Democracia popular, economia mista, a fórmula de Medellin, dos bispos latino-americanos

O documento de Medellin, “Conclusões da Conferência de Medellin” (São Paulo, Paulinas, 1998), explicitou idéias consensuais entre os bispos latino-americanos, que se reuniram na cidade de Medellin, Colômbia, em 1968, na II Conferência Geral do Episcopado latino-americano. Há a mesma tônica nos textos dos papas desde Pio VI listados mais adiante, tal como nos textos do Vaticano II.

Medellín destacou a importância da “industrialização” (não se deve exportar matérias-primas, como explicaram Colbert, Richelieu e também Barbosa Lima Sobrinho) para assegurar “a independência econômica” dos países da América Latina, e “a legítima autonomia de nossos países” (o núcleo do nacionalismo antiimperialista e anti-oligárquico tem fundamentação cristã e racional).

Os bispos latino-americanos e do Caribe defenderam, ainda, a “almejada integração econômica do continente [o ideal de Bolívar, da UNASUL, um Estado latino-americano], respeitando-se sempre os direitos inalienáveis das pessoas e das estruturas intermediárias, como protagonistas desse processo” (cf n. 15, do documento).

O ideal bolivariano de unidade federativa da América Latina é defendido há muito tempo pelo clero. Hugo Chavez e outros seguem os ideais esposados pelo antigo PDC e pelo clero católico.

O documento de “Medellin” ressaltou que “o exercício da autoridade política e suas decisões têm como única finalidade o bem comum”, o bem geral, o bem de todos, com prioridade absoluta para os mais pobres, fracos, marginalizados e oprimidos. No entanto, como constataram os bispos, “na América Latina, tal exercício e decisões frequentemente aparecem favorecendo sistemas que atentam contra o bem comum ou favorecem grupos privilegiados” (a oligarquia). De fato, o que temos na América Latina é o que Aristóteles e Platão chamariam de uma grande “oligarquia” desumana, um capitalismo dependente, ligado ao imperialismo, às multinacionais, à CIA etc.

Os bispos lembraram, em Medellin, que a autoridade pública, o Estado, deve “assegurar eficaz e permanentemente, por meio de normas jurídicas, os direitos [humanos] e liberdades inalienáveis dos cidadãos e o livre funcionamento das estruturas intermediárias”. Para isso, “a autoridade pública tem a missão de proporcionar e fortalecer a criação de mecanismos de participação e de legítima representatividade da população, ou o estabelecimento de novas formas se for necessário”. O povo, organizado, deve controlar o Estado, a economia, os fluxos econômicos, a natureza, a si mesmo. 

Além destas formas e mecanismos de participação popular no Estado, de controle popular sobre o Estado, os bispos insistiram na “necessidade de vitalizar e fortalecer a organização municipal e comunal, como ponto de partida para a vida departamental, provincial, regional e nacional”.

Destacaram a importância das organizações dos trabalhadores, especialmente dos sindicatos e cooperativas, pois os trabalhadores têm o direito de “representação e participação nos níveis da produção”, tal como de “se fazerem representar também nos níveis políticos, sociais e econômicos, onde se tomam as decisões relativas ao bem comum”.

Enfim, a sociedade tem o direito à formas de planejamento participativo, setorizado e geral, para que toda as forças produtivas sirvam para atender às necessidades de todos. A expressão “forças produtivas” não é de Marx, e sim de outros autores, como François Dupin (1784-1873), um político e matemático francês, que escreveu o livro “Forças produtivas das nações” (1852), de List e outros.

Os bispos condenaram as ditaduras e a falta de democracia; a corrupção, que é o controle do Estado pelos ricos; a exploração no comércio internacional, “nos termos de troca”; o “endividamento progressivo” pela usura; as desigualdades; o latifúndio; o capitalismo; os “monopólios internacionais e o imperialismo internacional do dinheiro”; o analfabetismo; a destruição e a precarização do trabalho; a sonegação de tributos; a exportação de matérias-primas, de dividendos e lucros; etc.

Sobre a democracia, os bispos ressaltaram que deve ser popular, social e participativa. Os cristãos, tal como todas as pessoas, devem considerar “sua participação na vida política da nação como um dever de consciência e como o exercício da caridade em seu sentido mais nobre e eficaz para a vida da comunidade”.

A caridade é a virtude que nos exige atos racionais e supra-racionais em prol do bem comum, ou seja, é um conjunto de idéias racionais e além da razão que devem pautar toda a vida humana, a serviço do bem comum (do próprio bem, do bem da família e da sociedade, de cada pessoa concreta).