A linha nacionalista de Barbosa Lima Sobrinho e Bresser, economia mista

O modelo japonês segundo Barbosa Lima Sobrinho

Luiz Carlos Bresser Pereira

Professor do Departamento de Economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

Japão: o capital se faz em casa,1 de Barbosa Lima Sobrinho, é ao mesmo tempo uma fascinante história econômica e social do Japão e um notável ensaio em defesa do nacionalismo econômico. O autor é um dos mais eminentes intelectuais e homens públicos deste país. Historiador, realizou trabalhos importantes de pesquisa sobre a história brasileira e sobre a biografia de personalidades políticas, principalmente da Primeira República. Ensaísta e jornalista, mantém há muitos anos uma coluna dominical no Jornal do Brasil, e escreveu alguns ensaios brilhantes e polêmicos, em defesa do nacionalismo, contra a ação imperialista dos investimentos estrangeiros. Como historiador e ensaísta, é membro da Academia Brasileira de Letras, que presidiu por duas vezes. Homem público, foi deputado federal por Pernambuco em diversas legislaturas, foi governador desse estado entre 1949 e 1952, durante os anos 30 foi presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool, e recentemente foi candidato à vice-presidência da República pelo MDB. Como político, jornalista ou intelectual, sempre tem-se notabilizado pela seriedade do trabalho realizado, pela defesa das liberdades democráticas, pelo nacionalismo radical e pelo socialismo moderado.

Neste seu último trabalho, Barbosa Lima Sobrinho reúne as suas qualidades de ensaísta e historiador para analisar o Japão, tendo em vista seu confronto com o Brasil. Como ele próprio afirma na contracapa da primorosa edição da Paz e Terra, escreveu este livro sobre o Japão pensando no Brasil. O trabalho originou-se de seis artigos que escreveu em 1964 e 1965, no Jornal do Brasil, para contestar uma publicação da agência oficial de relações públicas internacionais dos Estados Unidos, a USIS, na qual se defendia a tese de que o desenvolvimento dos Estados Unidos foi realizado com a ajuda importante de capitais estrangeiros. Isto não foi verdade para os Estados Unidos, como não foi verdade para os países europeus industrializados e principalmente para o Japão.

Utilizando uma frase cunhada por Ragnar Nurkse – grande economista sueco, pioneiro da teoria do desenvolvimento industrial, segundo a qual “o capital se faz em casa” – Barbosa Lima Sobrinho aplica-a ao caso japonês, fazendo ao mesmo tempo referência ao caso brasileiro e aos demais países subdesenvolvidos, vitimas do imperialismo. A tese central do livro é a de que “o desenvolvimento econômico, sendo acumulação de capital, só se realizará com poupanças e capitais nacionais. Não há lei que possa desviar o capital estrangeiro de seu roteiro natural, orientado para o rumo que mais convier aos seus donos, aos homens que na verdade o comandam. Ao passo que o capital autóctone terá a sua tarefa e o seu destino incorporados ao próprio processo de desenvolvimento nacional” (p. 285). O Japão funciona como modelo para a defesa desta tese que tem, todavia, aplicação geral.

A análise histórica, a econômica e a polêmica misturam-se neste livro de forma extraordinariamente feliz. Vazado em estilo límpido e brilhante, o livro está baseado em ampla pesquisa bibliográfica sobre a história econômica e social do Japão desde os primeiros contatos com os ocidentais, através dos navegadores, comerciantes e missionários portugueses, no século XVI, até os nossos dias.

2. A ERA TOGUKAWA

O livro começa, exatamente, com a análise do regime social e político japonês na época Togukawa, quando os primeiros contatos com o Ocidente são realizados. O Japão dessa época vivia sob um regime feudal. O imperador não possuía autoridade temporal, apenas espiritual. O poder estava nas mãos dos daymios, que correspondiam aos senhores feudais, sob a liderança do shogun, um daymio pertencente ao clã Togukawa que, pela força das armas, conseguira essa posição. Os ocidentais são aceitos por algum tempo, nesse regime. Os primeiros portugueses chegam ao Japão em 1542. Os missionários, logo depois. Um número considerável de conversões ao catolicismo começa a ocorrer. Em breve, os japoneses percebem que a presença dos estrangeiros representa uma ameaça ao seu regime. A partir de 1614, o Japão se fecha para o Ocidente. Os missionários são deportados ou supliciados. Os convertidos tiveram que renunciar, então, à nova religião. O comércio com estrangeiros é proibido. Os japoneses que procurassem conhecer novas terras eram ameaçados de pena de morte.

