As ideias principais e melhores do socialismo têm origem na Igreja, no catolicismo

A principal corrente democrática e humanista do socialismo e a doutrina da Igreja defendem a difusão de estruturas econômicas controladas pelos trabalhadores

Buchez, Luis Blanc, Flora Tristan e outros anteciparam a solução de Lassalle e do partido operário alemão (democrata social, socialista) que nascia.

Buchez e Luis Blanc, dois socialistas com fundamentação religiosa, inspiraram Lassalle, como reconheceu o próprio Karl Marx, na “Crítica ao Programa de Gotha”. Influenciando Lassalle, que também foi influenciado por Rodbertus, socialista cristão, isso atesta a vasta influência cristã e católica no surgimento dos Partidos Socialista e Comunista, na Alemanha. 

Marx reconheceu que Ferdinand Lassalle seguia as idéias de Buchez, um grande socialista católico.

Este reconhecimento ocorreu quando Marx, em carta a Schweitzer, de 13.10.1868, diz que Lassalle “retomou simplesmente a palavra de ordem que Buchez, o líder do socialismo católico francês havia lançado em 1843”.

Marx reconheceu que Lassalle “deu a sua agitação um caráter religioso”, dado que trabalhava junto com Ketteler e outros.

Buchez também influenciou o socialismo cristão na Inglaterra e na Alemanha: John Malcom Forbes Ludlow (1821-1911), Frederic Maurice, o cooperativista alemão Viktor Huber, Ketteler e outros autores.

Lamennais, outro padre católico, por sua vez, influenciou Kingsley.

Sismondi (que influenciou Marx e Rodbertus), no livro “Novos princípios de Economia Política”, criticou a proibição das corporações de ofício.

Jean Paul Marat, que atacara o materialismo de alguns enciclopedistas, também criticou asperamente a proibição das corporações. Sismondi e Marat apenas ecoavam a opinião da Igreja. 

Constantin Pecqueur (um socialista cristão) e Proudhon adotaram algumas idéias de Fourier, por isso, diziam que a evolução social tende para uma economia formada de associações, de estruturas econômicas formadas pelos trabalhadores. Pecqueur escreveu o livro “Dos interesses do comércio, da indústria e da agricultura”, onde elogia as cooperativas agrícolas dos pomares (dos trabalhadores que produziam frutas). O fourierismo influenciou Weitling e Pecqueur e, por estes dois, influenciou Karl Marx.

Para demonstrar estas afirmativas, vejamos o que Pecqueur escreveu, atestando a influência cristã em seus textos: “Se alguém perguntar de quem procedemos, qual é nossa origem ou nossa filiação, responderíamos: Jesus Cristo, Rousseau, toda a Revolução Francesa, Saint-Simon, Fourier… Fourier pela fase material da associação e da solidariedade”.

Élie Halévy, no livro “Histoire du Socialisme européen” (redigido graças às notas dos cursos dado por Élie, recolhido por alunos, editado pela Librairie Gallimard, Paris, 1948), transcreveu uma carta de Elie a C. Bougle, em 05 de janeiro de 1902: “Eu recomecei a preparação de meu curso. Eu começarei domingo próximo, 11 de janeiro. Li Pecqueur. Você leu Pecqueur? Tudo o que Marx escreveu sobre a concentração capitalista foi copiada de Pecqueur. O sucesso é um mistério. Por que o mérito da teoria reverte sempre para Marx?”

A resposta é clara. Alguns dos textos de Marx são dignos da melhor literatura mundial. A síntese do marxismo é formada, como um tecido, por fios de fontes religiosas (cristãs e hebraicas). Marx, justiça seja feita, citou Pecqueuer inúmeras vezes e sempre com louvor, inclusive em “O capital”.

Pecqueur e Sismondi influenciaram Marx e as obras destes autores são, por sua vez, influenciadas pelo cristianismo.

Pecqueur defendia a estatização de parte dos meios de produção, a organização da produção na forma de associações de operários e de pequenos produtores, ampla difusão dos bens, ampla intervenção pública e a difusão do controle da sociedade. Economia mista. 

Constantin Pecqueur, um coletivista religioso, no livro “Da República de Deus”, defendeu a socialização dos bens produtivos (para assegurar a difusão dos bens de consumo). Pecqueuer foi bastante citado por Karl Marx e sempre de forma respeitosa.

