O ecumenismo é intrínseco no Catolicismo e vale para nossa relação com todas as correntes de pensamento. O diálogo é a forma essencial da ação de Deus no mundo, e nossa forma de ação natural

O ecumenismo, o pluralismo e nossa relação com as correntes socialistas

Dom Hélder Câmara defendeu uma forma de socialismo humanista e o diálogo entre marxismo e cristianismo. Citou como exemplo a síntese feita por São Tomás de Aquino entre Aristóteles e o cristianismo na Idade Média, onde São Tomás assimila, com boas sínteses, tudo que há de bom em Aristóteles e dezenas de outros pensadores.

São Tomás efetuou boas sínteses, mostrando que os textos verdadeiros, mesmo de autores pagãos, são, por serem verdadeiros, coerentes com o cristianismo.

O diálogo tem como finalidade fundamental buscar a verdade nas idéias do interlocutor. Para isso, é vital buscar as fontes comuns e os pontos que unem (as semelhanças, as pontes).

O ecumenismo, o pluralismo, ou a construção de pontes ou sínteses, como dizia Alceu, é fundamental, pois um dos maiores pontos da comunhão (da união com Deus e com o próximo) é a comunicação entre as pessoas.

A importância do diálogo foi também destacada por Paulo Freire e pelo padre Henrique Vaz.

Ao tratar sobre o ecumenismo, é importante lembrar o bom exemplo do arcebispo Nathan Söderblom (1866-1931), que chefiou a Igreja luterana sueca e ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1930. Nathan foi o principal precursor do ecumenismo, junto com alguns católicos que cito mais adiante, especialmente o Cardeal Mercier, tendo organizado a Conferência de Estocolmo para a união das igrejas, em 1935.

O diálogo, com o necessário discernimento, é, hoje, a tarefa mais importante para liquidarmos as opressões, os erros e as mentiras (o capitalismo etc).

O discernimento dos programas era recomendado por Dom Ketteler, que, em dois excelentes textos (em1866 e em 1877), aborda e resolve a questão se um católico podia filiar-se e votar em partidos socialistas (o partido de Lassalle).

Ketteler respondeu que sim, mostrando que nos programas de vários socialistas de seu tempo muitas das reivindicações eram perfeitamente justas, de fundo cristão, a maior parte com origem católica, e eram também deveres sociais dos católicos, deveres exigidos pela fé vinda de Abraão, de Moisés e ampliada por Cristo.

Lassalle planejava, seguindo os passos de Buchez e Louis Blanc (como foi constatado por Marx, no texto “Crítica ao programa de Gotha”), substituir o trabalho assalariado pelo trabalho associado em formas cooperativas.

Lassalle, nos passos de Buchez, queria formar grandes cooperativas de produção com a proteção, o crédito, os recursos e a regulamentação do Estado (que seria controlado pelos trabalhadores, graças ao sufrágio universal, que Lassalle defendia na linha dos cartistas cristãos, pré marxistas, que ensinaram Marx).

Toda a economia –agricultura e indústria – seria gerida por cooperativas e pelo Estado controlado pelos trabalhadores. As cooperativas podem unir trabalhadores ou micros, pequenas e médias empresas familiares. 

Ketteler aprovou as linhas gerais deste programa, seguindo, assim, os passos de Buchez e Louis Blanc.

O diálogo foi sempre elogiado pela Igreja.

Em muitos documentos, a Igreja admitiu elementos salvíficos em religiões como o hinduísmo, o taoísmo, o budismo, o judaísmo (especialmente neste, que é a matriz fundamental do cristianismo), as religiões indígenas e outras.

O papel precursor (na inculturação) dos jesuítas, no Oriente, nas selvas amazônicas, no sul do Brasil, no Maranhão ou em São Paulo teve, neste sentido, muitos pontos positivos.

O diálogo foi considerado o meio principal de evangelização pelos grandes Santos Padres. Quando analisam a literatura grega e romana, “conversam” com os maiores filósofos, examinando os textos destes. A leitura das obras de Santo Agostinho, de Orígenes, de São Justino, de São Clemente, de Santo Ambrósio, de São Gregório de Nissa, de São João Crisóstomo, de S. Alberto Magno, de São Tomás de Aquino e outros grandes santos mostra a importância da busca da verdade, respeitando o que há de bom nas frases e nas idéias do próximo.

Afinal, Deus age na consciência de todos, em todo o mundo, inspirando e suscitando verdades salutíferas. E estas verdades, tal como a natureza humana, são a base fundamental da ação da graça (que não destrói a natureza e sim a eleva, conservando tudo o que há de bom na mesma).

Devemos dialogar com as pessoas que seguem as correntes históricas e atuais do socialismo.