Inicia-se daí uma fase de isolamento absoluto e sistemático do Japão. O comércio, mesmo com a China e as Filipinas, quando não era proibido, era rigorosamente limitado. O Japão, “porque se sentia mais débil é que se trancava, colocando ferrolhos suplementares de segurança” (p. 10).

O segundo capítulo trata da triste experiência da China, sujeita ao imperialismo britânico. O episódio mais terrível é o da guerra do ópio, através da qual a Inglaterra se impõe ao grande país oriental. Esta experiência da China torna-se também uma experiência japonesa. Era uma advertência ou uma lição, que os chefes japoneses aprenderam muito bem.

O Japão tinha uma vantagem sobre a China e os demais países que caíam sob o jugo do imperialismo europeu no século passado: não possuía matérias-primas nem terras apropriadas para a organização de plantations. Não era fácil para a Inglaterra, portanto, organizar no Japão um sistema comercial com importação de produtos manufaturados ingleses e exportação de produtos primários. Não obstante, as pressões dos ocidentais para a abertura comercial do Japão foram grandes. E durante muito tempo o Japão resistiu firmemente. Coube afinal aos norte-americanos, apoiados pela força de nove navios de guerra, a tarefa de abrir o Japão ao Ocidente. Sem outra alternativa, os japoneses assinam em 1854 um tratado que abria as portas do Japão ao Ocidente e o sujeitava a uma série de obrigações com relação aos países ocidentais.

3. A RESTAURAÇÃO MEIJI

Entretanto, alguns anos depois, e em parte devido às humilhações a que são sujeitos os governantes japoneses nesse processo de abertura à força de seus portos, a era Togukawa chega ao fim.

Em 1868 o imperador Meiji, Matsuhito, após um processo revolucionário, assume o poder temporal, obrigando o shogun Togukawa a retirar-se. Termina assim a era Togukawa e começa a era Meiji. O orteameric entrega o poder ao imperador. A aristocracia feudal dos daymios e dos guerreiros samurais conserva-se no poder, mas em outros termos. Uma breve luta armada marca esta revolução política que, embora não mude substancialmente a classe dominante, terá um papel decisivo na história posterior do Japão. Nas palavras de Barbosa Lima Sobrinho: “revolução política, na divisão e distribuição de poderes, antes que propriamente revolução social. Porque nada mudou substancialmente, na ordem econômica. Cada classe manteve seu status anterior. Os chefes de clãs tornaram-se governadores de províncias. Os samurais conservaram sua posição de relevo. Apenas os impostos passaram a ser devidos ao Estado e não ao senhor feudal, que antes os arrecadava. Os chefes de clãs mais importantes tornaram-se Ministros de Estado ou empresários. Os samurais passaram a receber salários do Estado e não dos daymios” (p. 35).

A partir da restauração Meiji tem início um extraordinário processo de desenvolvimento econômico nacional. O desafio representado pelos navios de guerra ocidentais é aceito. Um pais então ainda essencialmente agrícola, com apenas 15% de suas terras aráveis, pobre em matérias-primas, começa um processo intenso de industrialização. A seu favor possuía uma unidade nacional sólida e poderosa, uma liderança política esclarecida e modernizante e “a ausência de grupos de pressão fundados em empresas Controladas pelo capital estrangeiro” (p. 41).

Já entre 1878 e 1900 a taxa de acumulação de capital representa entre 13 e 16% da renda, e a economia entra em decidido processo de industrialização. Este processo, todavia, não pode ser reduzido às etapas do desenvolvimento de Rostow. Na verdade, o desenvolvimento econômico japonês se confunde com a decisão política do imperador e da classe dominante que ele representa. “O desenvolvimento econômico do Japão é um desenvolvimento comandado e dirigido pelo Estado, obediente às diretrizes que ele traçava e que caracterizam em seu conjunto, o período Meiji, que se iniciava em 1868″ (p. 58).

