A religião, toda religião verdadeira, exige a construção de um amplo Estado socialista, Providência, protetor do Trabalho, das Pessoas

A Igreja sempre teve uma teoria (conjunto de ideias para explicar) DEMOCRÁTICA POPULAR, socialista democrática, TRABALHISTA, sobre o poder, o Estado. Uma teoria chamada da mediação popular ou da translação, que é a teoria da Paidéia.

Esta teoria-concepção democrática popular, SOCIALISTA DEMOCRÁTICA, foi sempre a teoria (concepção) mais acatada pelos Doutores da Igreja e pelos grandes teólogos

A teoria mais adotada na Igreja (por leigos, clero e expoentes), ao longo dos séculos, foi a teoria jusnaturalista da mediação popular, que teve sua melhor formulação nos textos de São Roberto Bellarmino, um dos 33 Doutores da Igreja.

Os livros de Rommen, sobre o Estado e o direito natural, demonstram bem esta tese. Esta era a teoria dos Santos Padres, com base na Bíblia e nos textos de Aristóteles, Cícero e outros.

A segunda teoria mais acatada por teólogos, a teoria da designação, com fundamentação jusnaturalista e racional, tem praticamente o mesmo conteúdo da teoria da translação, pois são teorias jusnaturalistas e pautadas pelo bem comum, pelo bem do povo.

Nas duas teorias, o poder e os direitos positivos devem ser limitados e pautados pelo direito natural do povo, ou seja, pelas idéias e necessidades (aspirações, projetos, ideias, sonhos, imaginações, desejos…) da sociedade, tendo a sociedade o direito de escolher os agentes públicos, as estruturas e de depor agentes públicos corrompidos, que atentem contra o bem comum.

A teoria mais tradicional, no entanto, é a teoria da translação, que é a teoria da Paidéia (de Sófocles, Protágoras, Aristóteles, Péricles e outros) e dos Santos Padres. Como expliquei, as duas teorias têm um fundo socialista.

As duas teorias visam a criação de um amplo Estado social, tal como um Estado Mundial, com Uniões Continentais como mediações. Por isso, os melhores textos de Platão são socialistas, tal como os melhores textos de Moisés, de Aristóteles e dos Estoicos. 

O padre dominicano Lacordaire também interpretou as idéias de Santo Tomás na linha de Morus, Juan Luís Vives (1492-1540), Frei Francisco de Vitória (1483-1546), Domingos las Casas (1484-1566), Luiz de Molina (1535-1600), Francisco Suárez (1548-1617), João de Lugo (1583-1660) e dos grandes juristas e teólogos da 1ª. e 2ª.Escolástica.

Esta linha foi adotada por milhares de juristas e escritores, inclusive Luiz Vaz de Camões e Bartolomeu Las Casas (1470-1576), o bispo de Chiapas.

Outra estrela de primeira ordem é o padre Juan de Miranda (1537-1623), autor de obras como “De mutatione Monetae” (1601, onde explica que a moeda deve estar sob o controle do povo), “Do rei e da instituição real” (1598), “História geral da Espanha”, “Tratado contra os jogos públicos” e outras.

Os textos de Mariana seguiam a linha humanista e socializante do catolicismo.

Joaquín Costa, no livro “Colectivismo agrario en España”, elogia Mariana. Os textos de Antônio Nebrija também trazem forte apologia da Paidéia.

A interpretação correta do tomismo foi feita por Vitória, Suárez e Bellarmino e é democrática e participativa (popular), como também demonstrou Maritain e Alceu Amoroso Lima.

Foi esta a linha correta durante a Resistência Francesa, onde católicos marcharam ao lado de socialistas e mesmo comunistas contra o nazismo. O tomismo influenciou inclusive bispos anglicanos, como pode ser visto nos livros do bispo de Oxford, Kenneth Kirk (1886-1954), em obras como “Alguns problemas de teologia moral” (1920).

