capazes de mobilizar as massas, como aconteceu no desenvolvimento capitalista e também no socialista. Mas ocorreu algo contraditório, o nacionalismo e a religião não só subsistiram- e estão outra vez se fortalecendo mesmo no interior dos países socialistas, senão que, como consciência e força mobilizadora das massas, converteram-se em aliados necessários e talvez nos instrumentos mais importantes daqueles que falam em nome de Marx e buscam complementar seu método materialista para conseguir seu objetivo cem anos depois de sua morte. É uma irônica contradição. Nenhum partido socialista ou movimento nunca chegou ao poder senão confiando na força do nacionalismo, talvez em maior grau que no marxismo.

(…)

“Tal como o explicou um partidário cristão marxista da teologia da libertação, sem a condução do materialismo histórico o corpo religioso é cego [exagero…], mas sem alma religiosa um dirigente não tem meios para conduzir o corpo [na verdade, a aliança ocorre porque há conteúdos comuns nas consciências marxistas e nas consciências católicas, cristãs e nacionalistas, corrijo eu].

“Na América Latina, onde muitos celebrariam o centenário da morte de Marx com uma década de revoluções em seu nome, o qual foi por vezes considerado por eles como anticristo, agora se vê que os soldados de Cristo estão na vanguarda da luta revolucionária e os defensores da análise marxista devem segui-lo, por que eles são seus líderes. Convenientemente armados, eles estão batendo às portas do paraíso; mas não do paraíso secular previsto por Marx.

“Não obstante, enquanto os cristãos podem invocar a ira de Deus e o amor de seu filho Jesus Cristo, ou ao Espírito Santo para justificar seu casamento com os marxistas, estes últimos devem ainda aproveitar-se do método do materialismo histórico para explicar o renovado vigor da religião e seu casamento de conveniência com ela.

“Certamente, o ressurgimento religioso freqüentemente fundido com o nacionalismo e ainda com o racismo, como sucede entre os iranianos e os muçulmanos árabes, está sacudindo o mundo novamente, muito tempo depois que um equivocado materialismo histórico havia prognosticado sua morte e seu enterro. No entanto, no amplo leque que vai desde o Norte e o Oeste da África, atravessando o Oriente Médio, sul da Ásia e Sudeste Asiático, esta mobilização e ressurgimento religioso, não só do Islã como também de outras crenças, está ameaçando crucificar o materialismo histórico e enterrar qualquer projeto socialista previsível construído em seu nome.

“Ainda assim, o materialismo histórico pode ser útil para aqueles que, honestamente, agora se perguntam como e por que a análise marxista, em sua primeira etapa, conduziu demasiado longe a real determinação material da consciência. Entretanto, agora, o materialismo histórico deve ser utilizado, não tanto para negar a persistência desta consciência, ou para buscar sua transformação e perseguir os objetivos de Marx, senão muito mais para facilitar a melhor adequação a esta realidade e ajudar à condução do homem para que faça sua própria história, dentro das limitações de uma consciência histórico-material, e uma cambiante realidade”.

Meus comentários – Gunder Frank reconheceu: “os soldados de Cristo estão na vanguarda da luta revolucionária”.

Frank viu também a necessidade da aliança, “aliados necessários”.

Da mesma forma, o reconhecimento que os marxistas não devem se apegar a textos como fetiches e que devem buscar transformar a sociedade, trabalhando com aliados para tal, os nacionalistas ( quase todos religiosos) e os religiosos. A corrente da teoria da dependência tem Gunder Frank, Singer, Teotônio dos Santos e outros como expoentes.

Fernando Henrique Cardoso não faz parte da teoria da dependência, que denúncia a dependência, pois é o contrário, é um apologista da dependência, da inserção submissa na economia internacional. Na verdade, FHC dobrou os joelhos ao capital internacional, elaborando uma apologia do mesmo e não uma crítica. O melhor é irmos além do pedido do mesmo para que seus textos fossem esquecidos. Os textos de FHC só são úteis, especialmente o Diário, na parte onde mostra toda a submissão que tinha ao FMI e a CIA. 

Fernando Henrique Cardoso é um exemplo terrível de traição às aspirações de milhões de trabalhadores que confiaram no mesmo. Seus textos, desde o final da década de 60, marchavam na contramão dos escritos de um Celso Furtado ou de um Paulo Schilling, que denunciavam os males terríveis das multinacionais. Estas operam como bombas de sucção e como correntes de controle político do grande capital, mantendo o Brasil como uma colônia.

Fernando Henrique Cardoso em vez de adotar as posições nacionalistas contra o imperialismo econômico – condenado por vários Papas, desde Pio XI-, redigiu uma apologia ao capital internacional, incitando o Brasil á submissão, a uma inserção submissa no cenário internacional.