4. O COMANDO DO ESTADO

Cabe ao Estado o controle total da economia e da sociedade japonesa. Para Barbosa Lima Sobrinho, a interferência do Estado foi tão ampla que o Japão pode ser considerado um caso de desenvolvimento planejado anterior ao da União Soviética.

A acumulação de capital industrial, que então se iniciava, teve como fonte fundamental a agricultura. Em 1876, 76% da receita tributária do Estado provinha do imposto sobre a terra. Uma parcela insignificante desses impostos, entretanto, voltava à agricultura. Os lucros dos proprietários de terra, por sua vez, também não retornavam à agricultura. Dirigiam-se, em sua maior parte, para o comércio, a indústria e os negócios bancários.

Os impostos, todavia, não eram suficientes para o esforço industrial do governo. Além disso, este se comprometera a compensar a classe guerreira e a nobreza pelos privilégios que haviam perdido. Nestes termos, o governo, para se financiar, recorreu à emissão de títulos, a um pequeno endividamento externo e à inflação ocasionada pela emissão de moeda.

Além de se responsabilizar pela captação da poupança, transferida da agricultura, o Estado será o grande empresário da revolução industrial japonesa. A indústria têxtil, a indústria química, as fábricas de cimento e de cerâmica, as usinas de açúcar, as fábricas de cerveja, de munição e armamentos, os estaleiros, as empresas de mineração – tudo é iniciado empresarialmente pelo próprio Estado. No final do século XIX, o Japão já possuía uma indústria poderosa e diversificada, toda ela construída pelo Estado.

Coube ao Estado japonês não apenas a tarefa de promover diretamente a industrialização, mas também assumir a responsabilidade pelo progresso tecnológico do país. “No Japão, o impulso inicial veio assim do próprio Estado, e não do empresário, que Schumpeter considerava a mola-mestra do desenvolvimento econômico e produto de uma seleção confiada à burguesia e agindo através de empresas privadas.” (p. 93). Para promover o desenvolvimento tecnológico, o Estado japonês usou de todos os recursos possíveis. Deu sempre grande ênfase à educação. Comprou patentes, estimulou a imitação, exigiu sempre que a importação de máquinas fosse acompanhada por assistência técnica, enviou japoneses ao exterior, trouxe técnicos estrangeiros para trabalhar no Japão, criou instituições para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. Em suma, promoveu a importação maciça de técnicas estrangeiras. E neste processo, a compra de patentes foi o meio mais empregado. O que comprova, observa o autor, que não é necessário o capital estrangeiro para que a modernização tecnológica ocorra. E também não é certo que as empresas estrangeiras não vendam suas patentes. Se elas não têm chance de entrar no país, vendem sua tecnologia antes que ela se torne obsoleta e portanto invendável.

O empresário schumpeteriano, portanto, foi inexistente ou secundário no Japão. O Estado foi o grande empresário. Coube a ele arrecadar a poupança, dirigir o processo de acumulação, responsabilizar-se pela inovação. Barbosa Lima Sobrinho não se dá ao trabalho de analisar a tese de Everett Haguen, segundo a qual foi a atividade empresarial dos samurais – uma pequena nobreza de guerreiros desejosos de recuperar o status perdido – a responsável pela restauração Meiji e a revolução industrial japonesa. Embora conheça o trabalho de Haguen e o cite, o autor não o critica, provavelmente porque encontra tantos argumentos e testemunhos sobre o papel empresarial do Estado japonês, que isto não lhe parece necessário.

