A doutrina cristã quer uma socialização com personalização, uma ordem social natural, que concilie justiça social e liberdade pessoal
A boa socialização, que mantém e amplia a subjetividade da sociedade (os direitos das pessoas, das famílias etc), a que concilia e harmoniza o bem pessoal, familiar e social, ou seja, é a realização do bem comum.
Na linha da Tradição da Igreja, o padre jesuíta Teilhard de Chardin deixou textos geniais mostrando que a linha evolutiva do universo é baseada na SOCIALIZAÇÃO PERSONALIZADORA, com o MÁXIMO DE SOCIALIZAÇÃO e o MÁXIMO DE PERSONALIZAÇÃO.
A socialização, urgida por João XXIII e Paulo VI, exige o planejamento público participativo e outras formas de intervenção participativa, estatal e social, como, por exemplo: estatais para bens e recursos que atribuem excesso de poder (bancos, siderurgia, petróleo etc, cf. Pio XI, na “Quadragesimo”), dirigismo, o controle de preços e de câmbio, por regras e regulamentações.
Esta socialização é absolutamente necessária e complementa a personalização, o trabalho da consciência em cada pessoa, o florescimento da personalidade de todos (o bem comum é o bem de todos e de cada um).
Como explicou João XXIII, “o bem comum é o conjunto daquelas condições sociais que permitem e favorecem, aos seres humanos, o desenvolvimento integral da pessoa”, de cada pessoa. São as condições e as normas e estruturas que atendem às “necessidades do corpo” e do “espírito” (da consciência). O bem comum é o bem da pessoa, da família e da sociedade, abarcando todas as esferas sociais e da pessoa.
A socialização má é a que reduz o ser humano a uma coisa sem consciência (a que reifica, nos termos de Lukács), como se a sociabilidade humana fosse intrinsecamente massificadora.
Pio XII e Teilhard destacaram que a massificação é uma distorção da socialização.
A socialização querida por Deus é fruto do diálogo, da participação de todos no poder e nos bens, com respeito aos direitos humanos fundamentais, à esfera da vida pessoal e familiar de todos.
A boa socialização, como destaca Dussel, assegura “condições” sociais para a promoção da “realização” da “subjetividade”, a CRIATIVIDADE, o MÁXIMO DE INICIATIVAS, de todas as pessoas (cf. Enrique Dussel, “Para uma ética da libertação latino-americana”, Piracicaba, Ed. Unimep, 1977, p. 149).
A ação interventora do Estado na economia e na vida social é essencial para assegurar linhas gerais racionais, para ordenar (organizar) e regrar a vida social em consonância com o bem geral. Para que esta intervenção seja proveitosa a todos, o melhor método, o mais racional e condizente com a dignidade da consciência e do ser humano é um regime que assegure a participação de todos no poder, nos processos decisórios, tanto nas ESTRUTURAS POLÍTICAS DO ESTADO quanto nas ESTRUTURAS PRODUTIVAS DA ECONOMIA, NA GESTÃO DAS UNIDADES E NO PLANEJAMENTO PÚBLICO DA ECONOMIA.
Por isso, é necessário o planejamento público e social participativo na economia e em todos os assuntos que interessem a todos, um ponto destacado por Fábio Konder Comparato, Goffredo da Silva Telles, Alceu Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Plínio de Arruda Sampaio, Paulo de Tarso e outros grandes católicos.
João XXIII, na “Pacem in terris” (n. 21), também destacou que “a autoridade é, sobretudo, uma força moral”, sempre nos limites da razão e do bem comum. A autoridade legítima brota da consciência racional e moral (das idéias, da sabedoria, da razão prática) do povo, e não da “ameaça”, do “temor das penas” ou da mentira.
Por isso, a Doutrina da Igreja é GARANTISTA, DIREITO PENAL MÍNIMO, é pelo IDEAL da SUPRESSÃO DAS PENAS FECHADAS, é favorável às PENAS ABERTAS OU SEMI-ABERTAS.
Nos termos de Leão XIII, na “Sapientia Christiana”, “os cristãos” tem “respeito religioso” pelo “poder” legítimo, porque este é, DEVE SER, e muitas vezes é mesmo parcialmente e de forma insuficiente e distorcida, como que “um reflexo”, uma “imagem da majestade divina”, essencial para a realização do bem geral, do bem comum.
Os cristãos respeitam as “leis” justas (adequadas ao bem comum), “não” por conta da “força e das sanções”, e sim por um “dever de consciência”, em relação ao bem comum. Afinal, “Deus não nos deu um espírito de temor”, e sim de amor, fortaleza e coragem.
O que legitima e torna bom o poder público e sua ação é sua conformação com as exigências racionais (da consciência de todos) do bem comum.
