As virtudes são regras pró bem comum, pró democracia popular

As quatro virtudes cardeais listadas por Platão, por Aristóteles e pelos estóicos estão também na Bíblia (cf. “Sabedoria” 8,7; 1 Pr 14,15; Lv 19,15; Cl 4,1; Sl 118; Jo 16,33; Tt 2,12; Eclo 18, 30 e em centenas de versículos).

A primeira das virtudes naturais e cardeais é a “prudência” (a “regra certa da ação”, cf. Aristóteles), que aperfeiçoa a “logiskikón”, a mente, detalhando as regras na aplicação da regra do bem comum aos casos particulares. A prudência foi definida pelo “Catecismo da Igreja Católica” (n. 1806) como a aplicação “dos princípios morais aos casos particulares”, “sobre o bem a praticar e o mal a evitar”, na luta entre o Bem (comum) e o Mal.

A segunda virtude é a justiça, ou seja, o conjunto de regras (ideias) práticas, nascidas do povo, para o bem comum.

Há também a “temperança” e a “fortaleza” (coragem). Estas duas virtudes exigem o controle racional sobre os apetites, paixões, movimentos corporais e psíquicos, agressividade, concupiscência, afetos, desejos, paixões, imaginação etc. O termo “concupiscência” significa apenas o movimento do apetite sensível para seu objeto, sendo algo natural, desde que nos limites da razão, do bem comum.

Como ensinou o “Catecismo da Igreja Católica” (n. 1808), “a fortaleza” é a regra da “firmeza”, da “constância na procura do bem”, nos faz “vencer o medo, inclusive da morte”, “suportar a provação e as perseguições”, nos move mesmo ao “sacrifício” da “vida para defender” “causas justas” (“no mundo, tereis tribulações, mas tende coragem; eu venci o mundo”, disse Cristo, em Jo 16,33).

A “temperança” “modera a atração pelos prazeres”, “procura o equilíbrio no uso dos bens criados”, “assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade” (n. 1809, do “Catecismo”). Temperança é “moderação”, “sobriedade”, equilíbrio.

As “virtudes” são “adquiridas pela educação, por atos deliberados”, pela “perseverança”, “são purificadas e elevadas pela graça”, “forjam o caráter”, “facilitam a prática do bem” (n. 1810).

Estes pontos da ética hebraica e cristã eram racionais e, assim, são também encontrados na ética da Paidéia. Ou por força da razão ou da difusão das idéias hebraicas e cristãs no mundo, reaparecem em toda parte. Por exemplo, nos textos de Jigoro Kano, o codificador do judô, no Japão. Como ensina Jigoro Kano, no livro “Energia mental e física” (São Paulo, Ed. Pensamento, 2008, p. 108), “o propósito maior do estudo do judô” é que a pessoa “deve se aprimorar e contribuir para a sociedade”. Cabe a todos “desenvolver bons hábitos diários”, como “a simplicidade e a moderação”, “ao pensar em você, sempre tenha os outros e a toda a sociedade em mente”. Jigoro difundiu o ideal de “uma vida simples e modesta”, “desenvolver e acumular a energia necessária para usar pelo bem da sociedade, o que também trará muitos benefícios a você”. O ideal do judô, tal como também do escotismo, é o ideal de “uma vida simples e modesta”, “pelo bem da sociedade”, “valorizando a honra e a integridade”, “com as mais nobres intenções”.

A quintessência da ética é o conjunto das regras (idéias, depois atos) racionais, sociais e práticas, para pautar a vida, em prol da concretização do bem comum. Em termos clássicos, as virtudes são as regras racionais do bem comum e são a base humana da salvação, com o auxílio da graça. No fundo, as “virtudes” (as quatro cardeais e outras dezenas, que são outras condutas do bem) são “ações boas” (do bem). São atos (poderes) bons, racionais e supra-racionais, exigidos pelo bem comum. Esta concepção está nos textos éticos dos Santos Padres, inclusive na obrinha “Pastor”, de Hermas.

Aplicando esta estrutura geral ética ao poder temporal, fica claro que os poderes públicos devem ser racionais e adequados ao bem comum, devem ser atos de virtudes (atos para a concretização do bem comum), e não atos de pecados (“scelus”, em latim), injustiças e vícios (de individualismo, “tirania”, “oligarquia” etc).

Intrínseco a esta concepção clássica e hebraica há uma concepção democrática do poder, que exige que o poder seja racional, dialógico (movido pelo logos, pelo diálogo) e pautado pelo bem comum.

Conclusão: o poder deve ser ético, ou seja, deve ser sujeito às regras (idéias, percepções) racionais presentes na consciência do povo, deve ser fruto das ideias do povo. Estas regras, no prisma objetivo, foram chamadas de “virtudes” ou de “leis naturais”, sendo as idéias gerais, presentes na consciência do povo, de todos. Em outras palavras, o poder público deve ser sujeito às idéias verdadeiras, criativas e reais que brotam, a cada momento, da consciência das pessoas, do povo. O poder deve ser pautado pela consciência de todos, do povo.

A esta consciência, Rousseau chamava de “vontade geral”, decorrente das idéias gerais, presentes em todos. A concepção clássica, hebraica, cristã e muçulmana sobre o poder é uma concepção intrinsecamente democrática, pois ensina que o poder deve ser sujeito à consciência de todos, ao bem de todos, às idéias, percepções e regras exigidas pelo bem comum (o bem de cada pessoa, de cada família, de cada bairro, de cada cidade, de cada região, país, continente e da humanidade).