5. CAPITALISMO E MILITARISMO

O Estado planeja e executa o desenvolvimento industrial do Japão, mas os benefícios deste desenvolvimento vão logo fluir para a classe dominante que o Estado representa. A antiga aristocracia, que a restauração Meiji expropriara mas indenizara amplamente, transformara-se na nova classe capitalista. Sua consolidação definitiva ocorrerá no fim do século, quando o Estado lhe vende a grande maioria de suas indústrias a preços fortemente subsidiados. Começa, assim, a se formar os zaibatsu (monopólios financeiros), que dominariam toda a economia japonesa. Os daymios e os samurais do velho Japão tradicional tornavam-se os empresários do novo Japão industrial graças à ação do Estado. Todas as empresas lucrativas passaram para a iniciativa privada. Só as onerosas ficaram com o Estado.

Seria de se esperar, neste momento, que o nacionalismo japonês arrefecesse. Quando se trata de optar entre a estatização da economia ou a entrada do capital estrangeiro, os capitalistas locais “preferem a solução do capital estrangeiro”, observa Barbosa Lima Sobrinho, “por entenderem que a exploração privada nunca lhes fecha de todo as portas do lucro, mesmo quando seja estrangeira” (p. 85). No Japão, entretanto, isto não ocorreu. Apesar da transferência, para o setor privado, das empresas estatais, a economia não se desnacionalizou em seguida. Também não se liberalizou, ainda que o objetivo da venda das empresas fosse este. O governo conservou firmemente para si o controle e a coordenação dos grandes monopólios japoneses que então se formavam. O laissez-faire não regulava a economia japonesa, não apenas devido ao predomínio dos monopólios, mas também devido ao controle onipresente do Estado militar japonês.

Em 1894 pode-se considerar encerrada a primeira fase de desenvolvimento econômico do Japão. A fase seguinte será marcada pelas vitórias militares, que consolidarão o poderio japonês. Primeiro, é a fulminante guerra contra a China, cujos frutos, entretanto, as grandes potências de então e principalmente a Inglaterra não permitem ao Japão usufruir. Em seguida, já em 1905, ocorre a guerra e a vitória do Japão contra a Rússia. Esta vitória de um pequeno país contra o gigante russo projeta definitivamente o Japão no cenário mundial.

A I Guerra Mundial leva o Japão a declarar guerra à Alemanha, em 1915. Sua participação na guerra é significativa, ao ponto de, ao seu final, o tratado de Versailles dividir a herança alemã no Pacífico entre o Japão e a Inglaterra. Antes disso, a revolução comunista na Rússia, em 1917, dá oportunidade do Japão de desembarcar em Vladivostok, com apoio de contingentes americanos, franceses e ingleses e ocupar toda a Sibéria oriental. Começa assim a aventura imperialista japonesa, produto da aliança capitalista-militarista entre os zaibatsu e as forças armadas japonesas. Esta aventura que terá desde o início a desconfiança e a oposição dos Estados Unidos, será marcada pela anexação da Mandchúria, transformada no protetorado de Mandchukuô, por uma nova e vitoriosa guerra com a China, e desembocará na tragédia da II Guerra Mundial.

6. A CONSOLIDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

Enquanto isto, a economia japonesa continuou a desenvolver-se de forma acelerada. O comércio externo japonês crescia a um ritmo extraordinariamente elevado. Com base inicialmente na seda, as exportações japonesas cresceram com sua industrialização. Já em 1908-12, as exportações de produtos manufaturados representavam mais de 70% do comércio externo japonês. Os tecidos e os produtos metalúrgicos dominavam a pauta de exportações, enquanto que nas importações predominavam cada vez mais as matérias-primas. Assim, o Japão não passou pelo modelo primário-exportador de subdesenvolvimento; não foi vítima, portanto, da divisão internacional do trabalho imposta pelos países imperialistas aos países periféricos, a partir de meados do século passado. “O que vale dizer que o Japão não ficava exposto à sangria permanente de preços baixos pagos à produção primária, em troca dos preços altos dos produtos manufaturados” (p. 114).