O Bispo Martins Terra deu um bom exemplo, escrevendo o livro “Zeus, o Deus indo-europeu”, examinando os textos magníficos de Homero, Ésquilo, Sófocles, Platão, Cleantes e outros bons autores, demonstrando que a religiosidade grega tinha muitas sementes de verdades, muitas verdades salutíferas.

A Congregação para a Propagação da Fé, numa instrução aos missionários que partiam para a China, em 1659, especialmente jesuítas, escreveu frases que devem ser aplicadas em nosso relacionamento com os socialistas de todas as cores:

Não ponhais zelo nem vos apliqueis a convencer estes povos a mudar os seus ritos, os seus costumes e as suas tradições, a não ser que sejam evidentemente contrários à religião e à moral. Nada é mais absurdo do que transferir para junto dos chineses a França, a Espanha, a Itália ou qualquer outro país da Europa. Não deveis levar-lhes a cultura dos nossos países, mas a fé…Não procureis substituir os usos destes povos com os da Europa, e tende a maior solicitude possível em vos adaptar a eles”.

Todos os “costumes” e “tradições” do socialismo que não “sejam evidentemente contrários à religião e à moral” devem ser aceitos e cultivados, num saudável ecumenismo.

Este blog tenta melhorar nosso diálogo com os socialistas, ponto exigido pela teologia da libertação. S

egue também as estruturas de livros como o de Manfred Spieker, “Dialogo marxismo/cristianismo” (Editora Eunsa, Pamplona, Espanha, 1977), um livro escrito em alemão, que traz excelentes textos de Garaudy e outros escritores.

Garaudy, correspondente de Dom Hélder, escreveu dezenas de obras importantíssimas (mesmo as mais antigas, como “As fontes francesas do socialismo científico”, 1948, que apontam o socialismo cristão e utópico, pré-marxista, como precursor).

O padre Hans Küng foi um dos melhores especialistas em ecumenismo. Vejamos alguns de seus textos, extraídos do livro “Igreja católica” (editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, pp. 163, 197, 201, 226-227 e 252):

Hoje sei que se teria chegado a um acordo sobre a questão da justificação, como afirmei em minha dissertação de doutoramento Justification (Justificação), em 1957, e como foi confirmado pelo documento de consenso produzido em 1999, após as conversações entre católicos-romanos e luteranos [Küng menciona um acordo sobre a graça entre católicos e luteranos, o que demonstra a importância do diálogo]. [p. 163] (…)

“Qual era a alternativa? Acima de tudo, o abade Henri-Baptiste Baptiste Grégoire trabalhou para uma reconciliação da igre­ja com a democracia no espírito dos ideais do cristianismo mais antigo; como bispo, ele era um líder espiritual da igreja constitucional. Mas esta alternativa não teve chance. Muitas das preocupações de Grégoire só seriam estabelecidas pelo Concílio Vaticano II.

“Desde então, pode-se também afirmar abertamente que “liberdade, igualdade e fraternidade” – há muito vilipendiadas – têm uma base no cristianismo primitivo – embora, como vimos, na igreja, isso fosse encoberto num estágio muito inicial com estruturas de poder hierárquicas.[p. 197] (…)

“No século XIX, sem dúvida houve um ressurgimento de forças religio­sas no clero e no laicato, entre as ordens religiosas, no movi­mento missionário, nas obras de caridade e na educação, e, especialmente, na devoção popular. As associações da igreja, com uma quantidade de iniciativas religiosas, sociais e indire­tamente políticas, eram típicas desse período, especialmente na Alemanha; a principal entre elas era a Associação do Povo Católico, de fato a maior associação católica do mundo. Desse modo, um importante movimento se desenvolveu no catolicismo alemão, particularmente sob a influência do bispo Wilhelm Emmanuel von Ketteler de Mainz. Este movimento fez da igreja a advogada dos pobres e das classes inferiores carentes. [p. 201]. (…)

“Com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica – apesar de todos os obstáculos e dificuldades colocados pelo sistema romano medieval – tentou implementar duas mudanças de paradigma de uma vez: integrou característi­cas fundamentais do paradigma da Reforma bem como do Iluminismo e da modernidade.

