O ataque ao Estado social, texto de João Felício, da Confederação sindical internacional

Afinal, o que está por detrás da campanha contra o Estado e suas necessárias políticas sociais é a manutenção da política de rendição à submissão ao sistema financeiro, via pagamento de juros e rolagem de uma dívida ilegítima. Uma irracionalidade que consumiu somente no ano passado R$ 962 bilhões ou 42% do gasto federal. Nada menos de R$ 540 bilhões foram esterilizados só com juros nos 12 meses até janeiro último, o equivalente a 9,1% do PIB. 

Se o Estado é sangrado indevidamente desta maneira, é extorquido ilegalmente pelos sonegadores, a parcela mais rica da sociedade. Estudo do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) estima que a sonegação fiscal tenha atingido 23,2%% da arrecadação em 2015, alcançando R$ 453 bilhões, o equivalente a 7,7% do PIB. O valor supera em mais de quatro vezes os R$ 111 bilhões, que foi o déficit fiscal da União no mesmo ano. Esta mesma parcela abastada é a que berra contra o tamanho do Estado. Para esta minoria, o Estado precisa ser grande no atendimento aos seus privilégios e pequeno para o conjunto da sociedade.

E neste jogo de perde-ganha, para que lado está pendendo a balança? Conforme dados do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) – insuspeito, no caso – entre 1995 e 2015 a despesa total do setor público teve uma média praticamente constante em torno de 7,7% do PIB. A louvável exceção – que se revelou estratégica para enfrentar os impactos da crise internacional e decisiva para impulsionar o desenvolvimento – se deu no segundo mandato de Lula, quando foi corretamente ampliada, chegando a 10,16% do PIB. Isto foi possível porque a receita do setor público foi crescendo progressivamente, o suficiente para sustentar as políticas sociais daquele período.

Durante o primeiro mandato do governo Dilma ocorreu uma forte redução na arrecadação do Estado devido aos incentivos fiscais sem contrapartidas e também uma drástica redução na contribuição das empresas ao INSS. E, mesmo tendo ficado com uma enorme fatia do bolo, os grandes empresários usaram e abusaram destes recursos para derrubar a presidenta eleita.

É fácil observar que não são as despesas que estão fora de controle, mas as receitas que foram muito diminuídas, o que levou a enxugar “gastos” imprescindíveis para as áreas sociais, com perversas conseqüências para os salários e empregos.

Para se ter uma idéia do que significou tal montante para os cofres públicos, segundo estudos das professoras Lena Lavinas e Ana Carolina Cordilha, o Estado brasileiro deixou de arrecadar, de 2010 a 2014, R$ 986 bilhões, quase R$ 200 bilhões por ano, valor muito superior ao atual déficit fiscal. Para equilibrar a Previdência basta que as empresas voltem a pagar os mesmos percentuais que pagavam no passado. E não querer que nós paguemos a conta. É simples assim. O resto é conversa fiada de “especialista em contas públicas”, escolhidos a dedo pela mídia e pela elite dos sonegadores.

A objetividade dos valores acima citados demonstra que não falta dinheiro, sepultando a ladainha de uma hipotética incapacidade do Estado de fazer frente às suas responsabilidades legais e constitucionais. Por isso, sublinhamos a necessidade de combater os privilégios fiscais – que redundam e ampliam as desigualdades sociais – e os diferentes mecanismos de transferência de renda do conjunto da sociedade para um punhado de milionários.

Temos, portanto, um Orçamento empobrecido e emagrecido pela sonegação e pela elisão, que via de regra vai parar em paraísos fiscais. Conforme estudo da organização internacional Tax Justice Network (com base em Londres), os super-ricos brasileiros possuíam mais de R$ 1 trilhão depositados nestes infernos offshore, o quarto maior montante de um ranking de países pesquisados em 2012. De acordo com a instituição, as grandes corporações mais envolvidas neste crime contra a economia popular são as que atuam nos setores de mineração, petróleo, farmacêutico, comunicações e transporte. Os bancos são um capítulo à parte, com certeza ainda mais sujo.

Estou farto de ouvir que a carga tributária brasileira é alta. Pode ser alta para quem paga regularmente, mas certamente bastante reduzida para estes ladrões do dinheiro público. Estranhamente não vemos de parte da imprensa e do judiciário brasileiro os nomes desses assaltantes. Quando recebemos informações, elas nos chegam de fora do país.

Se queremos um Brasil justo, é preciso definir se o tamanho do Estado brasileiro será igual ao Paraguai ou dos países escandinavos (Noruega, Suécia e Dinamarca), onde a população mais rica paga mais, beneficiando o conjunto da sociedade com creches, escolas e universidades gratuitas, excelente qualidade do serviço de saúde pública e aposentadorias dignas. Enquanto isso no Brasil e no Paraguai…

Na verdade, diferente do que os grandes conglomerados privados de comunicação não se cansam de repetir, a carga tributária de cerca de 33% em nosso país não é alta (na Escandinávia é de cerca de 45%), mas extremamente mal distribuída. A estrutura da carga tributária é baseada muito mais sobre o consumo do que sobre a renda e o patrimônio. Certa vez, debatendo com um líder empresarial, ele afirmou que a carga tributária nos Estados Unidos é inferior à nossa. Afirmei ao cidadão que eu trocaria a carga tributária brasileira pela norte-americana. Com isto, reduziríamos o imposto sobre o consumo, mas aumentaríamos substancialmente o imposto sobre renda, herança e grandes fortunas. O cidadão ficou em silêncio, bastante pensativo sobre sua renda, sua herança e sua fortuna.

Atualmente, o trabalhador brasileiro que recebe a partir de R$ 1.903,99 já paga R$ 142,80 de imposto de renda, o equivalente a 7,5% do seu salário, e o trabalhador que recebe R$ 4.664,68, paga R$ 869,36 ou 27,5%. Já quando um empresário retira R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais!) mensais de dividendos para o sustento de sua família, ele não paga absolutamente nada de imposto de renda! Isto é, o seu trabalhador paga imposto e ele, como patrão, não paga nada. Estes são aqueles que bradam contra o tamanho do Estado brasileiro, defendem a reforma da Previdência e a PEC 241. Não estão nem um pouco preocupados – até porque não utilizam – com a escola pública, com a saúde pública, com a Previdência pública e outros serviços que o Estado tem por obrigação oferecer à sociedade.

Nunca esquecerei de um vídeo que assisti sobre trabalhadores no campo. Nele aparecia uma menina de cerca de 15 anos responsável por cortar toneladas de cana diariamente. Seu rosto parecia o de uma senhora idosa, devido ao sofrimento. Querem impor a milhões de jovens obrigados a entrar no mercado de trabalho a que se aposentem somente aos 65 anos. Diante de tamanha perversão, afirmarmos que a reforma da Previdência proposta pelo ilegítimo governo Temer é contra a população mais pobre.

Portanto, não é a classe trabalhadora brasileira, da cidade e do campo, do setor público e do privado, que deve ser taxada de privilegiada e de corporativos empedernidos.

Por isso que a reforma tributária é uma das principais necessidades do nosso Brasil, que só será plenamente democrático quando não houver mais injustiça fiscal, sonegadores e outros ladrões do dinheiro público.

É hora de começarmos a colocar os pingos nos is e confrontar a mídia e a justiça brasileira, que dão sustentação aos privilégios de uma minoria sem qualquer identidade com o país e seu povo.