Distributismo (distributivismo) e socialismo, economia mista, melhor solução

Uma sólida base distributista (moradias para todos, pequenos lotes, roupas, carros econômicos elétricos com poucas cilindradas etc), em marcos comunitários e sujeitas a formas de planejamento participativo, complementa uma estrutura de boas estatais e médias e grandes cooperativas sujeitas ao bem comum.

Esta base distributista existe, hoje, em todos os países socialistas. Engels, numa carta a Conrado Schmidt, em 05.08.1890, critica alguns militantes “materialistas” e fala sobre a distribuição de bens numa sociedade socialista:

Marx disse, no final da década de 70, referindo-se aos ‘marxistas’ franceses, que ‘tout ce que je sais, c’est que je ne suis pas marxiste’ [tudo o que sei é que eu não sou marxista]. Também na Volks-Tribüne, houve uma discussão sobre se a distribuição dos produtos na sociedade futura seria feita de acordo com a quantidade de trabalho ou de outra maneira. (…Por mais estranho que seja, a ninguém ocorreu pensar que o modo de distribuição depende essencialmente da quantidade de produtos que deve ser distribuída e que esta quantidade varia, naturalmente, com o progresso da produção e da organização social e que, portanto, tem que mudar também o modo de distribuição. (…) Racionalmente, a única coisa que se pode fazer é: 1º) tratar de descobrir o modo de distribuição que deve ser aplicado no início; 2º) tratar de estabelecer a tendência geral que deve ser seguida no desenvolvimento ulterior. (…) Nossa concepção da história é, sobretudo, um guia para o estudo, e não uma alavanca para levantar construções como faz o hegelianismo”.

O texto acima mostra como “o modo de distribuição” era discutido entre os socialistas.

A solução de Marx e Engels foi aceitar a solução bíblica, expressa na frase “eles tinham tudo em comum e distribuiam a cada um de acordo com suas necessidades” (o princípio fundamental contido no livro “Atos dos Apóstolos”, duas expresso literalmente, nos capítulos 2 e 4, que descreve como devem ser organizadas as comunidades cristãs).

O “modo de distribuição” era discutido também pelos Santos Padres e pelos escolásticos, que usavam a expressão “justiça distributiva” e apontavam como critério fundamental para a boa distribuição dos bens as necessidades de cada pessoa (“a cada um de acordo com suas necessidades”).

Em outros textos, Marx e Engels dizem que a sociedade socialista produziria tanto que cada pessoa poderia ter os produtos que quisesse (casas, carros, eletrodomésticos, roupas etc).

No final das contas, fica claro que o distributismo é a finalidade do socialismo, que as pessoas poderiam ter os bens necessários ou os bens que quisessem (pela produção ampliada).

O termo “produtos” é amplíssimo, pois quase tudo é “produto” (casas, ruas etc). Por isso, um socialismo humanista deve abolir as grandes propriedades particulares e mesmo a propriedade quiritária (abolir o capital e o latifúndio), mas deve difundir o controle pessoal dos trabalhadores sobre os bens, estando este controle sujeito ao bem comum, ao controle da sociedade.

Em Cuba, a ilha rebelde sitiada pelo imperialismo, “85% da população cubana é dona de sua residência” e “não paga impostos” sobre estas moradias. A Constituição de Cuba reconhece a “propriedade individual dos pequenos agricultores”, as “cooperativas de produção agropecuária” e as pequenas empresas familiares.

Cláudia Furiati, na obra “Fidel Castro – uma biografia consentida” (Editora Revan, Rio de Janeiro, maio de 2003, 4.ª Edição, p. 637), mostra como Cuba permite a pequena produção familiar:

No Campo, criaram-se as unidades básicas de produção cooperativizada (UBPC), reformando as relações em uma parte das granjas e fazendas do Estado. Este preservava a condição de dotar os créditos e os meios de produção, mas os operários agrícolas passavam a donos da produção e usufrutários da terra, recebendo parcelas para a exploração em caráter familiar. A mesma disposição, de entrega de terras em condições de usufruto, foi conferida a produtores de tabaco, café e cacau. (…)

“Outra providência foi a ampliação do “trabalho por conta própria”, sobretudo no setor terciário. Legalizaram-se ofícios privados e pequenas empresas familiares, buscando-se alternativas de emprego e oferta adicional à população. Logo a medida receberia uma normatização especial. Em 1995, segundo dados oficiais, 208 mil pessoas eram já “contapropristas”.”

De fato, as comunidades (especialmente as cooperativas) contêm, em suas estruturas, a difusão de direitos subjetivos positivos e limitados, que asseguram o controle pessoal sobre os bens, inclusive bens pessoais.

Vejamos alguns exemplos da convivência de bens pessoais e sociais (em diversos graus): uma cooperativa de pescadores convive com barcos de pesca pessoais; uma reserva extrativista de seringueiros atribui a cada família direitos de uso específicos sobre lotes, “colocações”, que inclusive passam para os filhos.

Uma cooperativa de agricultores organiza lotes familiares e áreas comuns, de plantio.

Até mesmo nas terras indígenas, as famílias têm direitos de uso específicos sobre partes da terra e estes direitos convivem bem com as estruturas comunitárias.

Da mesma forma, nos condomínios verticais e horizontais (rurais e em prédios ou casas) há as partes familiares e as partes comuns.

Nas antigas propriedades comunitárias (inclusive no mir russo) existiam as casas das famílias, pequenos pomares e criações de animais da família junto com as terras comunais e formas de trabalho cooperativo.

Na área rural brasileira, sempre houve as roças familiares ao lado das roças comunitárias com o mutirão e outras formas cooperativas e comunitárias.

Nos assentamentos do MST há casas familiares, pequenos lotes e áreas comuns, de plantio e colheita.

Mesmo nos órgãos públicos, nos prédios da Administração direta (por exemplo, nos Ministérios), os servidores têm direitos subjetivos específicos, círculos de ações onde são livres (inclusive salas próprias, mesas, objetos pessoais, estações, postos de trabalho com personalização, espaços próprios e pessoais etc).

No organograma das melhores estatais empresariais há espaços próprios, salas próprias, autonomias, poderes, liberdades para criação, poderes específicos não sujeitos a controles, áreas com autonomia, para assegurar as liberdades pessoais, evitar-diminuir a reificação. 

Boas sínteses são importantíssimas para superar o modo de produção capitalista. Os textos de Boaventura de Sousa Santos apontam no mesmo sentido, para formas de socialismo com base na autogestão, no cooperativismo, economia mista, com bases comunitárias.