Nosso ideal histórico: um amplo Estado social com milhões de micro, pequenas e médias propriedades familiares, distributismo pleno, renda estatal e moradia para todos

O ideal bíblico  e católico é claro: devemos ser bons CO-CRIADORES, administradores (ver a Parábola dos talentos e do bom administrador, cf. Cristo), bons pastores da Criação, bons cultivadores da criação, para melhorar tudo, criando uma pré-figuração do Paraíso futuro (que sempre irá melhorar, pois a natureza divina sempre melhora o próprio Deus e melhora tudo).

Deus é uma Trindade, unida a humanidade, aos seres pensantes, uma Comunhão Mística, uma República Viva e Consciente, sempre melhorando, durante a eternidade. 

Todos devem ter (como bons administradores, ecônomos) e usar os bens na medida das necessidades, para terem uma vida digna e feliz.

Pelo trabalho pessoal (o suor do próprio rosto, cf. “Gênesis”), todos devem controlar os bens, agindo como usufrutuários, gestores fiéis, depositários ou administradores (cf. Lucas, 16). Esta gestão (controle dos bens pelo trabalho pessoal) deve ser subordinada ao bem comum, ao poder controlador da sociedade, deve estar sujeita a amplo controle social (planificação participativa, regulamentação, prestação de contas, fiscalização etc).

A boa organização (estrutura) econômica da sociedade é formada por um equilíbrio (medida correta) entre ampla intervenção de um amplo Estado popular, social e econômico (com estatais com co-gestão e controle setorial participado) E milhões de micro, pequenas e médias empresas familiares nacionais, organizadas em cooperativas, com Renda estatal básica para todos, moradia para todos (um Programa Minha Casa, minha vida, ampliado, com 30 anos para pagar e apenas taxas de administração). 

A sociedade é a titular do bem comum. A sociedade tem o domínio eminente e deve regular (impor, proibir, regulamentar etc) as atividades sociais, para dar concretude aos direitos humanos fundamentais. Esta regulamentação (social) deve adotar formas de gestão participativa, de autogestão em grande escala (deve haver autogestão na micro e na macroeconomia).

Marciano Vidal, um dos melhores teólogos especializados em ética, demonstrou a injustiça radical da estrutura capitalista das empresas e do capitalismo pela falta de participação (de controle) dos trabalhadores na gestão das unidades produtivas e das estruturas da sociedade. 

O capitalismo é o sistema econômico mais INEFICIENTE de todos, pois destrói os maiores bens (a força de trabalho, reificada, estraçalhada, desperdiçada, morta-viva por jornadas longas insanas E a natureza, que é destruída no capitalismo).

A mesma condenação vale para as formas de socialismo burocráticas, sem democracia, sem economia mista, com base no stakhanovismo (no fundo, uma modalidade de taylorismo), que não reconhecem o direito à autogestão, à co-gestão, à associação sindical, à liberdades culturais, religiosas, políticas, de criação de partidos políticos, à democracia etc.

A libertação dos trabalhadores exige a difusão de estruturas de participação e de autogestão em todas as instâncias, pois os trabalhadores têm o direito natural de participar na gestão das unidades produtivas e na gestão de todas as instâncias de poder (de decisão, em todos os processos decisórios), cf. recomenda a “Gaudium et Spes”, 68.

Como escreveu João Paulo II, “a Igreja sempre defendeu o direito de associação em todos os níveis da convivência, porque é uma conseqüência da natureza social e comunitária no homem”.

O termo “necessidade” (p. ex.: tenho necessidade de uma moradia) significa “sem os bens necessários, posso morrer ou sofrer”. É um termo relacional. Os bens foram feitos por Deus justamente para garantir às pessoas uma vida digna e feliz. Por isso, na Bíblia, Cristo e os apóstolos passam fazendo o bem (como recomendava São Francisco de Assis), ajudando os necessitados e criticando os que têm muito (“ai de vós ricos” e “é mais fácil a um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no céu”), para que haja igualdade social (exigida pelo princípio da igualdade das pessoas).

O tal Plínio Correa de Oliveira e seus riquinhos asquerosos da antiga TFP (e hoje do Instituto Plínio) passaram 70 anos distorcendo a Doutrina social da Igreja, tentando manietar a Igreja nas correntes do grande capital. Algo essencialmente asqueroso. 