Alguns historiadores sobre o socialismo defendem que Pecqueur foi o primeiro a usar o termo “socialização”. O ideal de Constantin Pecquer era uma sociedade socialista-ética, uma “República divina”, economia mista. Daí o título de sua obra mais famosa – “De la Republique de Dieu. Union Religieuse pour la pratique inmédiate de l’égalité et de la fraternité universelles” (“Da República de Deus. União Religiosa para a prática imediata da igualdade e da fraternidade universais”), publicada em Paris, em 1844.

Pecqueur, Proudhon e Fourier achavam que a evolução social e a organização da economia deve ter como base as associações (estruturas, unidades) de trabalhadores, baseado em pequenas unidades produtivas, pequenas empresas familiares e associadas. Pecqueur defendia as associações agrícolas, as cooperativas etc., tal como a estatização de setores da economia. Em suma, economia mista. 

Cabet, no livro “Minha linha correta ou o verdadeiro caminho da solução para o povo”, diz que Jesus Cristo foi o precursor do comunismo. O urbanismo de Cabet, na obra Viagem a Icária (editado em 1840 e reeditado em 1842), diz que Içar fundara Amavrote, sendo que Icar descendia de Utopus, mostrando sua ligação e a influência de São Tomás Morus. No frontispício do livro “Viagem a Icária”, consta a máxima bíblica de “a cada um segundo suas necessidades”. Isso, em 1842, antes de Marx. A frase “a cada um segundo suas necessidades” vem do livro “Atos dos Apóstolos”, onde há a descrição das primeiras comunidades cristãs, nos capítulos 2 e 4. 

Marx cita textos de Pecqueur nos livros “Manuscritos econômicos de 1844”, “Grundrisse” (o manuscrito precursor de “O capital”) e no próprio “O capital”. A influência cristã, via Pecqueuer, é clara e confessada. 

A influência cristã nos cartistas foi reconhecida por todos os historiadores. O movimento operário, no início do século XIX, lutou pela defesa e promoção do direito de associação, criando sindicatos, cooperativas e partidos operários contra as proibições estatais que cerceavam o direito de associação (na linha da Lei Le Chapelier). Neste ponto, a doutrina da Igreja apoiou o surgimento do movimento socialista. A Lei Le Chapelier, de 17.06.1789, proibiu as associações de artesãos e operários e esta lei foi sempre criticada pela Igreja. Por exemplo, o Visconde de Cairu criticou a proibição e defendeu as corporações, seguindo Sismondi e as velhas idéias associativistas cristãs.

A Igreja sempre viu no direito de associação um item fundamental da fórmula para melhorar a situação dos trabalhadores. Todo o esforço de organização das CEBs mostra este apreço. No fundo, o apreço tem como objeto a autogestão e o planejamento participativo.

O direito de associação (reconstituição do tecido social, formação de milhões de organizações populares, especialmente pequenas unidades-empresas familiares e associadas, para a autodeterminação e o controle sobre a economia e o Estado) deve ser a base de um novo modo de produção, comunitário, com democracia econômica, conciliando planejamento participativo e controle operário direto, economia mista. Boaventura de Sousa Santos e Paul Singer escreveram bons textos sobre este ponto.

O catolicismo social (Buchez, Ozanam, Albert de Mun, La Tour du Pin, Ketteler, Hitze, Luigi Taparelli d’ Azeglio, Giuseppe Toniolo e outros) defendeu a criação de forte rede de estruturas econômicas de trabalhadores, como elemento imprescindível para uma economia humanizada. A mesma fórmula vale para o Estado, que deve ser formado por órgãos administrativos com conselhos participativos, eleitos pelos servidores e pela sociedade.

Este movimento sindicalista e cooperativista (corporativista, na linha de Cabet, que dizia “a mina aos mineiros”) foi defendido por autores como Weitling, Cabet, vários anarquistas e sindicalistas, Georges Sorel, Lagardelle, Varlin e outros.

Varlin e os sindicalistas tinham muitos pontos em comum com os anarquistas, especialmente a defesa do cooperativismo economia mista (de uma economia formada por associações de operários e agricultores, com base na autogestão e no planejamento democrático e participativo).