Há as mesmas teses pró-democracia social, pró socialismo democrático trabalhista, nos textos de Karl Rahner (1904-1984), tal como em grandes expoentes como: Alceu Amoroso Lima, Plínio de Arruda Sampaio; Frei Betto; Francisco Whitaker; o padre Louis Joseph Lebret (1897-1966); o padre Houtard (de Louvain); Monsenhor Pavan; o padre Loew; Desroches; Haubtmann; Suavet; Marcel Barbu; Gatheron; o padre Riquet; Jean Guitton (1901-1999), o padre dominicano Joseph Vincent Ducatillon (elogiado por Prestes e por Benjamin Vargas, lá por 1944); o cardeal Frings; o padre Arrupe; o Cardeal Lercaro; o cardeal Suhard; o cardeal Suenens; o cardeal Köenig; o Cardeal Charles Journet; o cardeal Jean Daniélou; o Cardeal Carlo Maria Martini; Dom Oscar Romero (assassinado em 2405.1980); Dom Hélder; o Cardeal Jean-Marie Lustiger (1927-2007, arcebispo de Paris, judeu convertido); e milhões de leigos, especialmente os ligados ao comunitarismo de Mounier.

Outro grande nome foi Monsenhor Méndez Arceo, no México. Há ainda autores como Christopher Dawson, que mostram a tendência democrática na Igreja.

O ideal da democracia social, do SOCIALISMO DEMOCRÁTICO, também está presente nos textos do cardeal John Courtney Murray (1904-1967), tal como no pensamento de estrelas como: o Cardeal Suenens, que foi Primaz da Bélgica; o Cardeal Dopfner; o abade Pierre; o padre Luigi Sturzo (1871-1959); o beato Pedro Jorge Frassati (antifascista); o padre Chaillet; Yves Congar (1904-1995); Cardonnel; Bernanos; François Mauriac; Graham Greene; Luiz Pinto Ferreira (católico e socialista); o cardeal Joseph Elmer Ritter (1892-1967, que combateu o racismo nos EUA); o cardeal Ernesto Ruffini (1888-1967); João XXIII; Bernhard Haring (1912-1998); Ada Maria Isasi-Díaz (n. 1943); Marciano Vidal; padre Camilo Torres (morto em 16.02.1966); padre Manuel Peréz Martinez (1943-1998, chefe da ELN, na Colômbia); o padre Giulio Girardi, do movimento “Cristãos pelo socialismo”, na Itália; Luiz Alberto Gomez de Souza; Cândido Antônio Marques de Almeida e milhares de outros expoentes do catolicismo.

Estes pontos sempre foram ensinados no jornal “La Croix”, diário católico francês; na revista “Études”, dirigida pelos jesuíts; no “Le Figaro”; “Le Matin”; em “L´Etoile Belge”; “Razón y Fe”; no “Osservatore Romano”; em “Civitta Cattolica”; “Ciencia Tomista”; “Vita e Pensiero”; “Estudios Franciscanos”; na “Revista Eclesiástica”, em dezenas de jornais e revistas católicas no Brasil; e em outras fontes múltiplas do pensamento católico.

No Brasil, esta foi a linha da Ação Católica, inspirada em Maritain e em Alceu Amoroso Lima. O ideal de uma democracia popular-social participativa, SOCIALISMO COOPERATIVISTA PARTICIPATIVO, era também o ideal do jornal “Brasil, Urgente”, tal como da revista “Síntese” (tenho todos os números, dirigida pelo padre Fernando Bastos de Ávila).

O texto da Campanha da Fraternidade, da CNBB, de 1996, tem o título: “Justiça e paz se abraçarão” (São Paulo, Ed. Salesiana Dom Bosco, 1996). Este texto repete as mesmas idéias fundamentais da concepção democrática cristã, que postula uma democracia não-capitalista, não-latifundiária, sem oligarquias, sem imperialismo etc.

Este documento cita, como “modelos” a serem seguidos, expoentes como “Alceu Amoroso Lima”, “Santo Dias da Silva” e “Margarida Alves”.

