O Estado social popular, nas ideias de Paulo Bonavides, constitucionalista católico

Oscar d´Alva e Souza Filho, na obra “A ideologia do Direito Natural” (São Paulo, Editora ABC, 2002, pp. 307-309), sintetizou muito bem o papel de Paulo Bonavides na história do Brasil.

Paulo Bonavides escreveu obras como: “Os fins do Estado”; “Teoria do Estado”; “Do Estado liberal ao Estado social”; “Reflexões: Política e Direito”; e “Constituinte e Constituição”. Como ressaltou o prof. Oscar:

Sua concepção de “Estado Social” orientou muitos modelos de Estado, inclusive o brasileiro, no sentido de investir nas atividades básicas de produção, como energia elétrica, metalurgia, petróleo, petro-química e no sistema financeiro nacional”. São basicamente as mesmas ideias de grandes católicos como Alceu, Pontes de Miranda, Luis Pinto Ferreira, Barbosa Lima Sobrinho, Sergio Buarque de Holanda, Lott, Goulart, Getúlio, Agamenon Magalhães e outros grandes juristas católicos. O mesmo vale para o ex-presidente Arthur Bernardes Filho, que se destacou pela reforma da Constituição em 1926, permitindo que a União legislasse sobre direito trabalhista, pela defesa de nossas jazidas de ferro, pela defesa da Amazônia, da Petrobrás e de outras estatais. 

Sobre a questão do jusnaturalismo, vejamos a síntese das idéias de Paulo Bonavides, como ele mesmo explicou ao prof. Oscar:

Tivemos a feliz oportunidade de entrevistar o professor Paulo Bonavides, em seu Gabinete de estudos, no Curso de Mestrado da Faculdade de Direito, da UFC, e colhemos do ilustrado e querido filósofo do Direito a seguinte síntese de seu pensamento:

“A Filosofia do Direito e o Direito Natural atualmente convergem no sentido da renovação da concepção do Direito. Transcendem o positivismo jurídico clássico (vinculado à sociedade liberal) (…)

Com o novo Direito que se formou à sombra da organização do Estado Social e da positivação dos Direitos Humanos, nas três esferas, dimensões ou gerações de Direitos Fundamentais. É perfeitamente perceptível a presença e a ação de princípios e valores inspirados no Direito Natural e que explicam o quadro de renovação hermenêutica no campo do Direito. Em verdade o Direito passou em matéria interpretativa do campo da norma-regra para o campo da norma-princípio que incorpora a norma-valor, movendo-se, portanto, no domínio da chamada nova hermenêutica axiológica e principiológica, conferindo assim materialidade ao Direito.

A densidade do influxo jusnaturalista na renovação contemporânea do Direito, já concebida em termos de positividade se faz manifesta no que tange ao Direito Constitucional e à Teoria dos Direitos Fundamentais.

É de assinalar que vivemos, com respeito ao Direito Natural, uma fase parecida com aquela em que aquele Direito, por sua ação revolucionária nos séculos XVII e XVIII fundamentou as bases do velho Estado Liberal, do seu constitucionalismo e da sua organização de poder. E foi por obra desse Direito Natural teorizado no plano da razão, desde Grócio, que surgiram em linhas de coerência histórica e política os ordenamentos jurídicos positivados na obra dos Codificadores”.

Bonavides constatou a superação do “normativismo” estreito e fechado, nos moldes das primeiras obras de Kelsen. De fato, o Direito é formado por normas positivas e por normas não escritas, que são os princípios gerais de direito. A legitimidade das normas positivas está na adequação das normas positivas com os princípios gerais, presentes na consciência das pessoas.

A positivação dos direitos fundamentais, no que se convencionou chamar de gerações de direitos (cf. Bobbio e outros), a superação gradual do Estado liberal, tal como a hermenêutica, leva à superação do normativismo.

Bonavides também ressaltou corretamente que o jusnaturalismo foi a base teórica da “ação revolucionária nos séculos XVII e XVIII”. O único ponto equivocado foi dizer que o “Direito Natural teorizado no plano da razão” tem como que origem em “Grócio”. No entanto, nos livros de Bonavides, este reconhece a precedência de Suárez, tal como o próprio Grócio reconhecia. No fundo, Grócio seguia Francisco Suarez, São Tomás, Cícero e a filosofia cristã, sendo Grócio uma das estrelas da corrente pro catolicismo chamado arminianismo, que ajudou a Holanda e a Suiça a superar erros do calvinismo. 

Vejamos a síntese de Bonavides, colhida pelo prof. Oscar:

“Hoje, o Direito Natural por seus valores e princípios impregna a nova positividade do Direito que transparece no jus-constitucionalismo contemporâneo, que caminha do esforço da normatividade em bases hermenêuticas, que não são os da subsunção e do dedutivismo, mas da hermenêutica que pondera valores e se exercita na discussão principiológica que é a dimensão da legitimidade, agora, preponderante sobre a legalidade em termos axiológicos hierárquicos.

Daí, surgiu a nova metodologia interpretativa dos conteúdos constitucionais, com base no emprego do princípio da proporcionalidade”.”

O jusnaturalismo de Bonavides ensina que os princípios gerais de direito são a viga mestra, a ossatura, o núcleo de legitimação das normas escritas. Os princípios (regras amplas, ideias práticas amplas, que estão na consciência do povo, por obra da razão e da experiência) são regras abstratas, hauridas da incidência da luz da razão natural sobre a natureza das coisas e dos seres (cf. Etienne Gilson), como também ensinava Gustav Radbruch. Uma vez positivados, a querela entre jusnaturalismo e positivismo diminui, como também viu Amilton Bueno de Carvalho, expoente do Direito Alternativo, no Rio Grande do Sul.

Bonavides também mostrou que o jusnaturalismo foi a base teórica mais importante para o movimento de instauração da democracia, nos séculos XVII e XVIII e é hoje a base mais importante para a instauração de um Estado Social, que é uma Democracia Social, Participativa.

Conclusão: o Estado Social, defendido por Paulo Bonavides, é a mesma Democracia Popular, Participativa e Social, defendida por Alceu Amoroso Lima e por nossos grandes teólogos, juristas e bispos. Os textos de Paulo Bonavides ensinam que os princípios gerais de direito (idéias, concepções, juízos, valores, necessidades conscientes etc), presentes na consciência do povo, são a base da legitimação das leis positivas, ou seja, que as leis positivas devem refletir o que há de melhor e é comum na consciência de todos, para que os bens, a produção, o Estado, a vida social, sejam controlados por todos, pelo Povo organizado.