Pio XII, 02.10.1945 = “a tese principal da democracia” “defendida” por “pensadores cristãos de todos os tempos”

O Papa Pio XII, na alocução de 02.10.1945, seguiu os passos de Suarez e Bellarmino e destacou “a tese principal da democracia, a saber, que o povo” “é o sujeito primigênio do poder civil procedente de Deus – teses que foi defendida por destacados pensadores cristãos de todos os tempos” (n. 2715).

O termo “primigênio” vem da palavra latina “primigenus”, que significa “primordial”, “primeiro” (de “primo”), “primitivo”. Assim, Deus é a fonte remota do poder, mas o Criador age pela criação, por dentro. A Providência opera pela natureza e mesmo a atuação sobrenatural é uma atuação na natureza, melhorando, aperfeiçoando-a.

O poder vem de Deus por mediação do povo. O poder emana diretamente do povo e indiretamente de Deus. O poder nasce imediatamente do povo e de forma mediata (por mediação da sociedade), o poder vem de Deus.

O povo organizado (a consciência do povo) é a mediação pela qual Deus atua. O poder nasce imediatamente (diretamente) da sociedade e, de forma mediata, de Deus. O povo é o sujeito primeiro do poder (como observou Lamennais, no “Livro do povo”, Deus habita principalmente nas pessoas simples e boas do povo). Esta é tese bem exposta por Suarez, Bellarmino e por milhares de autores da Igreja, sendo também a tese esposada por Santo Agostinho, os Santos Padres e que está nos melhores textos tomistas, como foi bem demonstrado por Maritain, Romenn e outros grandes luminares da Igreja.

O Padre Suarez, que morou por anos em Coimbra, apenas repetia a doutrina da Casa de Aviz, de Dom João I. A doutrina católica da origem popular do poder está bem exposta inclusive nas obras do Infante Dom Pedro (1392-1449), filho de Dom João I. Dom Pedro, irmão do Infante Dom Henrique Navegador, foi regente de Portugal. Dom Pedro escreveu o livro “Virtuosa Benfeitoria”, combinando a Tradição cristã ao melhor da Paidéia (Cícero, Sêneca, Virgílio e outros). No livro “Virtuosa Benfeitoria”, Dom Pedro ensina que “o poder vem de Deus pelos homens” (“imperium a Deus per homines”). Ensina que não há “expressa comissão divina” (“expressa comission deuynal”), e sim “consentimento” do povo (“os homens conssentirom que sobrelles fossem senhores”). É a mesma lição da “Carta Magna”, 1215, documento católico, que representa o pensamento católico sobre o poder, o Estado. 

A doutrina popular e católica sobre a origem popular imediata do poder foi também ensinada pelo maior historiador português, Fernão Lopes. A doutrina popular do poder foi ensinada, antes, nas “Atas” das Côrtes de Lamego, que explicam que Dom Afonso Henriques (1109-1185), o rei popular que deu a Portugal a independência, fundou a independência de Portugal com base na doutrina popular e cristã sobre a origem do poder, após a batalha de Ourique (1139). As “Atas” das Cortes de Lamego foram ratificadas nas Cortes de 1641, como Leis Fundamentais de Portugal, auxiliando na segunda independência de Portugal, na “Restauração”, no Domingo de Páscoa, em 31.03.1641. Dom João IV apenas repetia a melhor tradição democrática de Portugal, a tradição que justificou a independência do próprio Portugal, como explicou bem Alexandre Herculano (1810-1877), grande historiador católico.