Conforme foi dito por Pio XII, em 15.11.1946, “as necessidades humanas” (logo, o valor de uso social, obtido graças a uma estima comum, consenso, sendo esta uma manifestação da soberania da sociedade) é que devem regular “segundo a sua importância natural e objetiva, a vida econômica” e não o mercado e o capital (o valor de troca).

Esta concepção sobre o valor de uso social (adotada por Che Guevara e outros), no fundo, defende o primado das necessidades sociais, pela planificação participativa (ponto ressaltado por Lebret, Paulo VI e Alceu). Por isso, a doutrina da Igreja rejeita o liberalismo, o fetichismo, o marginalismo etc.

O valor de uso social é a utilidade dos bens, ou seja, a capacidade dos mesmos de atender às necessidades da sociedade (e assim de cada pessoa), e deve ser a base de todo planejamento produtivo participativo (obtido pela estima comum, pelos juízos comuns a todos, expressos pelo diálogo, pela comunicação, por formas coletivas e democráticas de explicitação dos consensos). Sobre este ponto, Marx transcreveu bons textos do padre Galiani, que veicula idéias das antigas teorias sobre a estima comum.

A doutrina da Igreja considera normal (de acordo com a natureza das coisas, logo com o direito natural) o uso regrado, racional e limitado dos bens; o uso, por todos, dos bens, feitos para todos, feitos por Deus com este fim (a teleologia foi admitida por Engels, no livro incompleto sobre a dialética da natureza, onde, seguindo os passos de Hegel, explicou a teleologia como o movimento inerente às coisas –“além do mais, já em Hegel, está superada a contradição entre causa efficiens e causa finalis na interação”, cf. bom texto de Engels).

Neste sentido, são claras as palavras e os argumentos de Leão XIII, na “Rerum Novarum”, sobre a licitude do uso dos bens, tal como proveito moral (facilita a prática de virtudes, de ações bons, racionais, em adequação ao bem comum, conceito clássico de virtudes), de acordo com as necessidades para uma vida digna e feliz.

A propriedade (inclusive a camponesa, a pessoal, a artesã, a cooperativa ou a pública) é apenas uma forma histórica (em si mesmo variável) deste uso, sendo o princípio da destinação universal dos bens o ponto mais importante, o caroço, o cerne, a parte ESSENCIAL. A diversidade de formas é relativa, histórica, podendo sempre ser melhorada, assumindo novas formas sociais.

O que importa mesmo é o uso, por todos, dos bens. A propriedade é apenas uma “forma jurídica” histórica e, em si mesma, variável, como admitiram vários papas, sendo que há algumas formas claramente condenadas pela Igreja: a propriedade quiritária atacada pelos Santos Padres, a propriedade capitalista (especialmente na forma monopolista, de cartéis e trustes) e a latifundiária. A Doutrina da Igreja sempre odiou os bancos privados, o nosso ideal é um grande banco público, que cobre apenas taxas de administração, sem nada de usura. 

A Igreja nunca aceitou a propriedade quiritária (condenada pela Bíblia, pelas leis de Moisés, pelos profetas, pelos Evangelhos também pelos Santos Padres). Da mesma forma, a propriedade capitalista, baseada na propriedade quiritária, romana, foi rejeitada e criticada. O latifúndio também é absolutamente condenável, especialmente na forma de plantation, extrovertido e voltado à exportação, ou seja, na forma colonial, que nos torna colônias exportadoras de matérias primas (commodities).

A propriedade camponesa e artesã (também limitada, como consta em “Levítico”, 25 e nas idéias dos Santos Padres) foi tida como forma admissível (do ponto de vista da ética, sendo transitória, podendo e devendo ser melhorada ou trocada por forma melhor) de uso, pois é pequena (limitada às necessidades), não explora o trabalho alheio e o trabalhador controla os bens produtivos, o processo de produção. Mas também não pode ser tida como ideal, muito menos a propriedade camponesa e artesã atual, em moldes rígidos, individualistas, capitalistas, sujeita às leis concentradoras e anti-sociais do mercado.

Hoje, nosso ideal HISTÓRICO, passível de melhoria sempre, seria uma boa organização, com os seguintes ingredientes: um Estado amplo (com boas estatais com co-gestão dos trabalhadores) e com distributismo, ou seja, milhões de pequenas propriedades limitadas, coordenadas, controladas, fiscalizadas, regulamentadas e planificadas.