As lições de um velho católico como Balzac, um dos maiores escritores da França

A personalização em boa síntese com a socialização visa ampliar a atuação livre das pessoas, pois a variedade e a policronia são boas em si mesmas.

A criação revela novos aspectos do ser e do próprio Deus que se revela por Seus reflexos em milhões de seres que espelham, revelam, a luz divina e a infinitude do Ser, que é difusivo, multiplicando a vida em toda a parte.

No prefácio da “Comédia Humana”, Balzac corrigiu Rousseau, escrevendo, na linha de Bonad:

“a sociedade, longe de depravá-lo [aos homens], como afirmou Rousseau, o aperfeiçoa, torna-o melhor; mas o interesse [econômico, a acumulação] também desenvolve suas más tendências. O cristianismo, e, sobretudo, o catolicismo, sendo, como eu o disse no “Médico rural”, um sistema completo de repressão das tendências depravadas do homem, é o maior elemento de ordem social”.

Balzac constatou corretamente que o catolicismo não aceita a acumulação privada de bens (e de poder, pois o poder é uma espécie de bem) como ideal social, pois os bens foram feitos para todos.

Ao contrário, o cristianismo vê a acumulação de bens (e de poder, de cultura, de conhecimento, de prazer etc) em mãos privadas como algo satânico.

O mal é a ausência do bem devido, tal como a perversão do uso social dos bens. Este ponto fica patente nos textos de um Sismondi e nos textos bíblicos, a começar por Moisés, em sua legislação social distributista e regulamentadora.

Balzac afirma explicitamente que seguia idéias de Bonald e reconhece que a eleição popular é um “excelente princípio para constituir [criar] a lei [positiva]”, o que também demonstra o apreço de Balzac pela sabedoria do povo, da sociedade.

Aos que o acusavam de descrever atos imorais, Balzac respondeu que: “no quadro que dela [a sociedade] faço encontram-se mais personagens virtuosos do que personagens censuráveis. As ações repreensíveis, as faltas, os crimes, dos mais leves aos mais graves, nele [em seus livros] encontram sempre o castigo humano ou divino, ruidoso ou secreto”.

De fato, na sociedade há mais “personagens virtuosos do que personagens censuráveis”.

Há mais bondade do que maldade. Esta base ética popular (vista por Pope, Rousseau e Leibnitz e atacada por Voltaire) é a base antropológica mais forte da democracia, sendo um ponto chave da dogmática católico.

No universo, a bondade é muito maior que a maldade, como também explicou Balzac.

É a sabedoria (a cultura popular) do povo que fundamenta a democracia, o poder, as leis, a ciência etc e tudo o que é positivo. Esta concepção cristã está bem presente nos textos de autores como Walt Whitman, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Castro Alves, José de Alencar e outros escritores românticos.

Balzac, nos passos da Bíblia e dos textos de Aristóteles, também defendia que uma sociedade justa é aquela em que “o governo” busca ampliar “a classe média [a situação de mediania, de moderação, de equilíbrio], na qual reside a verdadeira força dos Estados”.

Em outros termos, uma sociedade sem miséria e sem ricos, sendo este o ideal social da Bíblia, dos estóicos e de Aristóteles, nos seus livros sobre ética, economia e política.

Em obras escritas antes de Marx, Balzac descreveu “os pequenos burgueses”, os “camponeses” (títulos específicos de obras), os burgueses (distinguindo as subespécies dos comerciantes, dos industriais e dos financeiros), os latifundiários etc.

Ao elogiar os camponeses, Balzac chega a prever que estes, no futuro, abolirão a burguesia, tal como esta e os camponeses e pequenos burgueses aboliram o poder da nobreza-latifundiária, previsão que Frei Sérgio Görgen, do MST e da Via Campesina, apreciaria muito.

Engels elogiou Balzac pela descrição “quase de ano em ano, de 1816 a 1848” da “sociedade francesa”, mostrando “a burguesia ascendente” contra a “nobreza” (os grandes proprietários rurais) e especialmente num atrito com a burguesia financeira.

Balzac também fez um lindo elogio aos “heróis republicanos da rua do Cloitre-Saint-Merri” (da insurreição de junho de 1832).

Em Balzac há ainda a apologia da pequena burguesia e do campesinato e nisto tudo ficam patentes as raízes cristãs de Balzac.

O apreço pela pequena burguesia também está claro nos textos do belga George Simenon (1903-1989), especialmente nos livros sobre o Comissário Maigret. Há o mesmo elogio nos textos de Rex Stout, pois o próprio Nero Wolfe é um pequeno burguês muito independente e original.

Conclusão: a sociedade bem organizada (bem regida, cf. a idéia de regime justo, cf. Santo Tomás) é a sociedade em que todas as pessoas têm papéis (funções) significativas, onde todos brilham, todos têm pequenos e médios bens, renda mensal estatal ou própria, iluminando a sociedade como se fossem estrelas, como a Bíblia ensina (os justos brilharão como estrelas).

Cada pessoa é sagrada e única e a sociedade boa é fruto da realização de cada potencial potencial humano, é fruto do diálogo entre todos e destes com Deus.

A sociedade bem regida é a que permite a realização (o bem, a perfeição) de cada ser humano, do potencial presente em cada um de nós.