Luís Eduardo Gomes
O terceiro encontro do seminário “Desenvolvimento Nacional – Dilemas e Perspectivas” — evento realizado em parceria entre a UFRGS e as fundações ligadas aos partidos PCdoB, PT, PDT, PSOL e PSB — debateu na noite desta segunda-feira (16), no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa, a construção de uma política econômica a ser adotada pelos partidos do campo progressista que seja focada no desenvolvimentismo e em uma economia inclusiva e sustentável.
Em três apresentações separadas, sob a coordenação da presidente nacional da Ação da Mulher Trabalhista do PDT, Miguelina Vecchio, Luciano Coutinho (ex-presidente do BNDES), o senador Roberto Requião (MDB-PR) e o ex-deputado Hermes Zaneti criticaram o domínio que o sistema financeiro vem crescentemente impondo à economia mundial, e no Brasil marcadamente com a ascensão do governo Temer.
Eles defenderam que a alternativa para o país se recuperar economicamente, ao contrário do que o atual governo defende, é uma participação maior do Estado como indutor de investimentos e não se ausentando deste papel, caminho que escolheu ao aprovar a emenda 95, congelando gastos públicos por 20 anos.
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Primeiro a falar, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 2007 e 2016, Luciano Coutinho destacou em sua fala que o mundo ainda vive as consequências da grande crise que atingiu o sistema financeiro em 2008. Ele defendeu que, apenas em 2015, pode se considerar que a Europa havia saído da crise, mas ainda assim há países, como a Itália, que ainda estão com níveis de emprego e de produtividade abaixo dos registrados antes da crise. Coutinho salientou que os EUA precisaram de nove anos para retomar os patamares de emprego e produtividade pré-crise.
Coutinho disse que a crise foi consequência de 30 anos de predomínio de medidas liberalizantes e do capitalismo financeiro nas economias dos países desenvolvidos. “Esse modelo leva à especulação financeira, ao endividamento, a alavancagem de crédito totalmente irresponsável, etc.”, disse Coutinho, destacando ainda que, para evitar um colapso do sistema financeiro, foi necessário que estados gastassem trilhões de dólares em resgate a bancos. “Nunca antes havia se visto esta escala de socialização dos prejuízos do sistema financeiro”.
O economistas salientou que, como o Brasil e outros países em desenvolvimento conseguiram sair da crise de forma relativamente rápida ao adotarem políticas anti-cíclicas (o PIB brasileiro avançou 7,5% em 2010), gerou-se uma “certa ilusão” quanto ao tamanho real da crise. “Era uma crise maior e mais profunda. E nós atingiu porque é difícil sustentar uma política de investimento público e investimento privado induzido sem colocar em risco a equilíbrio das contas e sem provocar uma reação contrária do sistema financeiro”, afirmou, acrescentando ainda que a decisão do governo Dilma de dar uma “guinada” e fazer um forte ajuste em 2015 contribuiu para colocar o Brasil em um “processo severo de recessão”.
Coutinho destacou que, apesar de o Banco Central projeto crescimento próximo a 3% para este ano, considera que está é uma promessa precária, visto que o ajuste fiscal do governo Temer tem sido fortemente focado em investimentos, quando o que, em sua avaliação, o que pode tirar o país da crise é justamente a retomada do investimento público e privado. Ele ainda lamentou a perda de capacidade de planejamento do poder público nos últimos anos e a redução da atuação do BNDES como indutor da economia nacional.
“A preparação de projetos não acontece espontaneamente pelo mercado porquanto são projetos de longa maturação, pois existem crédito e financiamento de longo prazo, que apenas bancos de desenvolvimento podem fazer. Como restabelecer investimento nas indústrias de base sem financiamento de longo prazo?”, questionou.
Requião defende desenvolvimentismo
Em sua fala, o senador Roberto Requião fez uma defesa do modelo keynesiano e das políticas desenvolvimentistas, isto é, da economia que conta com o Estado no papel de planejador e indutor de investimentos.
