O ideal católico de uma Democracia popular econômica, política, cultural, educacional etc

Alceu Amoroso Lima, no livro “No limiar da idade nova” (Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1935), defendia o ideal histórico de uma “idade nova”.

Defendia um regime político e econômico que misturasse, numa boa síntese, vários movimentos e idéias cristãs.

Alceu queria uma democracia popular com base no distributismo (a destinação universal dos bens); na democracia (princípio da destinação universal do poder, que é também um bem); no sindicalismo (a organização dos trabalhadores para superar o regime assalariado, para o controle efetivo do processo produtivo pelos trabalhadores, autogestão, co-gestão); no cooperativismo (as unidades econômicas devem ter formas cooperativistas, baseadas na co-gestão, autogestão e planejamento participativo, sendo esta a linha de Buchez, Ketteler, Ozanam, Renard, Maritain e de Mounier); no solidarismo (ênfase nos direitos sociais, no bem comum); no personalismo (na defesa dos direitos da pessoa); e no dirigismo econômico (formas amplas de participação do Estado na economia, por estatais e por planificação participativa).

No fundo, estas idéias, o ideal de uma democracia popular verdadeira, estão nos textos bíblicos de Moisés e do Novo Testamento e nos “Atos dos Apóstolos” (o texto paralelo com o “Levítico” e o “Deuteronômio”).

O ponto mais importante é a tese distributista, a destinação universal dos bens, o que abarca também o poder, pois todas as pessoas devem ter participação no poder (cf. Santo Tomás de Aquino) e nos bens, que foram criados por Deus para todos.

A democracia não pode ser unicamente política, todas as relações sociais devem ser democratizadas. Como foi explicado por Michel Foucault, no livro “Microfísica do poder” (Rio, Ed. Graal, 1982), o poder do Estado é apenas o macro-poder. Há também os micro-poderes dispersos nas relações sociais e interpessoais, inclusive do cotidiano. Em todas as relações sociais, o ser humano deve ter o primado, destruindo as reificações, as opressões.

O poder está difuso na sociedade, localiza-se em cada pessoa, de uma forma saudável ou perversa. Assim, “nada mudará na sociedade se os mecanismos do poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos do Estado, a um nível mais elementar, cotidiano, não forem modificados”.

Foucault não satanizou o poder, apenas denunciou formas perversas de poder, procurando humanizar o poder público e social, pautá-lo pelos direitos humanos, pela participação, pela razão e pelo bem de todos. Neste ponto, as idéias de Foucault coincidem com as idéias da doutrina social da Igreja, com a teologia da libertação etc.

No mesmo sentido de Foucault, Pio XI ensinava que o poder deve estar espalhado, medido e a serviço do bem comum. Todos os bens cuja posse gere poder excessivo devem ser estatizados ou cooperativizados, postos sob o controle da sociedade, pois toda a sociedade deve ser pautada pelo bem comum.

Afinal, o Projeto (Reino) de Deus é ordenar (organizar, estruturar) a sociedade para “o maior bem-estar espiritual e material possível, nesta vida, graças à união e colaboração de todos” (cf. “Divini illius Magistri”, de Pio XI).

Conclusão: a Tradição da Igreja, a doutrina social da Igreja (vide textos de Pavan e Alceu, mais adiante), contém idéias que pugnam pela democratização do Estado, mas também das principais relações, especialmente das relações econômicas, das unidades de produção e de todo o processo produtivo, tal como de todos os processos decisórios que interessam aos membros da sociedade (toda sociedade deve ser uma irmandade, tendo uma estrutura fraterna, igualitária, horizontal e humanista).

A importância da democratização da economia também foi apontada por autores como Paul Singer, Ladislau Dowbor (vide “Democracia econômica”, Petrópolis, Vozes, 2008), Boaventura de Souza Santos, Maurício Tragtenberg e outros grandes autores.

O ideal cristão e humano é uma democracia real, verdadeira, popular, não-capitalista, uma democracia participativa, social, popular, cooperativa e comunitária.