Em outras palavras, O QUE DEIXA O PODER BOM é a CONFORMAÇÃO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO ÀS IDEIAS, REIVINDICAÇÕES, EXIGÊNCIAS, PROJETOS E PLANOS, de TODOS.
O bem comum é composto do bem pessoal, familiar e social, nestas três esferas, sem anular nenhuma.
Na “Mater et Magistra” (n. 82, em 1961), João XXIII explicitou um princípio que vale para o regime político e o sistema econômico: “a justiça [as regras exigidas pelo bem comum] deve ser respeitada não somente na repartição das riquezas produzidas pelo trabalho, mas também nas condições onde se desenvolve a produção”, dentro das fábricas, das unidades produtivas, nos bairros etc.
Este princípio é tão importante, completa este Papa beato, “porque a natureza humana exige que, no exercício da atividade econômica, seja possibilitado ao homem assumir a responsabilidade [PARTICIPAÇÃO NAS DECISÕES] do que faz e aperfeiçoar sua própria pessoa”, ou seja, a reificação (redução da pessoa a coisa, a objeto a ser manipulado) é blasfêmia, é um ataque ao próprio Deus, que nos criou para a libertação e que está sempre presente na criação.
O termo “responsabilidade” é sinônimo de participação.
De fato, a doutrina política do Evangelho pode ser resumida no lema: LIBERTAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, COMUNHÃO.
No parágrafo seguinte, João XXIII acrescenta: “se as estruturas e o funcionamento de um sistema econômico são de natureza a comprometer a dignidade humana daqueles que nela trabalham, e lhes impedem a livre expressão” de sua personalidade, da subjetividade humana (da consciência), “ou debilitam seu senso de responsabilidade”, sua participação, “deve-se julgar injusto o sistema, mesmo que as riquezas atinjam um nível elevado e sejam repartidas conforme as leis da justiça e da equidade”.
O sistema econômico e o regime político devem ser estruturados em torno das pessoas, para assegurar os direitos humanos de todos.
Cada pessoa é e deve ser um sujeito vivo e consciente e livre (participativo), tomando decisões pessoais, familiares e sociais (pela via do diálogo), para que os bens sejam destinados a todos.
Cada pessoa É FEITA Á IMAGEM DE DEUS, um Ser PESSOAL E SOCIAL, TRINDADE, TRÊS PESSOAS NUMA COMUNHÃO DE DIÁLOGO, um Ser ABERTO à UNIÃO com todas as pessoas.
Somos feitos e chamados a nos tornar como que PEDAÇOS VIVOS DE DEUS, FILHOS DE DEUS, Deuses mesmo, DIVINIZADOS, membros de um CORPO DIVINO ÚNICO, que é como uma REPÚBLICA VIVA, UMA DEMOCRACIA ECONÔMICA E SOCIAL VIVA, ONDE SOMOS PARTES CONSCIENTES E AUTÔNOMAS DA NATUREZA DIVINA.
SOMO MEMBROS VIVOS E CONSCIENTES, AUTONOMOS, de DEUS. A união com Deus NÃO anula a personalidade de cada pessoa, e sim a FORTALECE. Assim, deve ser a estrutura política e econômica de cada povoação.
A vinculação da natureza humana ao bem comum foi destacada por Pio XII, na encíclica “Mystici corporis”: “a sociedade humana”, “considerando o fim último de sua unidade”, deve ser sempre “ordenada” (organizada, regrada) “para o proveito de todos os membros e cada um deles, como pessoas que são”.
A unidade da Igreja, da sociedade e do Estado, tal como a estrutura ECONÔMICA, jamais deve anular a personalidade das pessoas, ao contrário, deve proporcionar o florescimento das potências, das aspirações de cada pessoa.
Na mesma linha, Pio XI, na “Quadragesimo anno” (1931), destacou: “o fim natural da sociedade e de sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destrui-los nem absorvê-los”.
Todas as estruturas e normas devem ser ajudas (coadjuvações, subsídios, cf. princípio da subsidiariedade, que é o princípio da participação) para assegurar a plenitude da vida de todos, promover a realização de todas as pessoas.
Nesta mesma encíclica, este papa destacou a importância da planificação e do dirigismo estatal e também da estatização dos bens e dos meios de produção que atribuem poder excessivo a particulares, permitindo que os particulares que controlem estes bens possam controlar o Estado (instaurando oligarquias, ditaduras econômicas e políticas) em detrimento do bem comum.
Conclusão: como Dom Hélder e o cardeal Lercaro ensinaram, a sociedade bem ordenada, ORGANIZADA, é a que combina e harmoniza socialização e personalização, liberdade e autoridade, liberdade pessoal e bem social.
Numa fórmula de síntese, a sociedade pautada pelo bem comum abarca o bem pessoal, familiar e social.