A luta eterna pela melhoria eterna do Universo, eis para que fomos criados

O ideal de uma democracia popular, participativa, social, comunitária, cooperativista, baseada na comunhão, com um sistema econômica misto (amplo Estado e micros e pequenos, estatais e cooperativas) é o ideal profundo da Igreja, ponto bem destacado nos textos de Alceu e também do padre Fernando Bastos de Ávila.

No Brasil, para exemplificar esta linha dourada da democracia social, popular e participativa, basta transcrever trecho do documento “Brasil – 500 anos: diálogo e esperança”, da CNBB, sobre a democracia participativa e social, especialmente a importância dos Conselhos Populares:

36. O primeiro compromisso de todos e de cada um (…) é o de assumir efetivamente as próprias responsabilidades para com a comunidade local e a sociedade no seu conjunto. Isso exige a participação democrática em todos os níveis.

Não se deve reduzir a democracia só às eleições, deixando que os eleitos tudo resolvam durante seu mandato. Ao contrário, uma verdadeira democratização da sociedade requer que os cidadãos sejam co-responsáveis pela gestão dos bens públicos – das escolas, dos postos de saúde, do orçamento municipal – e assumam a tarefa de orientar e vigiar a administração pública por meio de conselhos paritários, previstos na lei ou que podem ser criados para garantir transparência ao serviço público e a participação do maior número de cidadãos. Em particular, os cidadãos devem acompanhar, apoiar e fiscalizar a atuação das Câmaras Municipais, das Assembléias Legislativas e do Congresso Nacional, bem como do Poder Executivo e do Poder Judiciário, e têm direito a serem informados com clareza sobre o destino dos recursos públicos”.

A CNBB, no “Manual” da Campanha da Fraternidade”, do ano 2002 (São Paulo, Ed. Salesiana, 2001, p. 116), ensinou que o ideal da concepção política-econômica da Igreja é democrático, participativo, social e horizontal, exigindo, como ideal histórico concreto, uma democracia popular e participativa:

O Deus de Jesus Cristo e seu projeto, que a comunidade cristã anuncia, não cabem num mundo pré-moderno de privilégios, tutela e paternalismo. Só cabe num horizonte de autonomia, subjetividade, autodeterminação, participação, solidariedade, liberdade e igualdade”.

De fato, horizontalidade, autonomia, subjetividade, autodeterminação, participação, solidariedade, cooperação, liberdade e igualdade são alguns dos atributos essenciais da concepção política da Igreja.

O Estado e a sociedade devem ser estruturados para o “bem comum”.

Como João XXIII ensinou, na “Mater et Magistra” (n. 62), o “bem comum” é “o conjunto de condições sociais que permite e favorece o desenvolvimento” completo “da personalidade” humana.

O Vaticano II, na “Gaudium et Spes” (n. 26), usa outra fórmula: bem comum é o “conjunto de condições da vida social” que permita que as pessoas atinjam “de maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição”.

Cada pessoa foi criada “um pouco abaixo dos anjos”, mas destinada à divinização, a tornar-se filho de Deus, por adoção, por união consensual com a natureza divina (cf. 2 Pd 1,3-7), com o Poder inteligente e Amoroso que criou tudo para o bem comum.

Todos devem participar do poder porque todos têm, em si, uma fonte de boas idéias. As idéias boas são as idéias em conformidade com a natureza (“katà physin”, expressão usada pelos estóicos e peripatéticos como Critolau), que melhoram a natureza.

São Clemente de Alexandria, no livro “Tapeçarias” (“Stromata”, II, XXI, 129), usou a expressão “conformidade com a natureza” critério da ética, na linha dos estóicos, dos aristotélicos, de Platão, de Sócrates e dos pré-socráticos.

A Igreja sempre ensinou que o bem, que é DINÂMICO, é a realização da natureza, a plenitude do ser, ou seja, é o ser em perpétuo movimento, melhorando sempre, pela eternidade.

Desta tradição da Igreja, é que Hegel colheu seus melhores textos, escrevendo “a realidade efetiva coincide, em si, com o bem” (cf. “Filosofia propedêutica”, III, parágrafo 83) e definindo o bem como “a liberdade realizada, o objetivo final absoluto do mundo” (cf. “Filosofia do direito”, n. 129). No mesmo sentido, a frase “o que é racional é real” e vice-versa, entendendo real como o que é autêntico, tem realidade profunda. Por estas e outras passagens, Marx se declarava “discípulo de Hegel”, ainda que crítico, mas DISCÍPULO do grande Hegel. 

A conformidade dos atos e das idéias com a natureza tem uma razão: a natureza serve como guia através das idéias geradas pela interação das razões, das consciências (interligadas pelo diálogo) com a natureza (a verdade brota da penetração da razão na natureza, na abstração das idéias, na colheita das idéias, pois as idéias verdadeiras são as essências, o ser, colhido no ser histórico, numa forma análoga, em nossa consciência).

Estas idéias vindas da natureza, ao serem adequadas com a realidade, têm poder de transformação, pois são idéias verdadeiras, reais, idéias-forças. Com as idéias verdadeiras controlamos a natureza, os processos produtivos e nossas vidas. Este é o Plano de Deus, a forma divina de agir, à imagem de Deus.

A natureza humana é feita à imagem da Trindade. Somos feitos à imagem de um Deus social, um Deus Uno e Trino, que busca habitar, pelo diálogo, em cada pessoa, unir-se às pessoas, divinizando-as, compartilhando o Poder, a gestão do universo.

Como a Trindade, que é uma Comunhão, nossa natureza é dialógica (dialética), move-se à luz do diálogo interno e com o próximo.

Conclusão: fomos feitos para a autodeterminação (libertação), pessoal e social, para uma vida em comunhão com máxima personalização.

O “nirvana”, para o cristianismo, como nos melhores textos hindus, exige a permanência da personalidade e a expansão e a realização desta. Por esta razão antropológica (cf. João Paulo II, na “Laborem”, 1981), todas as relações humanas e sociais, especialmente as relações públicas, devem ser pautadas pelo diálogo.

O diálogo é o núcleo do conceito de oração, nos unimos com Deus conversando com Deus como uma criança conversa com seu pai ou sua mãe, naturalmente. Da mesma forma, nos unimos ao próximo, à sociedade, pela via do diálogo, do “logos”.