Noções boas sobre a Providência divina

A teoria providencial da Igreja (inclusive de Taparelli), que é o conjunto de ideias sobre como atua Deus na história e na vida, é toda baseada em causas naturais, especialmente o consentimento racional (fruto do diálogo), como causa eficiente da formação da sociedade, da autoridade, dos governos e das leis.

A teoria cristã sobre o poder não exige milagres, para a formação e para a gestão dos Estados. Da mesma forma, a santificação (que é a divinização) das pessoas não é feita mediante milagres, que são exceções raras, acréscimos, fatos extraordinários, e não normais (ordinários). 

Os Papas ensinaram corretamente como age a Providência no mundo e na história.

Por exemplo, Bento XIV (papa elogiado por Voltaire, que renovou a condenação da escravidão, em 1741) definiu a ação da Providência (dos “fatos providenciais”) do seguinte modo:

Algum fato que não excede os poderes da natureza nem no referente ao fato como tal, nem no referente ao que se faz, nem com referência ao modo ou ordem com que se faz; mas pelas circunstâncias claramente se deduz que o fato procedeu [por mediações, por dentro da natureza, especialmente pela liberdade humana] de Deus, e a Ele deve ser atribuído como especial Autor, que por Si mesmo dispôs o acontecimento e deliberadamente o quis”.

O Cardeal Newmann (1801-1890) deixou bons textos sobre o papel da Providência e como esta age, principalmente, por influência moral, tal como sobre a existência periódica e excepcional de milagres. É o mesmo ensinamento das teorias sobre a graça (o ápice da ação divina), a graça não ocorre, normalmente, por milagres. A graça (que é a ação do Espírito Santo) ocorre por “dentro” da natureza, sem violar a natureza, e sim aperfeiçoando a natureza, melhorando-a. 

A ação do Espírito Santo ocorre como que “por dentro” (inculturação) da natureza.

Este é o núcleo do ensinamento da teoria tomista sobre a graça, tal como das teorias de Santo Agostinho, franciscana e especialmente das teorias de Luís de Molina, do congruísmo e da Escola de Sorbonne. Todas estas teorias explicam que a divinização (perfeição, união dialógica com Deus) humana ocorre pela cooperação ativa (as pessoas cooperam, trabalham junto com o trabalho divino, do Espírito Santo) da inteligência, da vontade, dos afetos, da imaginação, dos instintos, da memória e mesmo do corpo humano, num movimento só, próprio da unidade humana.

Quanto mais a pessoa for boa, mais enxerga os “sinais” e os planos divinos na história de sua vida pessoal, familiar e social. Os textos do Cardeal Newmann constam no livro “Milagres” (São Paulo, Ed. Loyola, 1996, pp. 291-292), do padre Quevedo.

Vejamos o ensino do Cardeal Newmann, que explicam a ação normal de Deus no mundo por dentro das forças naturais, sendo esta a forma de agir normal da Providência:

Dedicando-se tão longamente à questão das leis da natureza, esquecem [os racionalistas] em igual proporção a existência de um sistema [conjunto de regras racionais e éticas] moral. [Este “sistema” moral, regras racionais tendentes ao bem comum], nas suas leis [naturais, regras presentes e geradas pela consciência] e disposições é tão inteligível como o sistema do mundo material. Determinados instintos de nossa alma referem-se a este governo moral: a consciência, o senso de responsabilidade, a aprovação outorgada à virtude, o desejo inato de saber, um sentimento quase universal da necessidade de observâncias religiosas, e no seu conjunto as recompensas concedidas à virtude, os castigos infligidos ao vício. E apesar de encontrarmos aqui várias anomalias patentes é evidente que não são mais do que anomalias, a ainda talvez somente anomalias aparentes, provindas de que somos incompletamente informados”.

“Estes dois sistemas, o físico e o moral, estão umas vezes em harmonia, outras em conflito. E da mesma forma que a ordena da natureza se encontra às vezes em oposição às leis morais, por exemplo, quando homens virtuosos morrem prematuramente ou os dons da natureza são prodigados aos malvados; da mesma forma nada tem de inverossímil a idéia de que um grande objetivo moral possa ser realizado por uma interrupção da ordem física (…) Mais ainda, embora as leis físicas possam atrapalhar a ação do sistema moral, não obstante em conjunto o servem. Porque é certo que elas contribuem para o bem (…) do homem, e que às vezes inclusive lhe trazem corretivos as suas desordens morais. (…)”.

“E em conseqüência, o [milagre] está bem longe de ser improvável quando um grande bem moral não pode ser alcançado senão às expensas da regularidade física”.

O ponto central da concepção política da Igreja é que a ação normal da Providência (os milagres são exceções), como ensina a doutrina da Igreja, opera por “dentro” da natureza, “não supera de nenhuma maneira as forças da natureza” (cf. Bento XIV, na continuidade do texto acima transcrito).

A voz do povo, nas peças de teatro clássicas, é a voz do povo, é a voz de Deus. A voz de Deus é o conjunto das idéias naturais, concebidas na consciência, que servem de luzes para nossa vida.

O “destino” é a Providência divina, é a Voz de Deus que nos aponta os caminhos da vida. Nós podemos controlar nosso destino se nos autogovernarmos, se pautamos nossas vidas de forma racional e em adequação ao bem comum.

O Espírito atua em nosso espírito, reforçando nossas faculdades naturais, especialmente a inteligência, mas também a vontade, a imaginação, a relação profunda entre consciência e corpo etc. Isso ocorre principalmente por moções, graças, gerando idéias boas, em nós. A vida humana é um combate, tendo de um lado as idéias boas vindas de Deus pelo movimento natural de nossa consciência. De outro lado, há as idéias más, vindas do Diabo, por mediações, por maus livros, por maus amigos, por leis iníquas, por situações e condições infra-humanas e iníquas.