O Estado é algo natural – o fundamento da condenação do nazismo, pela Igreja Católica

Pio XI, na “Mit brennender sorge” (14.03.1937), condenou o nazismo pois este defendia teses condenadas pela Igreja. Pio XI ressaltou que “o Estado” e “os representantes do poder estatal” são elementos da “ordem natural”, da “escala de valores terrenos”, e não algo sobrenatural. O papa condenou o erro nazista de “elevar o Estado e seus representantes” “à categoria de suprema norma de tudo, mesmo dos valores religiosos, divinizando-os com culto idolátrico”. Da mesma forma, a Igreja condenou o fascismo e o comunismo, assim como condenou o capitalismo. 

A repulsa à idolatria faz parte das idéias cristãs e também inspirou expoentes como Moisés, os profetas, Cristo, os apóstolos e os santos padres. A divinização do titular do poder foi o ponto central no atrito entre cristãos e os imperadores e autoridades romanas e isso a começar por Pilatos. Cristo foi morto sob o governo de Tibério. Após Tibério, veio Calígula. Calígula, em reação ao cristianismo, ordenou que o povo romano o considerasse como Deus e ordenou que sua estátua fosse colocada no Templo de Jerusalém. Ou seja, quando Calígula ouviu falar da morte de Cristo, reagiu deificando-se a si mesmo e ordenando que a estátua dele, Calígula, fosse entronizada no Templo de Jerusalém. 

Em 20.10.1939, o Papa, na “Summi Pontificatus”, ressalta que “o conceito que atribui ao Estado uma autoridade ilimitada não é somente um erro pernicioso para a vida interna das nações, para a prosperidade, para o maior e ordenado incremento do seu bem-estar; mas é também causa de males para as relações entre os povos, porque rompe a unidade da sociedade supranacional e fere o valor e o fundamento do direito das gentes, abre caminho à violação do direito dos outros e dificulta a concórdia e a convivência pacífica”.

Pio XII, no discurso de 02.06.1945, ressaltou que esta encíclica “desmascarou aos olhos do mundo aquilo que o nacional-socialismo era na realidade: a apostasia orgulhosa de Jesus Cristo, a negação da sua doutrina e da sua obra redentora, o culto da força; a idolatria da raça e do sangue, a opressão da liberdade humana”.

Alfred Rosenberg, o principal ideólogo do nazismo, incumbido por Hitler da educação ideológica do partido nazista, também apontava a incompatibilidade radical entre o nazismo e o cristianismo. Os nazistas seguiam a linha de Nietzsche, que também atacara a democracia, o socialismo, o judaísmo e o cristianismo, deixando claro os nexos entre estes quatro movimentos de idéias.

O nazismo chegou ao poder em 1933. O estalinismo, ao proibir coligações com o partido socialista, corroborou na ascensão ao poder de Hitler, tal como colaboraram maus cristãos. Houve, no entanto, resistência, pois, já neste ano, os bispos da Alemanha, numa carta coletiva de 03.06.1933, escreveram uma crítica ao nazismo, afirmando que esperavam que “a autoridade do Estado, a exemplo da autoridade da Igreja Católica, não diminua a liberdade humana mais do que o bem comum o exija”. Ou seja, o bem comum é o critério fundamental da delimitação da autoridade do Estado, as liberdades somente podem ser cerceadas se o bem comum e a razão justificarem.

Em 20.08.1935, os Bispos alemães (com destaque para os cardeais Faulhaber e Adolf Bertram), em outra carta pastoral coletiva contra o nazismo, escreveram que se as leis forem injustas (contrariando as idéias e os interesses dos mais pobres, da maior parte da sociedade), devem ser desobedecidas:

“Colidindo as leis do Estado com o direito natural e os Mandamentos de Deus, vem ao caso a palavra dos primeiros apóstolos que, por ela, se deixaram açoitar e atirar no cárcere: é preciso obedecer mais a Deus do que aos homens”.

A doutrina cristã proíbe formalmente a idolatria, a adoração das autoridades, tal como do capital ou do dinheiro. O Estado deve ser apenas um serviçal, um bom prestador de serviços.