“Antes de mais nada, integrou o paradigma da Reforma. Foi reconhecida a cumplicidade católica na divisão da igreja, como o foi a necessidade de reforma constante. Ecclesia sem per reformada, a constante renovação da igreja na vida e na doutrina segundo o evangelho era agora a postura católica demais associações cristãs foram finalmente reconhecida como igrejas. Reclamou-se uma atitude ecumênica de toda a Igreja Católica. Ao mesmo tempo, adotou-se uma série de preocupações centrais do evangelho, pelo menos em tese e muitas vezes também na prática: houve um novo res­peito pela Bíblia no culto, na teologia e na vida da igreja, como na vida de cada fiel em geral. Houve um culto autênti­co para as pessoas, em vernáculo, e uma celebração reforma­da da eucaristia relacionada com a comunidade. Houve uma revalorização do laicato através de conselhos paroquiais e diocesanos e a admissão dos leigos ao estudo da teologia. A igreja foi adaptada às condições nacionais e locais por uma ênfase na igreja local e nas conferências nacionais de bispos. Final­mente, houve uma reforma da devoção popular e uma abo­lição de muitas formas de devoção da Idade Média, do período barroco e do século XIX.

“Houve também uma integração do paradigma moder­no. Eis alguns princípios fundamentais. Houve uma clara afirmação de liberdade de religião e consciência e de direi tos humanos em geral, que havia sido condenada por Pio XII em 1953. Houve um reconhecimento fundamental de cumplicidade no anti-semitismo e uma inclinação positiva em relação ao judaísmo, do qual deriva o cristianismo. Mas houve também uma nova atitude construtiva em relação ao Islã e outras religiões mundiais. Reconheceu-se que, em princípio, a salvação também é possível fora do cristianis­mo, até para ateus e agnósticos, se eles agirem de acordo com sua consciência. Houve também uma atitude fundamentalmente positiva em relação ao progresso moderno, proscrito há muito, e ao mundo secular, à ciência e à demo­cracia em geral. [pp. 226 a 227]. (…)

“Entretanto, a pergunta “para onde está indo a Igreja Católica?” será entendida de modo equivocado como sen­do exclusivamente preocupação da igreja a menos que, ao mesmo tempo, se pense num outro problema abrangente: “para onde está indo a humanidade?” Aqui, para mim pes­soalmente, o caminho não é, digamos, “da igreja global para uma ética global”, mas “com a igreja mundial para uma ética global”.

É a busca de uma ética comum para a huma­nidade que pode ser apoiada por todas as igrejas e religiões – aliás, também por não-crentes. Nosso globo não pode so­breviver sem uma ética global, uma ética mundial.

“Portanto a Igreja Católica deve apoiar:

“– uma ordem mundial social: uma sociedade em que os seres humanos tenham direitos iguais, vivam em solidarie­dade uns com os outros e em que seja reduzido o abismo crescente entre ricos e pobres;

“– uma ordem mundial plural: uma diversidade recon­ciliada de culturas, tradições e povos na Europa, em que não haja lugar para anti-semitismo e xenofobia;

“– uma ordem mundial em parceria: uma renovada as­sociação de homens e mulheres na igreja e na sociedade, na qual, em todos os níveis, as mulheres tenham a mesma responsabilidade que os homens e na qual possam dar livremente a contribuição de seus talentos, insights, valo­res e experiências;

“– uma ordem mundial que promova a paz: uma socieda­de em que se dê apoio ao estabelecimento da paz e à solução pacífica de conflitos e uma comunidade de povos que contri­buam com solidariedade para o bem-estar dos outros;

“– uma ordem mundial que trate bem a natureza: uma associação dos seres humanos com todas as criaturas, na qual seus direitos e sua integridade também sejam observados;

“– uma ordem mundial ecumênica: uma comunidade que crie os pressupostos para uma paz entre as nações através de uma unidade de confissões e da paz entre as religiões”. [pp. 252-253].

Concordo.

E mais, a Igreja deve, também, a meu ver, lutar por uma democracia social (o velho nome do socialismo), por um socialismo participativo (democrático, comunitário, autogestionário, com o primado do trabalho e do bem comum), que concilie os direitos fundamentais de várias gerações (direitos civis, políticos, sociais, culturais, ambientais, econômicos etc).

A base fundamental deste socialismo humanista (participativo, distributista e comunitário) é o princípio da destinação universal dos bens e a soberania do povo (cf. a teoria da delegação de Suarez, de Santo Ambrósio e de outros).

No Brasil, mesmo a antiga Convergência Socialista (tendo seus militantes no PSTU, hoje) terminou por adotar a palavra de ordem “socialismo com democracia”, o que foi muito salutar. Infelizmente, na prática, o PSTU está longe de ser ecumênico (enfatiza muito o Trotskysmo como fonte teórica) e por isso não cresce, mas usou uma bela palavra de ordem. Pior ainda, o PSTU atacou Chavez, Cuba, Líbia, Iraque, Venezuela, sandinistas e em todos estes pontos, fez coro com o imperialismo, especialmente semeando ódio ao PT. Erros crassos e brutais, hiper burros. 