Seja por razões geográficas relacionadas com o tipo de clima e de solo, não complementar ao europeu, seja pelo nível cultural relativamente elevado que já na época da restauração Meiji existia no Japão, e que se expressa no alto nível de alfabetização e na produtividade relativamente grande da agricultura, seja pela sólida unidade e identificação nacional que marcou a política japonesa desde a sua abertura para o exterior, o fato é que o desenvolvimento econômico do Japão ocorreu, desde o início, em termos paralelos aos das grandes nações industrializadas. As noções de pais periférico, semicolonial e mesmo subdesenvolvido, a rigor jamais se aplicaram ao Japão, embora seu desenvolvimento tenha sido um pouco retardado em relação ao inglês, ao francês e ao norte-americano. Já em relação ao desenvolvimento industrial alemão, foi quase concomitante. Sob muitos aspectos antecedeu ou coincidiu com o desenvolvimento industrial russo, italiano e escandinavo.

Nestes termos, conseguindo desde o início evitar a ação do imperialismo, o Japão tornou-se logo um parceiro das potências imperialistas. Barbosa Lima Sobrinho assinala este fato quando observa que “o Japão se tornava beneficiário de uma ordem internacional estabelecida em proveito dos centros industriais, à custa da economia primária dos países coloniais” (p. 114).

Os empréstimos internacionais que até a última década do século haviam sido usados com grande parcimônia (apenas dois empréstimos realizados, um dos quais para subsidiar os samurais), começaram, a partir de então, a ser usados cada vez mais intensamente. O Japão já consolidara seu desenvolvimento econômico e agora podia endividar-se para apressá-lo. Os empréstimos, inicialmente, destinavam-se ao financiamento da guerra da China e depois, da guerra contra a Rússia, em 1905. Logo, entretanto, começavam também a financiar a industrialização. Os investimentos diretos eram deliberadamente evitados, enquanto que os financiamentos estimulados. As amortizações e o pagamento dos juros eram rigorosamente mantidos em dia. Os deficits decorrentes da importação de matérias-primas e bens de capital eram cobertos por esses financiamentos. Nestes termos, o dinheiro estrangeiro ajudava o Japão a formar seu próprio capital, sob seu comando.

O desenvolvimento japonês foi desde o início marcado por uma crescente taxa de poupança interna. Esta poupança foi lograda graças a um processo de concentração de renda, que manteve os salários dos trabalhadores e a remuneração dos agricultores em níveis muito baixos. A sobriedade dos capitalistas e burocratas japoneses teve também um papel nesse processo. O comércio externo, com a exportação de bens de consumo e a importação de bens de capital e matérias-primas, ajudava a compatibilizar o crescimento da demanda agregada com a concentração da renda. Da mesma forma, observa Barbosa Lima Sobrinho, “os empréstimos valiam como contenção na restrição de importações suntuárias” (p. 115).

A produção industrial japonesa, que quase duplicara entre 1878 e 1900, triplicou no período seguinte, até 1913. De 1911-13 a 1936-38, enquanto a produção industrial do mundo crescia do índice 100 para o índice 185, e a dos Estados Unidos para 167, a japonesa cresceu para 631. A grande depressão praticamente não atingiu a economia japonesa. O militarismo que dominava a política japonesa nos anos 30 facilitou o processo de recuperação da economia. O êxito das guerras anteriores, inclusive a I Guerra Mundial, e o exemplo da Alemanha de Hitler estimularam o militarismo e o imperialismo japoneses. Em fins dos anos 30, o Japão já se transformara em uma grande potência industrial e militar. Os militares dominavam politicamente o país, vetavam ministros, impunham candidatos, eliminavam dissidentes. Os partidos políticos, criados pela lei, sem uma tradição que os amparasse, eram artificiais. A Mandchúria fora anexada. Uma nova guerra contra a China era vitoriosa. O imperialismo e o militarismo japoneses desembocavam na II Guerra Mundial.

7. A DERROTA E A RECUPERAÇÃO

As vitórias iniciais e a esmagadora derrota final do Japão nesta guerra são relatadas e interpretadas por Barbosa Lima Sobrinho. Segue-se a ocupação militar norte-americana, sob a chefia do Gen. MacArthur, até setembro de 1951. Grande parte da economia japonesa fora destruída durante a guerra. Mais de dois milhões de japoneses haviam morrido, 30% das centrais-térmicas, 58% das refinarias de petróleo, 30% das fábricas, 40% das habitações das cidades tinham sido destruídas. A recuperação, entretanto, foi rápida. A partir de 1947, os Estados Unidos iniciaram um processo de ajuda econômica ao Japão. Ao mesmo tempo, MacArthur procurava implantar reformas na economia e na sociedade japonesas, de acordo com o modelo norte-americano. Declarou pena de morte aos zaibatsu, iniciou um processo de reforma agrária, procurou implantar no Japão o modelo da democracia liberal e do capitalismo baseado na iniciativa privada e na concorrência.