Uma das grandes estrelas democráticas do catolicismo brasileiro foi o padre Júlio Maria.

Este, tal como o Cardeal Sebastião Leme, sempre incentivou a participação ativa dos católicos no poder público, para tornar o poder público algo ético, racional e conforme ao bem de todos. Houve a mesma idéia na participação de grandes sacerdotes na vida política, como pode ser visto nos exemplos de Padre Cícero, Padre Ibiapina, Frei Caneca, Padre Francisco Lage, Padre Hugo Paiva, Padre Ezequiel Ramin, Padre Gabriel, Padre Josimo, Dom Oscar Romero e até mesmo Dom Aquino Correia.

A concepção cristã sobre o poder é, no fundo, bem simples: a liberdade natural, o livre arbítrio, é natural e boa, quando age naturalmente (de forma adequada à razão e ao bem comum), pois a liberdade (tal como o poder) decorre da razão, da consciência, que é feita à imagem da Consciência divina, movendo-se sempre pelo ideal do bem comum (causa final da sociedade). A liberdade só existe com AJUDA ESTATAL, com a ajuda de um AMPLO ESTADO POPULAR, SOCIALISTA, PROTETOR, um ESTADO PROVIDÊNCIA, um Estado à imagem de Deus, da Comunhão, um Estado COMUNHÃO, socialista democrático. 

Estes pontos foi bem destacados por São Francisco de Assis, Abelardo, Roberto Grosseteste (1175-1253, bispo de Lincoln, tradutor de Aristóteles, do Pseudo-Dionísio e um dos fundadores da Escola de Oxford), Santo Alberto Magno (1200-1280), Tomás de Aquino, Roger Bacon, os probabilistas, molinistas, São Francisco de Sales (1567-1622), São Vicente de Paulo e outros.

São Francisco de Sales é um dos 33 Doutores da Igreja e deixou 21.000 cartas, 4.000 sermões e obras geniais como “Tratado do amor de Deus” e “Filotéia”. Seus textos sobre o Estado, o poder público e as leis deixam claro o fundo jusnaturalista, ligado à Tradição e à Paidéia.

A liberdade natural e a relação desta com a razão e com o bem comum foi um dos pontos principais destacados no Concílio de Trento e no Renascimento. Consta claramente no livro de Erasmo de Rotterdam, “Do livre arbítrio”, inspirado nos livros com o mesmo título de Orígenes e de Santo Agostinho. Afinal, a natureza humana (especialmente a razão) é uma criação divina e artística do próprio Deus, que criou nossa consciência (espírito, com as duas faculdades centrais da inteligência e da vontade livre) á Sua imagem e semelhança, ou seja, para mover-se pelo ideal racional do bem comum. Como toda faculdade humana, se a liberdade natural foi exercida de forma irracional e contrária ao bem comum, ela, aos poucos, se extingue, corrompe-se.

A liberdade pessoal, como destacava Lacordaire, requer um conjunto básico de bens materiais, cuja difusão constitui parte essencial, intrinsecamente boa, do conceito de “bem comum”, que abarca o bem pessoal, familiar e social.

A lição de Santo Tomás de Aquino foi reprisada por Pio XI, na “Quadragésimo anno” (n. 82): os bens “devem ser abundantes para satisfazer às necessidades de uma honesta subsistência e para elevar as pessoas a um grau de cultura que, usada sabiamente [de forma racional], não é um obstáculo à virtude, e sim facilita singularmente o exercício” das virtudes, das boas obras, racionais e adequadas ao bem comum.

A ação natural da razão é correlata com o bem comum (geral). Afinal, a razão foi criada por Deus para ser nosso lume natural, nosso caminho (“tao”, “caminho”, “verdade”, “vida”), para a felicidade pessoal e social (comunhão).