Assim como Coutinho, Requião também fez uma retomada histórica da desregulamentação da economia e do empoderamento do mercado financeiro, atribuindo esse avanço ao colapso da União Soviética e de um modelo alternativo que fazia com que países desenvolvidos adotassem o estado social. Segundo ele, desde então, tem se consolidada o avanço do sistema financeiro sob um tripé de redução do estado ao papel policial e opressor; precarização do sistema político-eleitoral, com a deturpação das eleições pelo poderio econômico de financiadores de campanha; e a precarização do mercado de trabalho com a supressão de direitos conquistados nas décadas anteriores. “Tudo isso sem nenhuma razão lógica a não ser entregar recursos nas mão dos rentistas”, disse.
Para Requião, foi a defesa desse programa do sistema financeiro, caracterizado na chamada “Ponte para o Futuro” apresentada por Temer (MDB) em 2015, que foi realizado o impeachment de Dilma Rousseff. Mesmo sendo do partido que está no poder, o senador destacou que a adoção de uma agenda de precarização do trabalho, com outras medidas liberalizantes como a venda de terras para fundos de pensão e estados estrangeiros, vai colocar o Brasil à beira de um colapso social nos próximos anos. “O Temer é rigorosamente insignificante, o domínio é do mercado financeiro, do Itaú, do Bradesco”, disse. “Isto levará, ao meu ver, a uma crise intensa de trabalhadores revoltados que não vão aceitar reversões a uma lógica escravagista de garantias sociais”.
O senador destacou que, mesmo os EUA, que patrocinaram o chamado neoliberalismo em toda a América Latina através do Consenso de Washington, agora com Donald Trump adotam medidas de proteção das empresas nacionais (como a taxação extra de aço estrangeiro) e de investimentos que superam a marca de US$ 1 trilhão para recuperação da infraestrutura, o que poderiam ser consideradas como medidas keynesianas.
“Numa recessão capitalista algum vai investir, pois não tem a garantia do lucro. Mas o Estado investe, recupera o emprego. Desenvolvimento é a parceria do capital produtivo com o trabalho, é isso que está acontecendo no mundo, enquanto aqui no Brasil o governo está propondo 20 anos de congelamento do investimento público”, disse.
Auditoria na dívida
Ex-presidente do Cpers e ex-deputado constituinte Hermes Zaneti, atualmente filiado ao PSB, focou sua apresentação no conteúdo de seu último livro, “O Complô: como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira”, lançado no ano passado.
Autor do livro “O Complô: como o sistema financeiro e os seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira”. Um dos focos da obra é explicar como se constituiu a dívida pública brasileira através de artimanhas “clandestinamente” incluídas na Constituição Federal e que permitiram que o Brasil, entre 1989 e maio de 2017, tenha pago R$ 25 trilhões (em valores corrigidos pela inflação) apenas em juros e encargos do refinanciamento da dívida. “De 1989 a maio de 2017, o Brasil pagou de juros e encargos de refinanciamento da dívida pública R$ 25 trilhões. Eu vou repetir para que não fique nenhuma dúvida, R$ 25 trilhões”, disse.
Zaneti destacou que a Constituição de 1988 tinha o objetivo de nortear o desenvolvimento do Brasil pelo trabalho, emprego e renda decorrente da trabalho, mas acabou se transformando em uma “sociedade escrava a serviço do rentismo”. Segundo ele, isso ocorreu, entre outras coisas, porque ignorou-se que princípios constitucionais que limitavam a taxa de juros reais de 12% ao ano (artigo 192 da Constituição) e que determinavam que o controle das finanças deveria ficar nas mãos do Congresso Nacional, e não do Ministério da Fazenda e do Banco Central, como ocorre hoje.
Para reverter o que chamou de “escravização” do Brasil pelo sistema financeiro, Zaneti defendeu a necessidade de ser realizado um exame pericial e analítico dos atos e fatos constitutivos da dívida pública. “O que eu quero saber? Primeiro, a quem se deve. Segundo, se deve. Terceiro, por que deve? Quarto, a quem deve? E, quinto, como pode pagar? É o mais elementar direito democrático, o direito à informação, especialmente a informação de quem paga a conta. O povo brasileiro não sabe”.