Nos textos de Marx, a melhor parte é profundamente cristã, a parte do bom trigo, a parte que é nossa, no fundo

As necessidades de cada pessoa e da sociedade constituem a base para a planificação participativa da sociedade, para todo ordenamento jurídico positivo

Os textos de Harold Laski mostram como o utilitarismo social – ou o pragmatismo democrático de um Dewey –, especialmente o do último Stuart Mill, pode fundamentar formas democráticas de socialismo, tendo em conta a idéia do primado do bem comum, ponto em que coincide com o cristianismo.

Laski e juristas como Georges Gurvitch ou Louis Brandeis (ou Leon Duguit, Karl Renner, Josserand) representam idéias de pluralismo democrático, bem próximas das idéias da Igreja.

Marx escreveu, no livro “Crítica ao Programa de Gotha” (1875), que “o trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso nem mais nem menos que o trabalho”.

A riqueza social verdadeira é composta de valores de uso, da natureza e da pessoa humana.

Em “O Capital” (vol. 1, livro 1, p. 104), Marx escreveu: “o trabalho não é a única fonte dos valores de uso que ele produz, da riqueza material. Ele é o pai e a terra é a mãe, como diz William Petty”.

No livro “O Capital”, Marx escreveu: “a utilidade de um bem transforma-o em valor de uso” e que “essa utilidade” está “limitada pelas propriedades físicas da mercadoria”, neste ponto ele cita equivocadamente Aristóteles e diz que “se, então, não considerarmos os valores de uso das mercadorias, elas só têm uma única propriedade em comum, a de serem produtos do trabalho” (cap. I).

No entanto, Aristóteles, no livro “Ética a Nicômaco”, ensinou que as necessidades são o ponto comum mais difuso e importante.

Este ponto foi visto por Henri Denis, no livro “História do pensamento econômico” (Lisboa, Ed. Livros Horizonte, 1973, pp. 59-60): Aristóteles “procura… um princípio que possa governar as trocas” e, assim, escreve, na “Ética a Nicômaco” (V, 5), que “é preciso encontrar uma medida comum entre os objetos” e “essa medida é exatamente a necessidade”.

Quando um sapateiro troca vários sapatos por uma casa construída por um arquiteto a medida comum que pode tornar a troca justa é a necessidade da casa e dos sapatos.

Claro que a causa eficiente da produção, como lembrava Leão XIII, é o trabalho, mas mesmo o trabalho tem um valor de uso, uma utilidade.

Cabe à sociedade organizar as diversas formas de trabalho para que sejam produzidos os produtos que atendam às necessidades de todas as pessoas.

Engels, no livro-síntese “Anti-Duhring”, escreveu que numa sociedade socialista “serão as utilidades (efeitos úteis, valor de uso) de diferentes produtos, comparadas umas às outras e às quantidades de trabalho necessárias para sua produção, que determinarão o plano”.

Foi esta a base dos textos de Charles Bettelheim que escreveu que numa sociedade socialista os “produtores associados” serão guiados pelo “efeito socialmente útil” (“effet social utile”) dos diferentes produtos (cf. consta no livro de Alec Nove, “A economia do possível socialismo”).

Nos “Gründrisse”, Marx escreveu que “não pode haver nada mais errôneo e absurdo do que postular o controle, por indivíduos unidos, da produção total com base no valor de troca, na modeda”

Logo, para Marx, numa sociedade bem organizada, o valor de uso social seria a base da economia.

Como escreveu Engels, “a sociedade regula a produção geral”, verificando o quanto de tempo deve ser dedicado a cada trabalho, a cada produto.

Os trabalhadores, associados, planejariam a produção, tendo em conta suas necessidades, o que é o mesmo que dizer a utilidade concreta dos trabalhos e bens concretos (valor de uso do trabalho concreto).

Che Guevara, em seus textos econômicos, também diz claramente que o valor de uso social deve ser a base do planejamento, e com isso esboçou uma teoria orçamentária que seria a base de uma sociedade com planificação.

Para o Che, o valor de uso social, e não o de troca, é a base do socialismo e do comunismo.

Os valores de uso social são, no fundo, as necessidades humanas. Este ponto reforça o ensinamento bíblico que lembra que a regra principal da distribuição (atribuição de direitos subjetivos positivos) é a máxima “a cada um de acordo com suas necessidades”, regra cristã que Marx considerava a lei suprema do comunismo, de uma sociedade justa.