A Igreja luta por uma boa DEMOCRACIA POPULAR distributista, amplo Estado social, economia mista, sem miséria, sem reificação, sem exploração

O documento da CNBB, “Subsídios para uma política social” (“Estudos da CNBB, n. 24, São Paulo, Ed. Paulinas, 1979, p. 11), critica a horrenda pirâmide social brasileira, nossa iníqua estratificação social, que é a cristalização de inúmeros pecados sociais e pessoais:

O leque das remunerações [rendimentos] atinge, no Brasil, uma dispersão, que constitui, por si mesma, uma afronta aos pobres. Qual seria a reação do povo, se fossem publicadas as cifras [números] do que ganham os altos e médios escalões da administração pública e privada, da grande indústria, dos grandes latifundiários, do alto comércio, das altas finanças? Quantas dessas rendas, mesmo descontados os impostos, não correspondem a cem, duzentos, trezentos ou mais salários-mínimos?”.

Friso: a CNBB elencava as grandes fortunas: os grandes latifundiários, os grandes industriais, os grandes comerciantes, os grandes bancos da alta finança, os servidores dos altos escalões da Administração e os executivos das empresas privadas. Estes ricos votam em regra nos partidos neoliberais e da direita penal.

Há dezenove milhões de empresas no Brasil e uns onze milhões de empresas desativadas, totalizando uns 31 milhões de firmas (a maior parte empresas de micros empreendedores individuais MEIs).  É evidente que a maior parte é composta de produtores econômicos de micro e pequeno porte.

Boa parte das terras está concentrada em apenas alguns milhares de latifundiários (com milhares de hectares e milhares de cabeças de boi, cada um), em milhares de grandes empresários industriais e comerciais, uns dez banqueiros privados, e umas seis famílias que controlam a macro mídia comercial.

Jacques Maritain, no livro “Humanismo integral” (São Paulo, Editora Dominus, 1962, p. 150), obra escrita lá por 1936, tentou esboçar o que seria um “regime consecutivo (de superação] à liquidação do capitalismo”.

Este regime seria a transformação (erradicação, abolição) da democracia liberal numa “democracia personalista, com sufrágio e participação pessoal ativa de todos os interessados na base”, ou seja, na terminologia política atual, uma democracia popular, social, participativa e econômica.

Em outras palavras, um socialismo democrático, de economia mista e extenso Estado social, com muitas estatais, planejamento da produção, controles dos preços, sistema tributário redistributivo incidente sobre ricos, renda básica para todos etc.

Além disso, Maritain defendia a “regulação ‘endógena’ [dos trabalhadores] da vida econômica em ligação com as regulações mais universais, concernentes ao bem comum dos homens (considerados como cidadãos e não somente como produtores e como consumidores) asseguradas pelos órgãos superiores do corpo total da vida política”.

Enfim, Maritain defendeu regras e órgãos de autogestão e co-gestão dos trabalhadores combinada com amplo distributismo (inclusive com a criação de novos direitos sociais) e planejamento participativo.

As idéias de Maritain são, no fundo, as idéias de Mably, Morelly, Cobbett, Ozanam, Lacordaire, Buchez, Ketteler, Tocqueville, Acton, De Mun, Dupanloup, Péguy, Mounier, Alceu e outras estrelas do catolicismo.

Os trabalhadores devem controlar as fábricas, os campos, as empresas e todas as unidades de produção, enfim, todas as estruturas.

Cada unidade econômica deve ser uma “comunidade do trabalho” (cf. Péguy, Mounier, Chesterton, Alceu e outros).

A doutrina da Igreja é anticapitalista, anti-imperialista, anti-latifundiária, anti-ditadorial etc.

Por esta razão, a imagem do Diabo sempre foi a de um tirano, de um oligarca, que governa pela violência e pela mentira. Esta é também a descrição do anti-Cristo.

Estes textos mostram como a Igreja associou a tirania e a oligarquia à figura do Diabo. A imagem do dragão também simboliza o diabo. Dragão vem de “drákon”, uma palavra grega para significar uma serpente com asas, ou seja, um Anjo mau, decaído.

Os textos de Morus, Mably, Morelly, o Cura Vermelho, os bispos do Círculo Social, do bispo Gregório, de Cobbett, Buchez, Ozanam, Lacordaire, Marc Sangnier, Maritain e de Mounier foram a base da doutrina social da Igreja, na linha da Tradição dos Santos Padres.

Estes textos constituem o núcleo dos melhores textos de Alceu e da Ação Católica, no Brasil, demonstrando, claramente, uma linha doutrinária constante, que pode ser traçada até os Santos Padres e, destes, a Cristo, tal como à Tradição semita-hebraica e da Paidéia.

O ideal da democracia popular, personalista, social, participativa e econômica esteve sempre presente nos melhores textos de Alceu Amoroso Lima, da Ação Católica, especialmente nos documentos da JUC, da AP e da JOC.

Antes da formalização da Ação Católica, este ideal estava presente, de forma genérica, na “Liga Católica” (criada em 1844, em Liége); na “Ação Popular Cristã” de Leão XIII (cf. “Graves de Communi re”, 18.01.1901); no “Centro Católico” (com Felício dos Santos, Plácido de Mello, Bernardino Bormann, Francisco Bernardino e outros); na Liga da Boa Imprensa (Felício dos Santos) e em outras entidades.

O ideal de uma democracia verdadeira, autêntica, foi também exposto nos documentos da “Confederação Católica” do Rio de Janeiro, em 1923 (ver o jornal “A Cruz”, de 20.05.1923), que consideram exemplar (o ideal a ser seguido) o Partido Popular leigo fundado pelo padre Luigi Sturzo, na Itália.

O Partido Popular, ligado a Sturzo, era anti-fascista e defensor de uma democracia popular, sendo este ponto atestado inclusive por Gramsci, que fez elogios a Sturzo.

O Estado postulado pela ética cristã é, sem dúvida, um Estado de Direito social, democrático, popular, participativo, distributivista, do bem-estar. Trata-se de um Estado que ajuda o povo, como queriam Dickens e outros grandes cristãos do século XIX.

Conclusão: como destacou Maritain, no livro “Humanismo integral” (texto elogiado por Paulo VI), o “ideal histórico concreto” de nosso tempo é uma democracia popular, cooperativista, participativa (uma democracia política, econômica, social, cultural etc), regida pela concepção filosófica do “humanismo” (cf. Paulo VI e Maritain), com raízes hebraicas e na Paidéia (na cultura grega, egípcia, suméria, romana, persa, hindu etc).

Este foi o núcleo dos melhores textos de Alceu Amoroso Lima, da Ação Católica e da LEC.

Até hoje, este é o ideal da CELAM (expressas nos documentos de Medellín, Puebla, São Domingos e Aparecida), da CNBB, dos Religiosos e das entidades de leigos da Igreja.