O ideal da Igreja é um grande Estado social, Democracia real popular participativa, economia mista, destinação universal dos bens

Pio XII ensinou – nos passos de Santo Tomás e de Suárez – que as leis naturais são variáveis e progressivas, lembrando que há “novas formas de postulados [regras, deveria haver um revisor dos textos papais, para simplificar as palavras….] do direito natural”, de “exigências fundamentais da natureza”:

“… o estudo da história e da evolução do direito, desde os tempos mais remotos, ensina que, de um lado, uma transformação das condições econômicas e sociais (e inclusive, às vezes, políticas) exige também novas formas de postulados do direito natural, as quais os sistemas dominantes não prestam já sua adesão; por outro lado, no entanto, ensina que, nestas mudanças, as exigências fundamentais da natureza retornam continuamente e se transmitem, com maior ou menor urgência, de uma geração a outra”.

Conceito de Pio XII sobre a lei natural – é o conjunto das ideias práticas que expressam as “exigências fundamentais da natureza” humana e geral. Para simplificar, as ideias práticas dialógicas que melhoram as coisas, as pessoas, as situações, as condições sociais etc. 

Lei natural são as ideias práticas que protegem e melhoram a natureza, na lição de Santo Agostinho, que mostrava que o cristianismo é humanista, visando construir melhores Estados, casas, estruturas econômicas etc.

Paulo VI, na encíclica “Octagesima anno” (n. 47), reforçou este ensinamento ressaltando a “exigência atual do ser humano, a saber, a de exercer maior participação nas responsabilidades e nas decisões. Esta legítima aspiração manifesta-se sobretudo à medida que se eleva o nível cultural e se desenvolve o sentido da liberdade”.

Neste mesmo documento, Paulo VI cita João XXIII:

“João XXIII, na encíclica Mater et Magistra, insistia em que o acesso às responsabilidades [à participação] é uma exigência fundamental da natureza do ser humano, um exercício da sua liberdade, um caminho para o desenvolvimento, e indicava como na vida econômica.. esta partilha de responsabilidades deve ser assegurada (cf. GS, n. 68.75). Hoje, o âmbito dessa participação é mais vasto. Estende-se também ao campo social e política, no qual há que instituir-se e promover-se a justa e razoável participação nas responsabilidades e decisões”.

Frise-se – todo trabalhador é o trabalho vivo, a fonte principal dos valores, não pode ser reduzido a objeto, a coisa, reificado, alienado, pisado, humilhado, explorado etc.

Toda pessoa tem naturalmente direitos naturais e subjetivos políticos, civis, econômicos, religiosos, culturais, sociais etc.

A tarefa essencial do Estado é assegurar e promover estes direitos naturais e humanos. Em outros termos, na lição de Maritain e de Alceu: a sociedade e do Estado devem assegurar, pelas linhas gerais de sua organização e por todos os seus movimentos, a plenitude de vida para cada pessoa e vida digna e abundante, como deixa claro a Bíblia, nas palavras do próprio Cristo (Jô 10,10).

Especialmente criando uma infra-estrutura estatal pública, com grandes meios de produção, para dar a todos boas oportunidades, para florescimento do trabalho, de pequenos negócios pessoais e familiares, moradia para todos, paz, roupas decentes, renda para todos, trabalhos com jornadas pequenas, sem reificação. 

O ideal histórico atual desta organização da sociedade e do Estado tem, hoje, o nome de “Democracia participativa”, ou social, Democracia plena, socialismo participativo, Democracia Popular, Civilização do trabalho, no sentido usado por Alceu, Pontes de Miranda, Paulo Bonavides, Francisco Mangabeira, Barbosa Lima Sobrinho, Sérgio Magalhães e outros.

Trata-se de um regime político, tal como de um sistema econômico (um modo de produção e distribuição), que deve assegurar e promover estes direitos de primeira, segunda, terceira e quarta geração, na terminologia de Norberto Bobbio, que é coerente com o ensino da Igreja. Estes direitos de várias gerações devem coexistir numa boa síntese.

A democracia política deve ser completada pela democracia econômica, social, cultural, religiosa etc.

Este ponto foi bem explicitado por Lamennais, Buchez, Victor Considerant (tal como por Luís Blanc, que também era religioso e humanista, sendo bom amigo de Victor Hugo), o principal sucessor de Fourier, que redigiu inúmeros textos dignos de serem compilados para serem lidos nas CEBs.

Em 1848, num “Manifesto”, que influenciou o próprio “Manifesto Comunista”, Victor Considerant, que, tal como Fourier, baseava suas idéias na Bíblia e na razão, sendo cristão, escreveu:

“Eu vos digo que, verdadeiramente, a Revolução [Francesa] que proclamou a chegada da liberdade, da igualdade e da fraternidade não está terminada. Não terminou com a conquista dos direitos políticos da burguesia. Não terminou com a conquista dos direitos políticos do povo. Ela só se completará com a encarnação, nos fatos sociais, daqueles três grandes termos filosóficos e cristãos: liberdade, igualdade, fraternidade. Isto é, a revolução será permanente até que esteja em vias de organização uma sociedade capaz de substituir, da base ao alto, (…) o acordo pela luta, a paz pela guerra, a liberdade de todos pela escravidão da maioria, e, por fim, a riqueza geral por todas as gradações da miséria–aí incluída a miséria dos egoístas e mesmo aquela dos bons ricos”.

Pontes de Miranda, que morreu socialista e católico (tal como é, hoje, Ariano Suassuna), desenvolveu corretamente esta tese, de um regime baseado nos três princípios cristãos da fraternidade, da igualdade e da liberdade (cf. discurso de João Paulo II, são “ideais cristãos”).

A sociedade deve reger-se naturalmente pelo “acordo” das liberdades (“concórdia”, cf. Juan Luís Vives), que gera a igualdade (mediania, equilíbrio social), o bem comum e, assim, a paz social.

O próprio Robert Ingersoll (1833-1899), expoente do secularismo nos EUA, reconhecia que “a ciência e a filosofia” descobrem “as leis da natureza”, não as inventam. É o mesmo ensinamento de Louis Pasteur (1822-1895) e da escolástica. A mesma premissa ocorre na ética, com as verdades éticas, que emanam do conhecimento racional da natureza dos seres, como ensinou Montesquieu.

O conhecimento das regras éticas evolui, clarificando-se, por nuances e acúmulos (sedimentalmente), na medida do aumento do conhecimento humano, na história, como ensinou Jacques Maritain, o filósofo mais estimado de Paulo VI.

Conclusão: as idéias (inclusive regras) jurídicas naturais e positivas são regras de conduta, por isso, são estáveis nas grandes linhas, mas também flexíveis. Há, dentre outras, duas razões para isso: 1º) a mudança constante dos fatos, das circunstâncias, pela mobilidade do mundo temporal, o fluxo do devir; e 2º) o progresso social, cultural e jurídico na história, o progresso cultural cumulativo, da humanidade. Os princípios formam as regras mais estáveis, sendo, assim, a ossatura do mundo jurídico. A carne, os nervos e a pele mudam pelas circunstâncias, adaptam-se à cor do ambiente.

Mesmo na eternidade, nos movemos no tempo, pois a eternidade é o tempo que nunca acaba, o tempo pleno, sob controle gradual de todos.