Textos de Benoit Malon, da Primeira Internacional, mostram fontes cristãs e católicas pré marxistas das correntes socialistas, inclusive do marxismo

Benoit Malon, na obra “O Socialismo Integral, Historia das Theorias e Tendências Geraes” (obra impressa em Lisboa – TYE, pelo Instituto Geral das Artes Gráficas, em 1899, traduzido por Heliodoro Salgado, que tive nas mãos, comprada em sebo) narra a história do socialismo.

A Primeira Internacional não era um monopólio de Marx. A Primeira Internacional tinha dezenas de correntes diversas. Tinha várias correntes socialistas religiosas, correntes nacionalistas e de vários pensamentos diversos, inclusive gente de Bakunin, de Proudhon). O veio marxista era minoritário, embora Marx e Engels tenham impresso várias das linhas gerais. O grupo marxista era pequeno, mas se apoiava nos Sindicalistas ingleses, a maior parte, religiosos, tal como se apoiava em grupos da Alemanha, da Bélgica, da Suiça, dos EUA etc. Era pluralista. 

Pois bem, na Primeira Internacional, um dos maiores oradores foi Benoit Malon, que, em vários pontos, seguia Marx, mas com ideias próprias.

Malon foi um dos primeiros historiadores do socialismo. Sua obra, tal como o livro de G.D.Cole, é essencial para a história do socialismo.

A narrativa de Malon ilustra bem a tese contida neste meu blog.

Benoit Malon era adepto do panteísmo, com religiosidade específica monista, e participou de vários congressos da II Internacional. Valorizava as raízes éticas do socialismo. Vejamos vários textos deste socialista, mostrando as origens religiosas de várias ideias fundamentais das correntes socialistas, com alguns comentários:

Pág. 96 a 97: “Para ser justo todavia, preciso é que se diga, em descargo da economia política, que a pleíade [a elite literária, os melhores] economista que, para a distinguirmos da implacável escola ingleza [liberalismo econômico], nós denominamos escola franceza, e na qual encontraremos Sismondi, Adolpo BIanqui, Eugenio Buret, Villermé, Villeneuve Bargemont, Droz, Miguel Chevallier, etc., protestam dignamente em nome da Razão e da Humanidade”.

Malon ataca a corrente inglesa liberal (Adam Smith, Ricardo, Malthus, Senior, James Mill e outros).

Malon mostra que existia uma corrente francesa não neoliberal, não adepta do liberalismo econômico. Esta corrente francesa humanista e socialista era formada principalmente por escritores como: Sismondi, Eugênio Buret, Villeneuve Bargemont e outros, que eram inspirados pela religião em suas críticas.

Miguel Chevallier era sansimoniano, moderado, também se pautava nas idéias de Saint-Simon sobre o verdadeiro cristianismo. Ocorre que Miguel Chevalier, mais tarde, adere aos erros do liberalismo, na questão do livre cambismo. Frise-se, no entanto, que os livros de Chevalier admitiam certo grau de intervenção estatal na economia.

Sismondi foi lido por Marx e amplamente citado. Sismondi é um dos grandes precursores CRISTÃOS de Marx, sendo uma das fontes grandes de Marx. Foi elogiado por Marx em dezenas de textos. 

Eugênio Buret é citado reiteradamente por Engels na obra sobre as condições dos trabalhadores. Marx também o elogia. Buret era cristão, da linha de Sismondi. Fonte cristão pré-marxista. 

Villeneuve Bargemont é considerado por todos os doutrinadores sobre a história da doutrina social da Igreja como um dos precursores da Doutrina social da Igreja, na verdade, um dos expositores, pois a Doutrina social da Igreja está na Bíblia e nos Santos Padres. Villeneuve Bargemont deixou obras escritas na década de 30, quando Marx tinha doze anos e estava entrando no Ginásio (antigo Colégio Jesuíta) de Trier, tendo como colegas vários seminaristas católicos. Bargemont foi lido pelo Karl Marx, desde, pelo menos, o início da década de 40, no século XIX. Foi crítico do capitalismo e adotava a economia mista.

Malon transcreveu um belíssimo texto de François Chateaubriand, retirado da obra “Estudos Históricos”.

Vejamos o texto de Chateaubriand,  um grande católico, que foi fundamental para a conciliação da Revolução Francesa com a Igreja, pela Concordata feita por Napoleão I com o Papa, lá por 1800 e pouco. Chateaubriand escreveu o livro “O gênio do cristianismo”, que é belíssimo.

O texto em seguida transcrito foi escrito talvez em 1800 e pouco, tirado da obra de Malon:

Responde, se podeis, às ficções aristocráticas: tentar persuadir ao pobre, quando ele souber ler, ao pobre a quem a palavra é levada todos os dias pela imprensa, de cidade em cidade, de aldeia em aldeia; tentai persuadir a esse pobre que possui as mesmas luzes, a mesma inteligência que nós, que deve submeter-se a todas as privações, enquanto que um outro homem, seu vizinho, tem, sem trabalho, mil vezes o supérfluo da vida; que os vossos esforços serão inúteis. Ninguém peça à multidão virtudes superiores à natureza…Nós não estamos num tempo de revolução, mas de transformação social. Eu bem vejo o hospital onde jaz a velha sociedade. Quando ela tiver expirado, há de decompor-se, a fim de se reproduzir sob novas formas. Deixa-a sucumbir primeiro. A primeira necessidade para as sociedades, como para os homens, é morrer. A velha sociedade parece ainda viva, mas nem por isso deixa de estar na agonia. O que respondereis vós ao proletário que, num parlamento, viesse dizer-vos: Nós propomos abrir um grande livro da dívida pública consolidada, cada propriedade territorial será apreciada contraditoriamente pelos interessados e pelos juris saídos da eleição; o valor será pago em diversos termos convencionados; e o Estado, desde hoje, tomará posse do solo nacional”. (Chateaubriand: Estudos Históricos, t. II).

O texto de Chateaubriand deixa clara que os trabalhadores já queriam “abrir” o livro da dívida pública consolidada, que já queriam controlar e conhecer (inclusive, auditar), tal como queriam verificar a legitimidade ou não dos registros, das origens dos latifúndios (para serem desapropriados), e que um Estado controlado pelos trabalhadores buscaria “tomar posse do solo nacional”, para o tornar fecundo, dando a posse e propriedade aos camponeses.

Meu comentário – faltou acrescentar que um governo justo examinaria os títulos de propriedade e aplicaria a pena de perdimento às “propriedades” com títulos falso, grilados.

No Brasil, quase todos os latifúndios são frutos da grilagem. Estes latifundiários deveriam perder as terras públicas griladas e usurpadas, pagarem pelo uso ilícito e ainda serem presos pelo esbulho possessório. O texto de Benoit mostra que textos católicos e cristãos estavam presentes na consciência de grandes lideranças da Primeira Internacional, inclusive na consciência de Karx Marx, sendo estas algumas das fontes pré marxistas das correntes socialistas, inclusive do próprio marxismo.