Os melhores textos de Spinoza são baseados no melhor da Tradição católica da Península ibérica

Spinoza constatou a existência de elementos democráticos na Idade Média e no pensamento cristão, especialmente católico. 

Baruch Spinoza (1632-1677), um judeu de origem portuguesa cuja família foi para a Holanda, foi influenciado pelo pensamento hebraico, inclusive pela Cabala, um ramo da cultura hebraica que tem pontos próximo ao cristianismo.

Também foi influenciado pelo estoicismo, por grandes filósofos cristãos (Descartes e outros), pelo arminianismo (corrente próxima do catolicismo, na Holanda, que criticava erros de Calvino) e por outras fontes.

Spinoza era panteísta. Elogiava Cristo e o cristianismo. O panteísmo tem uma parte correta, a onipresença de Deus no mundo. Erra, no entanto, por não apontar a diferença entre Deus e o mundo, e a transcendência de Deus. Deus está presente em tudo, no centro de tudo, mas vai além de tudo. 

Em seu livro “Tratado político” (São Paulo, Ed. Ícone, 1994, pp. 96-97), Spinoza cita, com elogios, o exemplo dos Aragoneses católicos (o Reino de Aragão), na Idade Média, uma forma política organizada com o apoio do Papa, na época.

Este livro, o livro socialista de Spinoza, foi o último de Spinoza e ficou inclusive inacabado, sem o final do livro.

Após Spinoza esboçar as linhas de um Estado social democrático ideal, este pensador demonstra a possibilidade de seu projeto, com o exemplo do antigo Estado de Aragão, católico, na Espanha:

§ 30 – Apesar de que nenhum Estado, que eu saiba, tenha tido as instituições aqui expostas, poderíamos demonstrar, mesmo pela experiência, que esta forma de monarquia é a melhor… (…)

“Citarei, portanto, um único exemplo, na minha opinião, digno de memória: o Estado dos Aragoneses, que foram fidelíssimos ao rei e mantiveram sem violação as instituições do reino. Depois de se terem libertado do jugo dos mouros, decidiram eleger um rei; todavia, não estando de acordo entre eles sobre as condições a estabelecer, resolveram consultar a este respeito o Soberano Pontífice Romano. Este último, representando no caso o papel do vigário de Cristo, reprovou quererem obstinadamente um rei sem tomar em consideração o exemplo dos hebreus. 

“Se, todavia, se recusassem a mudar de opinião, aconselhou-os a não eleger rei sem terem estabelecido regras justas de acordo com o caráter da raça e, em primeiro lugar, a criar um conselho supremo que pudesse opor-se ao rei, como os éforos em Esparta, e que tivesse o direito absoluto de regular os litígios que pudessem surgir entre o rei e os cidadãos.

“Seguiram este conselho, instituíram as leis que lhes pareceram mais justas e cujo intérprete supremo não era o rei, mas o conselho chamado dos Dezessete, cujo presidente usava o nome Justizia [Justiça].

Este presidente Justizia, portanto, e os dezesseis nomeados vitaliciamente, não por sufrágios, mas pela sorte, tiveram o direito absoluto de revogar e anular todas as sentenças dadas contra qualquer cidadão por outros conselhos civis e eclesiásticos, ou pelo próprio rei, de tal modo que qualquer cidadão podia chamar o rei perante este Tribunal. Os aragoneses tinham, além disso, outrora, o direito de eleger o rei e de o depor. (…)

“Defendidos por estas regras, instituídas por consenso comum, não tiveram de suportar durante um tempo incrível nenhuma violação e a fidelidade dos súditos ao rei, como a do rei aos súditos, nunca se desmentiu”.

Vejamos a conclusão de Spinoza, depois deste texto: “a nossa conclusão será, portanto, a de que o povo pode conservar sob um rei uma ampla liberdade, desde que o poder do rei tenha por medida o poder do próprio povo e não tenha outra proteção senão o povo”.

Spinoza era descendente de judeus portugueses, emigrados, chamados de sefarditas. Em sua casa e em sua rua, na Holanda, as línguas mais faladas eram o português e o espanhol.

Spinoza foi profundamente influenciado pelas idéias dos grandes juristas católicos de Portugal e da Espanha, do século XVI, por sua vez, embebidos em idéias hebraicas e da Paidéia.

Além do exemplo dos aragoneses, existiam outros exemplos de democracia na Idade Média: os suíços, a Islândia, as comunas (especialmente as cidades-estados italianas, suíças e alemãs), o Franco-Condado, a Carta Magna, os Parlamentos, as Cortes Gerais etc.

Spinoza cita, aprovando implicitamente, a boa resposta do Papa aos aragoneses, que lembrou e alertou sobre as frases bíblicas que vêem com maus olhos a instituição jurídica e política dos reis.

A resposta do Profeta Samuel à reclamação do povo que pedia um rei é clássica e é bem citada por vários teólogos da libertação.

A resposta de Samuel ao pedido do povo para que houvesse um rei em Israel foi lembrar que as Leis de Moisés não prevêem um rei, são regras republicanas.

Samuel, inspirado por Deus, destacou, então, os perigos da monarquia, especialmente o militarismo, o uso da força militar para implantar tiranias. Os hebreus, como os romanos, cultivavam sólidas tradições anti-monárquicas, republicanas, não militaristas.

Conclusão: o modelo preferido por Spinoza (tal como por Santo Tomás) é uma mistura da república hebraica (com as linhas comunitárias e socialistas de Moisés) com idéias vindas do Egito (as leis agrárias, atribuídas, pela Bíblia, a José do Egito, filho de Jacob, de Israel), da Esparta (pela via de Creta, que tinha sólidas relações com os fenícios e estes com os hebreus, permitindo, assim, a influência hebraica na Grécia e na Itália antiga),

idéias de Platão (dos livros “A República” e “Leis”), do livro “Política” de Aristóteles, dos estóicos, cínicos etc.

A Doutrina social da Igreja trabalha com estas ideias e outras melhores. 

A própria Bíblia, no livro dos “Macabeus”, explicita a ligação e a semelhança entre as instituições espartanas (inspiradas nas idéias cretenses, como destacou Platão, que elogia Creta, ligada aos fenícios), romanas e hebraicas, instituições republicanas, democráticas.

Esta semelhança foi destacada por Werner Jaeger, mostrando como o melhor da Paidéia antiga (permeado pela influência hebraica, difundida por várias vias, inclusive pelos fenícios e persas) foi recepcionado pelo cristianismo, por coincidir, em vários pontos, com o pensamento hebraico-cristão.

A legislação de Esparta foi criada, em suas linhas gerais, por Licurgo. Este, segundo Plutarco, seu biógrafo, teria se baseado na legislação de Creta e do Egito, duas civilizações gêmeas, em sólido contato com os hebreus.

O próprio alfabeto grego veio do alfabeto fenício-cartaginês, com influência também do Egito e da Mesopotâmia (que deu vastas lições sobre calendário, estrelas, matemática etc aos gregos).

Os fenícios estavam em amplas ligações amistosas com os hebreus, servindo como veículo das idéias hebraicas, acolhidas e difundidas, por serem racionais.

Spinoza estava certo em suas melhores idéias políticas: o poder dos governantes, de todos os agentes públicos, depende (tem como medida) do “poder do próprio povo”, de regras consensuais e racionais que assegurem o bem do próprio povo, o bem comum. E cabe ao Estado assegurar e promover a destinação universal dos bens.