A Santa Razão, guardiã que nos leva a Deus e ao bem comum

A Igreja condenou o racionalismo não porque o racionalismo defendia a Razão, e sim porque o racionalismo mutilava a razão. O racionalismo achava que a razão é incapaz de fazer raciocínios dedutivos válidos sobre ética, Direito, Religião, Deus etc. A Igreja acha que a razão humana é capaz e não aceitou a mutilação da razão. É a Igreja quem ama a razão, a ciência, o progresso social. 

A Igreja condenou o liberalismo não porque o liberalismo defende a liberdade, e sim por que mutilava a liberdade. A Igreja defende a liberdade verdadeira, seguir a própria consciência (cf. Mercier), ter condições sociais para o exercício da liberdade. A Igreja sempre defendeu a liberdade humana (vide Molina), tal como sempre defendeu o Estado social (vide as melhores ideias de Santo Agostinho, São Tomás, os Santos Padres, São Clemente de Alexandria e as ideias bíblicas e do Evangelho). 

A Igreja condenou o comunismo não porque este defendia a comunhão de bens. E sim porque o comunismo, nos seus expoentes, em geral, defende um Capitalismo de Estado, com ditadura, mantém os trabalhadores como proletários, proibiu greves, manietou sindicatos, baniu multipartidarismo, eleições livres, proibiu liberdade de imprensa, de religião, de pensamento. Estes erros do comunismo levaram a Igreja a condenar estes erros.

Ao mesmo tempo, a Igreja mostrou que parte das ideias socialistas era boa e tradicional (vide Pio XI).

É a Igreja defende a comunhão de bens, a difusão de bens, a destinação universal dos bens, Deus fez os bens para todos, o que exige economia mista. Todos devem ter moradias dignas (não mansões milionárias, frise-se), carros populares e dignos, renda, móveis, roupas, liberdades civis, e isso deve coexistir com boas estatais, planejamento participativo do Estado, cooperativismo amplo etc.

Não deve haver proletários (pessoas que só tem a prole) e nem deve haver grandes fortunas privadas. O correto é MEDIANIA, todos devem ter pequenos e médios bens, sob o controle do Estado, do bem comum, das regras para o bem comum. 

A Igreja condenou o fascismo, não porque este era nacionalista, e sim pelos erros totalitários, racistas, imperialistas. Idem para o nazismo. A Igreja defende o nacionalismo, como defende o municipalismo, o regionalismo, a existência das nações e governos nacionais, a existência de governos continentais (tipo União Européia, sem os erros neoliberais desta), tal como a Igreja defende a criação de um Estado mundial (a ideia de H.G.Wells é uma ideia católica, tendo como precedentes vários católicos, como Dante e outros).

Um bom Estado mundial é uma boa Confederação de Nações. Por isso, a Igreja apoiou a ONU e vários Papas foram até a ONU, onde proferiram lindos discursos apoiando a causa de um Estado democrático popular mundial, que não suprime os governos nacionais, apenas erradica as guerras, o imperialismo, formas de neocolonianismo e institui ajuda mundial aos países mais pobres. Uma moeda internacional também não suprime as moedas nacionais, pois apenas é usada para o comércio externo. 

A Congregação do Índex, em 11.06.1855 (num texto confirmado por Pio IX, em 15.06.1855), ensinou que “o uso da razão” é tão vital e essencial que “precede a fé e a ela conduz”. A ação da razão sempre é imprescindível. A graça apenas aperfeiçoa e fortalece a razão, e nunca a anula. A fé apenas ajuda a razão e ter fé é termos uma razão que dá o consenso à verdades racionais e supra-racionais, nunca a ideias irracionais.

A revelação e a graça são auxílios à razão (“o auxílio da revelação e da graça”), forças auxiliares que cooperam com o exercício da razão humana, mantendo-a e elevando-a, depurando-a, aperfeiçoando-a, sem nunca a contradizer. Assim como a razão vem antes da fé, a liberdade vem antes da autoridade.

Pio IX, no texto de 1855, também explicou que a razão e a fé têm origem divina, comum, na mesma Fonte, que é Deus.

Assim, os temas principais da fé são corroborados pela razão, que é capaz de deduzir a existência de Deus, de Seus atributos e formular regras racionais e sociais (de ética), tal como regras jurídicas e políticas, para a vida pessoal e social, com base na apreensão da realidade.

O Papa Pio IX ainda ensinou que “o raciocínio pode provar com certeza a existência de Deus, a espiritualidade da alma e o livre arbítrio”, a liberdade, tal como as verdades principais da ética. Também frisou bem que “o uso da razão precede à fé”.