O ímpeto reformista de MacArthur, entretanto, durou pouco. A ameaça dos soviéticos somada à nova ameaça representada pela revolução comunista chinesa levou os Estados Unidos a reduzir suas preocupações com as reformas, ao mesmo tempo que aumentou seu interesse no desenvolvimento do Japão. A resistência paciente mas deliberada dos japoneses acabou por liquidar as reformas. Em pouco tempo os norte-americanos perceberam que seus melhores aliados no Japão eram os capitalistas japoneses, cujos interesses era preciso, portanto, reconhecer. De início, por exemplo, estimava-se em 1 200 os zaibatsu que seriam dissolvidos. No final, apenas nove sociedades foram dissolvidas.

Tem início, então, o novo “milagre” japonês. A economia em pouco tempo se reconstitui e volta a crescer em ritmo agora ainda bem maior do que no período anterior à guerra. A taxa de desenvolvimento já é elevada nos anos 50. Nos anos 60, entretanto, bate todos os recordes. A acumulação de capital gira em torno de 35% do produto, enquanto que este cresce a uma taxa ao redor de 15% ao ano. O Japão torna-se a terceira potência industrial do mundo. Os zaibatsu são substituídos por um pequeno número de grandes bancos comerciais, que comandam o processo de acumulação de capital, sob a firme coordenação do governo.

8. O MILAGRE NACIONALISTA

Segundo Barbosa Lima Sobrinho, entretanto, “o maior de todos os milagres (do Japão) foi o de preservar o seu capital e a sua iniciativa da ação invasora dos capitais, que de certa forma se apoiavam na presença, ou na influência, de um exército de ocupação, que durante mais de seis anos controlou de fato sua política econômica e dirigiu sua expansão industrial” (p. 203). E de fato, o Japão, que fora provavelmente o exemplo mais expressivo de um processo de desenvolvimento sem a participação de capitais estrangeiros no período anterior à guerra, conseguiu, terminado o conflito, manter a mesma posição, apesar da subordinação política a que fora reduzido. Ainda sob o regime de ocupação militar, a Dieta japonesa aprovou, em 1950, a longa e minuciosa lei que até hoje regula os investimentos estrangeiros. Através dessa lei, o Japão voltava a assegurar o seu controle sobre o capital estrangeiro. O objetivo da lei é limitar os investimentos estrangeiros no Japão e garantir que as áreas consideradas estratégicas fiquem sob o comando do capital nacional.

Como na época da restauração Meiji o exemplo do imperialismo britânico sobre a China servira de alerta aos japoneses, agora era a invasão econômica da Inglaterra pelos Estados Unidos que funcionava como uma advertência. Ao mesmo tempo em que um número crescente de atividades econômicas na Inglaterra eram colocadas sob o controle das empresas multinacionais norte-americanas, o país perdia todos os dias não apenas o prestígio político, mas sobretudo o equilíbrio de sua vida econômica.

O desenvolvimento econômico japonês no pós-guerra é assim mantido sob rígido controle nacional. Os setores em que a entrada do capital estrangeiro é livre são aqueles sem importância econômica, ou então aqueles em que os japoneses não receiam mais uma invasão estrangeira, como a indústria de bens de consumo eletrônicos. Quando o perigo é pequeno, autoriza-se um máximo de 50% de controle estrangeiro. Na maioria dos casos, a proibição é de 100%. Na bolsa de valores, apenas 20% das ações das empresas podem ser negociadas por estrangeiros. Quando os japoneses têm alguma coisa a aprender, o governo aceita uma participação estrangeira, desde que seja inferior a 50%.

