Joâo Paulo II, na encíclica “Splendor veritatis” (“o esplendor”, brilho intenso, “da verdade”), em 06.08.1993, citou um texto de São Gregório de Nissa, um dos 33 Doutores da Igreja, sobre a autonomia humana, que seria apreciado inclusive por Karl Marx:
“S. Gregório de Nissa: “Todos os seres sujeitos a transformação nunca ficam idênticos a si próprios, mas passam continuamente de um estado a outro por uma mudança que sempre se dá, para o bem ou para o mal (…). Ora, estar sujeito a mudança é nascer continuamente (…). Mas aqui o nascimento não acontece por uma intervenção alheia, como se dá nos seres corpóreos (…) Aquele é o resultado de uma livre escolha e nós somos assim, de certo modo, os nossos próprios pais, ao criarmo-nos como queremos, e, pela nossa escolha, dotarmo-nos da forma que queremos”.
Como foi lembrado pelo Papa, “os atos humanos são atos morais, porque exprimem e decidem a bondade ou malícia do homem que realiza aqueles atos” e “não produzem apenas uma mudança do estado das coisas externas ao homem, mas, enquanto escolhas deliberadas, qualificam moralmente a pessoa que os faz e determinam a sua profunda fisionomia espiritual”.
Após transcrever o texto acima sobre a autonomia e liberdade humana, João Paulo II transcreveu outro texto essencial à Tradição da Igreja, também de São Gregório de Nissa:
“S. Gregório de Nissa: “O espírito [humano] manifesta a sua realeza e excelência [“Arete”, “virtude”] (…) pelo fato de ser sem dono e livre, governando-se soberanamente pelo seu querer. De quem é próprio isto, senão de um rei? (…) Assim a natureza humana, criada para ser senhora das outras criaturas, pela semelhança com o Soberano do universo, foi estabelecida como uma imagem viva, participante da dignidade e do nome do Arquétipo”.
O “espírito humano”, feito à imagem do Espírito divino, foi feito para a “realeza”, para a “excelência” (“Arete”, em grego, virtude, força, poder, perfeição).
A “liberdade humana”, como bem destacou João Paulo II, é “interpretada como uma forma de realeza”, pois fomos feitos para participar no poder, na gestão do universo, de forma livre, consensual, pelo diálogo (que é a essência da oração, da interação com Deus e com o próximo, sempre pelo diálogo).
O poder, a gestão pública, foi feita para todos, todos devemos ser gestores, administradores, pastores da criação, agricultores da criação, cultores, co-criadores, co-redentores, co-governantes, co-proprietários da Criação.
João Paulo II destacou que a “teonomia” é uma “teonomia participada”, “porque a livre obediência [aceitação, escuta, ouvir] do homem à lei de Deus implica, de fato, a participação da razão e da vontade humana na sabedoria e providência de Deus”.
As pessoas foram criadas para participar do Poder divino, da Sabedoria e da Providência (regência) divina do universo, “através da luz da razão natural”, ajudada (reforçada, sem ser nunca irracional) pela “revelação divina, que lhe manifestam as exigências e os apelos da sabedoria eterna”. A Voz de Deus ecoa, em nossa consciência, principalmente pela “luz natural da razão”.
A graça e a Revelação apenas reforçam e aperfeiçoam a luz da razão, sem nunca a macular, sem nunca a destruir.