A militância católica no Partido Socialista francês, no Trabalhismo e no campo socialista

A militância católica no Partido Socialista Francês mostra que os católicos lutam dentro dos partidos socialistas democráticos europeus, tal como na esquerda do Partido Democrático dos EUA, nos Partidos Trabalhistas do Reino Unido, da escandinávia, da Austrália, da Nova Zelândia etc. 

François Mitterrand (1916-1996) governou a França, de 1981 a 1986, numa aliança entre PSF e PCF. Por contas destas alianças, o PCF, que desde 1935 adota uma política de mãos estendidas aos católicos, ampliou o apreço pela democracia, ao ponto de Georges Marchais ter feito boas declarações perfeitamente de acordo com a doutrina social da Igreja, como:

“queremos democracia social, uma democracia econômica, uma democracia política e desejamos continuar até uma transformação radical das relações sociais, que permitiam ao povo francês viver num socialismo democrático, de autogestão”.

A frase acima de Georges Marchais teria o apoio da maior parte dos bispos do mundo e mostra claramente as convergências entre socialismo, comunismo não-estalinista e catolicismo.

Marchais declarou também: “os cristãos combatem pelo progresso social e também pelo socialismo”.

O PSF foi derrotado em 1986 (uma das causas foi a cumplicidade com o belicismo de Reagan e a traição de Mitterand), mas conservou uma base parlamentar forte, por isso, a França passou a ser governada no que foi chamado de política de coabitação, com Jacques Chirac como primeiro-ministro e Mitterand como presidente. Em 1988, Mitterand é reeleito Presidente, governando até 1995. Neste ano, Chirac derrota Lionel Jospim, sucessor de Mitterand. No entanto, em 1997, Jospim torna-se primeiro-ministro e se mantém na vida política até o fiasco de 2002, quando fica em terceiro lugar nas eleições deste ano, perdendo para Chirac e até para o fascista Le Pen.

Os gaullistas, mesmo com conivência com teses neoliberais, ofereceram alguma resistência ao imperialismo e governam a França. Em 2003, por exemplo, Chirac e Shoereder (primeiro-ministro social-democrata alemão) se opuseram à invasão do Iraque, organizada por Busch e pelo triste e caudatário Blair, na Inglaterra.

Na França, os católicos mais conscientes e de esquerda em geral militam no Partido Socialista Francês, que adota explicitamente a tese das múltiplas fontes do socialismo e da democracia, aceitando e promovendo a participação cristã.

François Mitterrand, num livro chamado “Aqui e agora” (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1980, pp. 25-27), mostra o apreço do PSF pelos militantes da Igreja:

“Minha tentativa, desde o primeiro dia, foi a de que os cristãos, fiéis à sua fé, se reconhecessem em nosso partido, que fizessem derivar para o mesmo rio as múltiplas fontes do socialismo”.

“Nos meados do século XIX, afora a vanguarda de Lamennais, Ozanam, Lacor­daire, Arnaud, os católicos da França pertenciam ao campo conservador” [erro, mas pelo menos reconheceu algumas das estrelas, esquecendo Buchez e outros].

“Não que a totalidade dos socialistas fosse racionalista, longe disso. Muitos se referiam a Deus como causa primeira, árbitro dos destinos, e continuavam espiritualistas” [e católicos…].

“No entanto, no fim do século XIX, em Roma, e entre nós, com Sillon, começou a evolução” [reaproximação, conciliação entre Igreja e socialismo democrático].

A primeira guerra mundial apressou essa evolução. A fraternidade do front, a morte em toda parte, para todos, a pátria em perigo ensinaram cada um a reconhecer no outro os valores que queriam para si, ainda que tradição leiga ou religiosa é diferente, senão antagônica”.

“Do fundo da Igreja e do mundo cristão ressurgiu o apelo inicial. O personalismo de Emmanuel Mounier acabou de trazer ao socialismo cristão toda a sua nobreza. Um tio, irmão caçula de minha mãe é morto aos vinte anos, tinha pertencido aos grupos de Sangnier”.

“Fui educado na sua memória piedosa. Ouvia meus pais católicos–católicos praticantes–falarem com tristeza des­sa Igreja, tão longe dos humildes; no entanto, a amavam”.

A Bíblia nutriu minha infância. Oito anos de internato numa escola livre, em Saint-Paul d’Angoulême, me formaram nas disciplinas do espírito. Não me desprendi disso. Conservei meus laços meus gostos. e a lembrança de meus mestres benevolentes e pacíficos. Ninguém me lavou o cérebro. De lá saí livre o bastante para usar minha liberdade. Como, após um tal aprendizado e, a alguma distância que tomei dele, não me teria tornado apto a compreender que um socialista tem o direito de acreditar em Deus?”

François Miterrand, nos textos belíssimos acima transcritos, reconheceu que o cristianismo foi uma das fontes do socialismo e que muitos socialistas do século XIX “continuavam espiritualistas”.

Reconheceu que Leão XIII reaproximou a Igreja dos operários, o que lembra a frase do Cardeal Cardjin (1882-1966, que dedicou 60 anos de vida sacerdotal à causa operária), o criador da JOC, que ouviu de Pio XI que o maior escândalo do século XIX foi a Igreja ter perdido a classe operária, se afastado dos pobres.

Miterrand elogiava Lamennais, Ozanam, Lacordaire e Antoine Arnaud (1612-1694), que estavam na “vanguarda” e também Marc Sangnier, Mounier e os católicos da Resistência Francesa.

São abonações importantes para a tese deste meu blog.

Mesmo que Mitterand tenha sido conivente com o belicismo de Ronald Reagan, ainda assim há pontos positivos no PSF e os textos de Mitterand deveriam ser lidos.

Sobre os artesãos e os pequenos empresários (PME – pequenas e médias empresas), há um bom texto de Mitterand, no livro referido (pp. 123-124):

“Ameaçados pela concentração capitalista e presos às rápidas mudanças econômicas, o comércio, o artesanato e as PME se encontram no auge de uma crise cuja gravidade se mede pelo número de falências.

– A teoria socialista não vê na liberdade de empreender e no atrativo do lucro o germe das taras de nossa sociedade: a formação do capital?

A experiência, boa conselheira e o conhecimento da história nos ensinaram a afastar a tese da tábula rasa. Pensamos que, em uma economia fundada sobre o desenvolvimento social, onde a luta contra desperdícios de todos os tipos deve ser intensificada, a empresa de médio porte, industrial, comercial ou artesanal, oferece um campo natural para a inovação técnica e a criação de empregos–as PME cobrem 65% do setor de empregos; ela abre também a possibilidade de satisfazer novas necessidades que escapam a produção de massa; ela contribui, enfim, para manter o equilíbrio entre os meios rural e urbano, na cidade e na periferia”.

Enfim, nos textos de De Gaulle, de Mitterand ou dos eurocomunistas franceses há inúmeras abonações das teses deste meu blog, sobre as ligações entre cristianismo, democracia, trabalhismo, nacionalismo e socialismo.

Na Espanha e na Inglaterra, tal como na América Latina, e na África, há a mesma tendência: os católicos cada vez mais militam em partidos como o PSOE (Partido Socialista da Espanha), o Podemos, os movimentos pela Catalunha e o Partido Trabalhista, também socialista.