Em relação à tecnologia, os japoneses continuaram com sua política básica de comprá-la, sempre que não a pudessem desenvolver. Pagaram, entretanto, preços baixos por essa tecnologia. Cada contrato de assistência técnica, além de ser estudado pela empresa japonesa, era também analisado longamente pelo governo. E este acabava realizando uma série de imposições, além de proibir a entrada do capital, que terminavam por levar as empresas estrangeiras a lhes vender a tecnologia em condições muito favoráveis.

Em todo esse processo, os japoneses aproveitaram-se de sua situação estratégica, do interesse dos Estados Unidos em mantê-lo como um aliado contra a União Soviética e a China. Esta aliança, todavia, é superficial e de conveniência. Na guerra da Coréia, na política contra a China, na guerra do Vietnã, o Japão não se envolveu. Da mesma forma, a propalada americanização do Japão também não é verdadeira. Há uma ocidentalização e uma modernização do país, mas as suas tradições são cuidadosamente preservadas. O seu sentido nacional é mantido intacto. Graças à ocupação norte-americana, o capital estrangeiro conseguiu um relativo predomínio na indústria do petróleo e da borracha sintética. Nos demais setores, porém, a ocupação militar não acarretou a ocupação econômica e muito menos a ocupação cultural.

Barbosa Lima Sobrinho termina neste ponto sua análise do desenvolvimento japonês. Uma análise viva, penetrante, bem documentada e muito pessoal. Mas a análise do Brasil, que a todo instante transparece no livro, quando ele fala do Japão, torna-se explícita no último capítulo. A infiltração do capital estrangeiro no país, que ele tanto tem combatido, seja como político, como procurador do Estado do Rio de Janeiro, como escritor e jornalista, é novamente analisada nestas páginas do livro. Segundo sua visão, o capital estrangeiro desvia as poupanças nacionais para o exterior, transfere o comando da economia para fora do país. Constitui-se, geralmente, em uma ficção, porque entra em quantidades muito pequenas, e acaba saindo do país, de forma aberta ou disfarçada, em grandes quantidades.

Barbosa Lima Sobrinho volta aqui a apresentar seu concerto de desenvolvimento econômico, como um processo de acumulação de capital sob o comando dos nacionais do próprio país que procura crescer. Nestes termos, afirma ele, “o capital estrangeiro já não pode iludir senão aos que vivem à custa dele ou aos que desejam iludir-se, sob a influência de uma doutrinação lucrativa” (p. 273). E volta à sua tese fundamental, que foi colocada no título do livro: o capital se faz em casa. É o esforço nacional que permite o desenvolvimento. O capital estrangeiro não passa de uma manifestação do imperialismo, que só beneficia aos nacionais do país de que é originário.

Barbosa Lima Sobrinho observa, entretanto, que o consumo de bens e serviços de luxo, por uma minoria, é o aspecto negativo do desenvolvimento. Este deve ter como objetivo um optimum de satisfação social. A correção das profundas desigualdades na distribuição da renda é mais importante do que o montante da renda per capita, como solução dos problemas políticos e sociais. E conclui assinalando que o modelo japonês não está acima de críticas ou censuras: “Há que considerar que obedece ao processo capitalista e não desdenhará, por isso, empregar por conta própria em outros países normas que no Japão nunca foram permitidas” (p. 284).

Não cabe aqui discutirmos a validade das teses de Barbosa Lima Sobrinho. Sua oposição ao capital estrangeiro é às vezes extremada. Embora esteja advertido de que o “modelo japonês” não representa realmente um exemplo perfeito a ser seguido pelos demais países e em particular pelo Brasil, deixa-se, em certos momentos, levar pelo entusiasmo que o nacionalismo japonês lhe desperta. Estas observações, todavia, não diminui em nada a importância, o brilho e a profundidade deste livro. Com Japão: o capital se faz em casa, Barbosa Lima Sobrinho presta mais uma contribuição, desta vez de caráter universal, à cultura brasileira. 

1 Barbosa Lima Sobrinho, Alexandre. Japão: o capital se faz em casa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1973.         [ Links ]