CNBB e a destinação universal dos bens, Deus fez os bens para todas as pessoas concretas

 “No documento “Igreja e problemas da terra”, aprovado na 18ª Assembleia da CNBB, em 14 de fevereiro de 1980, há a mesma ideia matriz da doutrina social da Igreja, sobre a destinação social e universal dos bens:

      ” 1. A terra é um dom de Deus a todos os homens (…)

       58. A Igreja, na sua doutrina social, tratou muitas vezes do problema da propriedade e, explicitamente, da propriedade da terra.

       59. Essa doutrina, a Igreja não a formulou apenas em resposta aos desafios que o problema levanta em nossa sociedade, mas também em consonância com uma longa tradição que tem suas raízes na Bíblia, na mensagem de Jesus, no pensamento dos Santos Padres e Doutores. Com amor e fidelidade, ela meditou nestes textos e deles soube extrair as suas implicações sociais para a sociedade em que vivemos. (…)

       62. Formulando hoje sua doutrina social, a Igreja conserva a lembrança das severas advertências dos Profetas de Israel, que denunciavam a iniquidade dos que usavam a terra como instrumento de espoliação e opressão dos pobres e dos humildes. Não se esquece do desígnio de Deus de que a terra devia ser o suporte material da vida de uma comunidade fraterna e serviçal.

       63. Mas é especialmente nos ensinamentos de Jesus que ela vai procurar as fontes de sua doutrina social.

       64. Jesus, o Filho de Deus, inaugura a Nova Aliança e constitui o novo Povo de Deus e a nova fraternidade pela participação em sua vida divina. Ele nos reconcilia com o Pai, realiza a libertação total da escravidão do pecado e nos faz a todos herdeiros de Deus e seus co-herdeiros.

       65. Todo o Novo Testamento, a Nova Aliança de Deus com seus filhos, irmãos de Jesus, nos orienta no sentido da partilha e da prática da Justiça na distribuição dos bens materiais, como condição necessária da fraternidade dos filhos do mesmo Pai, conforme o ensinamento do Sermão da Montanha (Mt 5; 6; 7). A conversão sincera encontra logo a expressão do gesto do dom e do restabelecimento da Justiça, tão bem retratada no episódio de Zaqueu (Lc 19,1-3). O apego exagerado aos bens materiais, a recusa a reparti-los com os pobres, podem significar uma barreira para o seguimento radical ao Senhor (Mt 19,16-18).

       66. O ideal evangélico a ser atingido, a prefiguração na terra do reino definitivo, quando Deus será tudo em todos, é a construção de uma sociedade fraterna, fundada na Justiça e no amor. Para o Evangelho, os bens materiais não devem ser causa de separação, de egoísmo e de pecado, mas de comunhão e de realização de cada pessoa na comunidade dos filhos de Deus.

       67. A Igreja tem presente a experiência da primitiva comunidade de Jerusalém, quando a fraternidade em Cristo, vencendo as barreiras do egoísmo, exprimia-se em gestos de partilha: “Todos os fiéis tinham tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e dividiam-nos por todos segundo a necessidade de cada um” (At 2,44-45).

       68. Na elaboração de sua doutrina, a Igreja, hoje, procura aprender da experiência dos Santos Padres Antigos, que procuravam traduzir, para as suas sociedades, as lições da Sagrada Escritura. Ela ouve ainda o eco das expressões de grande vigor com que eles também denunciavam a iniquidade dos poderosos.

       69. “Foi a avareza que repartiu os pretensos direitos de posse” (Sto. Ambrósio, P.L. Vol. A 2, Coluna 1046). “A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos” (Sto. Ambrósio, Apud Populorum Progressio, nº 23, De Nabuthe, C. 12, nº 53 P. L. 14,747).

       70. “Pelo direito das gentes, implantou-se a distinção das propriedades e o regime de servidão. Pelo direito natural, porém, vigorava a posse comum de todos e de todos a mesma liberdade” (Decr. de Graciano, L.II, D.13). Texto particularmente expressivo pelo fato de associar à apropriação individual o regime de servidão. O egoísmo provoca os fortes a se apropriarem não só das coisas, mas também das pessoas dos mais fracos.

       71. Ainda hoje a Igreja vai procurar luz e orientação no pensamento dos grandes Doutores que tentavam também fazer a síntese entre a fidelidade à Tradição e as novas realidades sociais com que se defrontavam.

       Ela consulta com especial atenção o pensamento de Santo Tomás de Aquino que já vira na propriedade particular não um obstáculo à comunhão dos bens, mas um instrumento para a realização de sua destinação social: “A comunidade dos bens é atribuída ao direito natural, não no sentido de que o direito natural prescreva que tudo deva ser possuído em comum e nada seja possuído como próprio, mas no sentido que, segundo o direito natural, não existe distinção de posses, que é o resultado da convenção entre os homens e decorre do direito positivo.

       Daí se conclui que a apropriação individual não é contrária ao direito natural, mas se acrescenta a ele por invenção da razão humana” (Summa Theologica, II, IIae q. 66 art. 2, ad 1). Assim a apropriação individual seria, para Santo Tomás, um dos meios de realizar a destinação social dos bens a todos. É o que ele mesmo explicita no mesmo texto, com maior precisão: “Quanto à faculdade de administrar e gerir, é lícito que o homem possua coisas como próprias; quanto ao uso, não deve o homem ter as coisas exteriores como próprias, mas como comuns, a saber, de maneira a comunicá-las aos outros”.

       72. Com a evolução da Sociedade, o direito positivo teve também de evoluir e explicitar normas jurídicas para regulamentar a crescente complexidade da vida em sociedade e especificamente com relação ao problema da propriedade, da posse e do uso da terra.

       73. A Igreja, embora respeitando sempre a justa autonomia das ciências jurídicas e do direito positivo, considera de seu dever pastoral a missão de proclamar as exigências fundamentais da justiça.”.

Meu comentário – Deus fez os bens para todos. A pequena propriedade pessoal e familiar pode ser uma forma de realizar a destinação universal dos bens, quando é limitada, pequena, não excessiva, não supressora do direito dos outros, não exploradora. A economia mista traz uma síntese da destinação com a personalização.