Com estes textos, Pio IX ratificou o ensinamento de Santo Alberto Magno, de Abelardo e Santo Tomás de Aquino, que a razão humana é “uma” “participação da razão divina”. Por estas razões, Pio XI autorizou os católicos chineses a fazerem saudações junto às estátuas de Confúcio e autorizou os católicos ingleses a votarem no Partido Trabalhista inglês, que é socialista democrático, filiado à Internacional Socialista. Na China, hoje, há uma verdadeira veneração a Confúcio, organizada pelo Estado chinês, que criou o Instituto de Confúcio e difunde as obras do mestre chinês. O mesmo faziam os jesuítas que difundiram os textos de Confúcio pelo mundo todo, com enorme apreço ao grande Pensador Chinês. 

Em todo o mundo e em todas as épocas, as pessoas podem se salvar, pois a graça opera sempre, desde a criação, em cada pessoa. A luz natural da razão está presente em todos os povos, tal como a ação do Espírito Santo atua em todos os povos.

O culto a Deus e a prática de boas obras salva em todos os países. Um bom muçulmano, um bom hindu, um bom budista, um bom confuciano, um bom xintoísta, um bom protestante, um bom judeu, um bom sikh, se salvam, tanto como um bom católico.

O catolicismo respeita as ideias verdadeiras em cada povo, em cada cultura. E um bom hindu que se converte a católico, permanece lendo o Bhagavad Gita, e sendo um bom hindu, tendo apenas algumas ideias boas a mais. Idem para um bom judeu que se converte, permanece judeu, amante dos melhores textos do Talmud, com apenas algumas ideias a mais. 

No fundo, o valor salvífico da razão natural e a ação universal da graça (pelo batismo de fogo, de desejo ou de sangue) salvam. Boas obras e boas ideias verdadeiras salvam em cada povo. Sendo estas teses hiper tradicionais no catolicismo.

Esta tese foi chamada, convencionalmente, de “batismo de desejo e de sangue”, objeto do livro de Frei Betto, sobre o martírio de pessoas que dão a vida na luta por justiça social. É o mesmo ensinamento do papa Alexandre VII (ao condenar os erros jansenistas, expostos por Antônio Arnauld) e de Pio XII, ao condenar os erros integristas do padre Leonardo Feeney. Alexandre VII (1689-1691) condenou a tese principal do tuciorismo, num documento de 07.12.1690.

Estas decisões da Igreja contra o quietismo, contra o jansenismo, o tuciorismo, foram decisões magistrais, que abriram caminho para as melhores ideias do século XVIII, para o iluminismo católico, que gerou gigantes como Montesquieu, Bento XIV, Mably e milhares de outros leigos católicos que fizeram a Revolução Francesa. 

Mesmo Pio IX ensinou que todas as pessoas podem se salvar, em cada povo, cada cultura, cada religião, pois um bom hindu só não é católico e hindu, por ignorância invencível, falta de conhecimento da doutrina católica, ou seja, a razão natural do hindu (ou do muçulmano etc) o salva, pois atua junto com o Espírito Santo, só não chegando ao catolicismo por falta de informações que os missionários podem e devem suprir.

Vejamos o texto de Pio XI, em 1854: “Com efeito, pela fé há de sustentar-se que fora da Igreja Apostólica Romana ninguém pode salvar-se; que esta é a única arca da salvação, que quem nela não tiver entrado, perecerá no dilúvio. Entretanto, também é preciso ter por certo que aqueles que sofrem de ignorância da verdadeira religião, se aquela [ignorância] é invencível, não são eles ante os olhos do Senhor réus por isso de culpa alguma. Ora pois, quem será tão arrogante que seja capaz de assinalar os limites desta ignorância, conforme a razão e a variedade de povos, regiões, caracteres e de tantas outras e tão numerosas circunstâncias?” (Pio IX, Alocução Singulari Quadam, 1854, Denzinger, 1647).

A Igreja ensina que a Igreja invisível é a essência da verdadeira Igreja. A Igreja visível é como a encarnação e a parte visível, sendo menor que a Igreja Invisível. Na Igreja invisível, há milhões ou bilhões de hindus, confucianos, muçulmanos, budistas, umbandistas, espíritas, sikhs, xintoístas, e até ateus que são ateus por erros invencíveis (falhas na formação intelectual), desde que estas pessoas sejam boas pessoas, honestas, dignas, razoáveis, e procurem fazer o bem e evitar o mal.