 Infelizmente, acredito que a CIA instiga ataques a políticas de frente amplas contra o imperialismo e o capitalismo, como ficou claro no episódio do Cabo Anselmo, Serra, FHC e outras pragas, infiltradas.

O comunismo tem muitas idéias corretas de origem bíblica. O padre José Porfírio Miranda apontou a influência da Bíblia em Marx e no socialismo. Enrique Dussel escreveu sobre o uso de metáforas religiosas por Marx. E um outro padre Affonso Urbano Thiesen S.J., no livro “A ética política de Lênine”(editado pelo Instituto de Filosofia da UFRS, em Porto Alegre, 1967), examina vários elementos (idéias) de religiosidade em Lênin.

Segundo Chesterton, em todo erro que cativa os corações há uma parte verdadeira, que deve ser separada, como o joio do trigo. Esta é a única forma de diálogo correta. O diálogo exige o reconhecimento das verdades contidas nas frases e no pensamento do interlocutor.

Os elementos revolucionários do cristianismo sempre foram hostilizados pelas classes dominantes. Por exemplo, as obras do padre Júlio Meinvielle (1905-1973) praticamente invertem a evolução da doutrina social da Igreja, distorcendo-a. Estes erros foram também disseminados por Gustavo Corção, em suas tristes obras do final da década de 60. Meinvielle escreveu: “De Lamennais a Maritain”(Ediciones Nuestro Tiempo, Buenos Aires 1945) e “De la Cábala al progresismo” (Editora Calchaquí, Salta 1970). Nestas obras, distorce e inverte a linha evolutiva correta do cristianismo na história. Distorções semelhantes estão na seita neoliberal da TPF e nos textos de Corção. Meinvielle, ligado à direita argentina, criticou Lamennais, Maritain, Sangnier e outros, o que demonstra o potencial revolucionário destas pessoas, que foram elos da doutrina social da Igreja e da teologia da libertação.

Carl Bernstein e Marco Politi, no livro “Sua Santidade João Paulo II e a história oculta e nosso tempo”(Editora Objetiva, 1996, 6ª. edição), mostra como estes elementos de verdade, contidos no comunismo, foram reconhecidos pelo Papa João Paulo II:

Quando o Papa viajou aos países bálticos livres no outubro de 1993, ele deixou estupefato o público em Riga ao declarar: – A exploração produzida pelo capitalismo desumano era um mal real e esse é o grão de verdade no marxismo.- Alguns meses depois, numa entrevista com Jas Gawronski, um deputado italiano do Parlamento Europeu que nasceu na Polônia, João Paulo II foi ainda mais longe:- Essas sementes de verdade no Marxismo não devem ser destruídas, não devem ser carregadas pelo vento. (…) Os adeptos do capitalismo em suas formas extremadas tendem a ignorar as coisas boas conseguidas pelo comunismo: seus esforços por superar o desemprego, suas preocupações com os pobres.

“Ao ouvir essa declaração, lá em Moscou, Gorbachev abriu um sorriso: – Muito interessante- disse ele a um amigo italiano. – Parece que o Papa está começando a compreender que há valores positivos no socialismo e que, aliás, continuarão sendo positivos no futuro”.

O texto do Concílio Vaticano II, “Nostra aetate”, número 2, mostra o bom ecumenismo: “a Igreja católica não rechaça nada do que nestas religiões há de santo e verdadeiro. Considera com sincero respeito os modos de agir e de viver, os preceitos e doutrinas que, (…), não poucas vezes refletem aspectos daquela Verdade que ilumina a todos os homens”. Este ecumenismo, aplicado às correntes socialistas, inspirou este blog.

O Bispo Martins Terra escreveu um livro denominado “Zeus, o Deus indo-europeu”, onde elogiou os aspectos de religiosidade dos antigos gregos e mostrou a correção destas idéias gregas sobre Deus e a ética. É importante fazer o mesmo com as correntes socialistas: mostrar as fontes religiosas destas correntes. Os Santos Padres apreciavam as idéias de Platão, Tito Lívio, Sêneca, Cícero, pois sabiam que Deus se comunica com a consciência de todas as pessoas (o movimento natural da consciência gera verdades, permite às pessoas “ver” Deus na natureza e nos atos cotidianos da vida) e não há dúvida que a consciência de Marx era procurada reiteradamente pelo Deus operário crucificado, que se encarnou para salvar a todos.

Os princípios de ecumenismo, expostos por Hans Küng, devem ser aplicados no diálogo com os socialistas, principalmente com o resgate das fontes comuns. As idéias de ecumenismo poderiam ser úteis no diálogo entre as correntes da esquerda.