Abreviando, o bem comum é a causa final do universo, da sociedade e o ideal que é a essência do Plano de Deus, pois a essência divina é o Amor (cf. Jo 4,8), a Bondade (de “bonitas”, “bonus”, “bom”), a Misericórdia, a Caridade, o ideal do bem comum. Como explicou João XXIII, na “Pacem in terris”, “a própria razão de ser dos poderes públicos” é “a realização do bem comum”.

Os “poderes públicos” devem “promovê-lo” nos “elementos essenciais” e de forma adaptada com “as exigências” das “atuais condições históricas”. Os “filhos da luz” (Ef 5,8) devem primar no caminho da “bondade, justiça e verdade” (Ef 5,9), ou seja, na difusão do bem para todos, do bem comum.

João XXIII repetia a lição de Leão XIII, dos Santos Padres e de Aristóteles: o poder legítimo, “a autoridade civil”, foi “constituída para o bem comum de todos”. Este é o critério central de legitimação, de justificação do poder, da sociedade e mesmo de cada pessoa, o que mostra a relação da teoria de justificação da graça com a doutrina social da Igreja sobre o poder.

João Paulo II, na Favela do Vidigal (n. 19), repetiu a lição, dizendo: “a Igreja dos pobres” prega a “nobre luta pela verdade e pela justiça”, a “batalha pelo bem verdadeiro”, a “nobre luta a favor da justiça social” (cf. “Discurso aos operários em São Paulo, 8 e 9).

Os cristãos primitivos, diante do poder, só obedeciam às leis justas, às leis racionais e adequadas ao bem comum. As leis iníquas eram desobedecidas.

Esta postura jusnaturalista, racional e santa foi bem explicitada pelos Mártires, seguindo a linha de Isaías, que também morreu mártir, tendo sido serrado. Isaías ensinou: “ai dos que constituem leis iníquas” (cf. Is 10,1), explicitando o fundo jusnaturalismo da Bíblia.

Nesta linha tradicional, Pio IX, na “Quod nunquam” (05.02.1875), neste sentido, declarou que as leis da “Kulturkampf”, de Bismarck, eram nulas e irrítas. Paulo III, em 1537, disse o mesmo sobre as leis que previam a escravidão dos indígenas.

São Pedro e São Paulo ensinaram que o poder racional e conforme ao bem comum vem de Deus, faz parte do Plano de Deus. No entanto, quando o poder explicita regras não-racionais e não-condizentes com o bem comum (iníquas), devemos desobedecer, pois as regras iníquas não são racionais e ferem a consciência.

As palavras e a prática de Cristo são exemplos claros desta doutrina. Cristo cumpre as leis positivas justas, interpreta-as conforme ao bem comum e não obedece às leis irracionais e não condizentes com o bem comum.

Sobre estes pontos, como abonação, há vários textos de Engels e Marx (vide carta a Domela, 1881, sendo Domela um ex-pastor). Também é importante a leitura dos textos sobre a Igreja e o socialismo, de autoria de Rosa de Luxemburgo, Karl Kautsky (“Origens do cristianismo”, 1908), Anatoli Lunatcharski (“Religião e socialismo”) e outros. Há, ainda, a abonação de Lenin, em sua obra principal, “O Estado e a revolução”, onde Lenin menciona o “espírito democrático” do cristianismo primitivo.

Outro autor marxista que escreveu sobre a relação do cristianismo com o socialismo foi Auguste Bebel (1840-1913). Bebel, no livro “Cristianismo e socialismo”, escreveu que “o socialismo é a doutrina” que “deseja, de verdade, aplicar à vida as leis morais que durante dezoito séculos utilizou a Igreja unicamente como rótulo”.

Em outras palavras, o socialismo adota, na visão de Bebel, a ética cristã, da Igreja.

Além destes autores, também vale à pena a leitura de Ernest Troeltsch (1865-1923), “As doutrinas sociais das Igrejas cristãs” (1911). Vladimir Soloviev e Nicolau Berdiaef (1874-1948) também destacaram que, no socialismo, há uma parte boa, uma parte boa, oriunda do cristianismo, da Bíblia e da Paidéia.

