Lula e a brutalidade do Estado
Por Pedro Estevam Serrano, na revista CartaCapital:
Desde 2007, pelo menos, desenvolvo pesquisas nas quais busco demonstrar que, em todo o mundo, o autoritarismo sofreu mudanças importantes em sua forma instrumental. O autoritarismo típico dos regimes de exceção do século 20 dá lugar a uma nova modalidade, mais fluida, a qual chamo de autoritarismo líquido, e que se caracteriza pela adoção de medidas de exceção no interior de estruturas e de regimes democráticos.
Assim como os procedimentos e ritos para destituição de governos eleitos, esses processos penais de exceção se revestem de uma aparente normalidade institucional. No entanto, embora na forma pareçam estar de acordo com as regras democráticas e constitucionais, no mérito são ações políticas tirânicas de perseguição a inimigos políticos. O réu não é tratado como cidadão que eventualmente errou, mas sim como inimigo, alguém destituído de sua condição humana, sem direito à proteção jurídica mínima.
No Brasil, essa experiência de inquéritos e processos penais de exceção desenvolveu-se como técnica a partir da importação da política de guerra às drogas, usada como forma de controle social da juventude negra das periferias das grandes cidades, e instaurada sob o pretexto de combater o traficante ou, de forma ainda mais dispersa e indefinida, o “bandido”. Esse método foi transferido para a seara política, atingindo num primeiro momento investigados no caso do Mensalão e, depois, envolvidos em operações rumorosas como a Lava Jato, chegando ao ápice com a condenação do ex-presidente Lula.
No caso específico de Lula, há muito alertava-se sobre sua condenação, que seria o desfecho esperado do recrudescimento de uma estrutura política de extrema-direita, que vinha se alojando paulatinamente no sistema de justiça.
As mensagens agora reveladas trazem à tona a prova cabal de que não houve um processo penal de acordo com o conceito jurídico do que seja um processo penal – aquele que assegura ao acusado a proteção de seus direitos fundamentais.
Não há como minimizar o conteúdo das gravações. Elas mostram, de forma espantosa, que agentes do sistema de justiça produziram processos penais com finalidade de ação política, e até mesmo político-partidária, o que é escandaloso. Quando se leva em conta que um dos réus era um dos principais candidatos à Presidência da República, inclusive do campo popular, isso adquire uma dimensão política ainda maior, pois se caracteriza como medida de exceção com implicações diretas no principal pleito eleitoral do País. Houve um ataque imediato e intenso à democracia no Brasil, que não pode ser menosprezado. Foram atacados não apenas os direitos das pessoas envolvidas, mas a própria democracia.