Todas as estruturas políticas e econômicas devem ser pautadas (regradas, organizadas, com o conteúdo de regras) para assegurar e proteger a dignidade humana, o bem de todos
O “Compêndio da doutrina social da Igreja”, do Vaticano, traz uma síntese da doutrina social da Igreja, inclusive da concepção antropológica cristã e sobre o poder político e a economia.
Pois bem, o “Compêndio” ensina que “a raiz [fonte] dos direitos humanos” é “a dignidade” de “todo ser humano”, de cada pessoa. Esta dignidade (“honra”, no verdadeiro sentido) é “conatural à vida humana e igual em toda pessoa”, sendo apreendida, “antes de tudo”, pela “razão”. A igualdade da dignidade de cada ser humano, tal como de suas necessidades humanas fundamentais, apreendidas pela razão, é, assim, a base, “o fundamento natural dos direitos” humanos naturais.
O mesmo documento ensina que “o bem comum é a razão de ser da autoridade política” e que “o Estado” “deve garantir coesão, unidade e organização à sociedade civil”, pois o Estado deve ser a “expressão” da sociedade (cf. “Gaudium et Spes”, 74; e “Redemptor hominis”, 17, de João Paulo II, em 1979).
A proteção e a promoção do “bem comum” (da sociedade) exigem a “contribuição de todos os cidadãos”, a participação de todos nas tomadas de decisões, nos planos, projetos e formulação de regras e estatutos.
O importante, como ensinava Leão XIII, na “Parvenu”, é manter “com ponderado equilíbrio os justos limites em todos os direitos” das pessoas e estes estarem em harmonia com “as prerrogativas da coletividade social”.
Nas palavras de Dom Hélder, o importante é conciliar personalização e socialização, dado que a natureza humana (de cada pessoa) é social, política, racional, dialógica, comunitária, familiar e pessoal.
O “Compêndio” ensina que as “instituições políticas”, tal como toda a organização da economia, têm como “finalidade” (dever) primária tornar “acessíveis às pessoas os bens necessários – materiais, culturais, morais, espirituais – para fruir de uma vida autenticamente humana. A finalidade da vida social é o bem comum historicamente realizável” (cf. Leão XIII, na “Rerum”, 11; e Pio XII, na “Radiomensagem no 50º. aniversário da “Rerum”, 1941).
No bojo das idéias, frutos da incidência da razão sobre a realidade, há as necessidades compreendidas e inteligidas. O mesmo ocorre com os interesses.
A relação entre a consciência e os seres tem pólos, de um lado, a consciência (com as idéias, as necessidades, os interesses, as aspirações, os sentimentos etc) e de outro, a realidade (os seres, a criação, a natureza). Os seres são conjuntos de bens (até mesmo Deus, o Ser mais ativo e consciente do universo, é o “Bem supremo”, um Ser inteligente que se auto-define como “Amor”, cuja “essência mesma” é a “bondade” (cf. “Suma Teológica”, I-II, q. 4, a. 4).
Necessidades, interesses, sentimentos, idéias e direitos são termos relacionais, traduzindo relações entre a pessoa e os seres. O mesmo ocorre com as idéias e sentimentos. A cada idéia, interesse, necessidade ou direito corresponde um bem, inteligido pela consciência. Por isso, o princípio da sacralidade (dignidade etc) da pessoa é a base do princípio da destinação universal dos bens, ou seja, os bens foram criados (tal como são conservadores e são criados) para atender às necessidades das pessoas, para assegurar a todos uma vida plena e abundante, sendo este o Plano de Deus.
O universo deve ser humanizado (controlado, povoado etc, cf. o mandamento do “Gênesis”, 2,16-18), deve ter um tegumento e núcleo consciente (“noous”), NOOSFERA, como ensinou Alceu Amoroso Lima, interpretando e expressando as antigas e sempre novas idéias da Igreja.
Deus nos fez para o autocontrole pessoal, familiar e social, para o controle racional de nós mesmos e para a autodeterminação pessoal, familiar e social (pela via do diálogo, do “logos”).
As idéias estão presentes nos interesses, nas necessidades e mesmo no bojo dos sentimentos, imagens, criações científicas, artísticas, nas estruturas estatais, econômicas, nas esculturas, no cinema etc. Todas estas concreções devem ser criadas, organizadas, protegidas e ampliadas para atender à vida plena de cada pessoa, de toda pessoa, da sociedade. Johannes Messner, um dos grandes teólogos da Igreja no século XX, resumia tudo isso com a fórmula: “o bem comum é a finalidade e a tarefa principal da sociedade”.
Está mesma fórmula está presente nos melhores textos de teólogos como Enrique Dussel, Antoncich, Metz, Hugo Assmann, Ivan Illich, Sérgio Torres e milhares de outros expoentes da “teologia política” e da “teologia da libertação”, estando também presente nos textos de Chiara Lubich e de outros expoentes da Igreja.
A ética é o conjunto das idéias práticas, das luzes da inteligência, em cada pessoa. Estas idéias estão presentes nas correntes culturais e religiosas, tal como estão dispersas na consciência de todos.
A explicitação destas idéias deve, por força endógena (da própria natureza, onde estão escritos os desígnios de Deus), promover uma “civilização do amor” (expressão usada 58 vezes por Paulo VI, desde 1975), baseada no convivio racional, amoroso, benéfico e equilibrado das pessoas.
A fé, os sacramentos, a Igreja, a graça etc são reforços e ajudas para as forças naturais humanas (daí, a expressão “Deo juvante”, “com a proteção divina” que pedimos para os atos que são nossos e Deus ajuda). Por isso, o cristianismo é humanista, social e libertador, é “amicus humani generis” (“amigo do gênero humano”).
Conclusão: as estruturas sociais e estatais, tal como as econômicas, somente são legítimas, boas, se protegem, ampliam e promovem a dignidade humana.