Berdiaef tentou conciliar o anseio de justiça social com a liberdade humana, comunitarismo e personalismo, socialização com personalização. Berdiaef recebeu o doutoramento “honoris causa” pela Universidade de Cambridge.

São Roberto Bellarmino (1542-1621) foi o teólogo do Papa Clemente VIII, Cardeal e Arcebisppo de Cápua. Foi canonizado em 1930 e declarado Doutor da Igreja, em 1931. Em sua explicação tomista sobre o poder, também adotava a teoria tradicional da translação. Esta teoria, tal como a teoria da “designação”, parte da premissa fundamental da isonomia ou igualdade jurídica de todas as pessoas. A igualdade da natureza humana é uma premissa jusnaturalista. Por esta premissa, Deus “não deu o poder a nenhum homem em particular; e sim à comunidade” (cf. o livro “De Laiciis”, I, III, c. VI).

Bellarmino foi declarado santo e é um dos 33 Doutores da Igreja. Pois bem, Bellarmino apenas reprisava as idéias bíblicas e da Paidéia sobre o poder, teoria já exposta pelo Cardeal Cajetano, em 1512; e por Francisco de Vitória, em 1528, no livro “Do poder civil”. Vitória também escreveu “Relectiones Theologicae”, abordando a origem e fim do poder.

Num parêntese, o Cardeal Tomás Vio de Cajetano (1468-1534, também se escreve Caetano, em Portugal) era italiano, dominicano e ensinou em Pádua. A obra mais importante do Cardeal Cajetano foi o comentário à “Suma Teológica” de Aquino, comentário elogiado por Leão XIII, que mandou incluir o comentário na edição oficial da “Suma Teológica” de Aquino. O Cardeal Cajetano deixou mais de cem livros, indlusive sobre economia (a lista está no “Dictionnaire de Théologie Catholique”). Cajetano foi Geral dos Dominicanos e teve participação na lide contra os luteranos.

Para a maior parte dos grandes teólogos, a teoria da transmissão (da translação, da mediação) exposta por Suárez e por Bellarmino é a teoria tradicional, a mais difundida entre os fiéis e esposada pelos grandes escritores e Doutores da Igreja; Para abonar este ponto, há textos marcantes de Santo Ambrósio (333-397), São Basílio Magno (330-379), São Jerônimo, Santo Agostinho (adotando a teoria sobre o poder, de Cícero e dos grandes juristas gregos e romanos), São Pedro Crisólogo (406-450), São Valeriano, São Salviano, São Leão Magno, São Máximo de Turim, São Gregório Magno (540-604), São João Crisóstomo, São Isidoro de Sevilha (560-636), Santo Tomás de Aquino, Santo Tomás Morus, São Afonso de Ligório e milhares de outros autores.

Tradicionalmente, os quatro grandes Doutores, aceitos inclusive pelos anglicanos, foram arrolados por Bento XIV, no documento “De Servorum Dei Beatificatione” (IV) e são: Ambrósio, Agostinho, Jerônimo e Gregório, o Grande.

Leão XIII, na “Aeterni Patris” (n. 42), também lista “os sumos doutores da Igreja: Gregório, Ambrósio, Agostinho e Jerônimo”, destacando que a Santo Tomás de Aquino é devido “as mesmas honras que são tributadas aos sumos doutores da Igreja”. Estes quatro Doutores acolheram a teoria política de Cícero e de Aristóteles.

Adotaram as idéias jurídicas e políticas de Cícero (baseadas no melhor do estoicismo, de Aristóteles, Platão e da tradição romana) por expressarem o melhor da Paidéia e coincidirem com as idéias bíblicas.

A importância de Cícero está no fato deste resumir, em bons textos, a teoria política da Paidéia. Em outros termos, a teoria democrática, defendida por Hesíodo, Sófocles, Protágoras, Aristóteles, Górgias, Isócrates, Sófocles, Péricles, Clístenes e outros grandes expoentes da cultura grega-romana.

São João Crisóstomo também explicou que a frase de São Paulo, “todo poder vem de Deus” não se aplica aos “governantes particulares”, “mas ao governar” em sentido abstrato, especialmente à importância de boas regras objetivas, racionais e sociais para assegurar e promover o bem comum. Assim, é uma “disposição da Sabedoria divina que haja autoridade”, que “não se deixe ao acaso” os atos humanos. Os atos humanos devem ser ordenados racionalmente e de acordo com o bem de todos. Há a mesma doutrina em Santo Isidoro de Sevilha, em Lactâncio (no livro “Instituições divinas”), em Arnóbio, tal como, antes, em São Justino e São Clemente de Alexandria.

Bento XVI chamou São João Crisóstomos de “grande pai da doutrina social da Igreja” (discurso em 08.10.2008), porque propôs “o modelo da Igreja primitiva” (exposta em Atos dos Apóstolos) “como modelo da sociedade, desenvolvendo uma utopia social”.

Crisóstomo deixou claro, nas palavras de Bento XVI, “que não era suficiente dar esmolas, ajudar os pobres, caso por caso; era necessário criar uma nova estrutura, um novo modelo de sociedade.. baseado na visão do Novo Testamento”. Uma “polis” de irmãos, reformando a “polis” grega, onde “vastos setores da população estavam excluídos do direito à cidadania”. Na “cidade cristã”, “todos são irmãos com os mesmos direitos”, sendo este o “plano” de “Deus para a humanidade”, dado que “Deus ama a cada um de nós com um amor infinito e, por isso, quer a salvação [o bem, a libertação, vida plena] de todos”.

O plano de Deus é realizar o bem comum.

O livro “Atos dos Apóstolos” (vide 2,44; e 4,32) prevê claramente a destinação universal dos bens para atender às necessidades pessoais e sociais (“a cada um de acordo com suas necessidades”, para não haver mais “necessitados”).

O livro “Atos dos Apóstolos” foi o livro que influenciou o movimento socialista, especialmente a Liga dos Justos, precursora da Liga dos Comunistas, onde Marx aprendeu boa parte de seu “credo”.

As idéias (regras) práticas sociais e racionais exigidas pelo bem comum refletem (são como que imagens, tal somos feitos à imagem divina), nos limites e no modo humano, a “lei eterna” (as idéias, a vontade, o Projeto de Deus), formando o que se convencionou chamar de “lei natural”, “lei moral”, “honestidade”, “justiça”, “direito natural” etc.

O “direito natural” é formado pelo conjunto das consciências (do conteúdo destas) em interação constante (pela via unitiva do diálogo), constituindo um conjunto de regras (ideias, palavras, imagens) práticas e racionais (uma constituição natural e social) para pautar a vida pessoal e social, visando o bem comum (pessoal, familiar e social).

Nas palavras de Santo Tomás, toda lei positiva, todo ato estatal, deve ser “ordenação” (ordenamento, ordem, preceito, organização, estrutura, regras) “racional” (razão experimental, cf. concepção aristotélica) “para o bem comum”, “promulgada” (explicitada) pela “comunidade” ou pelos que “fazem às vezes da sociedade”.

Em bom latim, “ordinatio rationis ad bonum commune ab eo qui curam habet communitatis promulgata” (organização racional em prol do bem comum, nascida dos que cuidam, dos representes da sociedade, promulgada pelos representantes do povo). Esta definição de lei, como destacou Canotilho, é uma concepção democrática, que destaca o processo de nomogênese social, pelo diálogo, visando o bem comum.

Conclusão: “lei natural” ou “lei racional”, que reside na consciência das pessoas, em termos políticos, significa o mesmo que a proposição “a soberania reside na sociedade”, no povo, como foi ensinado por Santo Tomás de Aquino, Santo Tomás Morus, Suárez, Bellarmino, Locke, Rousseau, Mably e milhares e milhares de outros autores.