Em 1848, a linha mais brilhante da doutrina social da Igreja foi explicitada inclusive em discursos e atos de Pio IX. E por centenas de autores da Igreja, que escreveram textos exigindo reformas sociais, intervenção estatal na economia, direitos dos trabalhadores etc.
O próprio Marx reconheceu que Pio IX e a Igreja atuaram de forma positiva nos movimentos de 1848. A Igreja, na França e em outros países, acolheu bem as reformas sociais e políticas do processo revolucionário de 1848.
Ozanam, em carta de 22.02.1848, escrevia: “julgo ver o Soberano Pontífice consumar o nosso anseio de vinte anos [desde 1828]: passar para o lado dos bárbaros, isto é, do campo dos reis e dos homens de Estado de 1815 para se encaminhar ao povo”.
Ozanam, que é beato da Igreja (santo, na prática), escreveu um ensaio com o título “As origens do socialismo”, onde ressaltou que a maior parte dos socialistas fundamentava suas idéias em “tradições cristãs”, “cujo erro principal é o de dar novos nomes às antigas virtudes”.
Por isso, Ozanam escreveu: “não desconhecemos a generosidade” dos socialistas e, tal como Ketteler, queria “proceder à triagem”, pois “as antigas e populares idéias de justiça e caridade, e de fraternidade” eram “nossas”, sendo o fundo da tradição cristã.
O mesmo pensamento de Lamennais, Leroux, Considerant, Cabet, Weitling e outros grandes cristãos.
Lamennais foi uma das principais influências teóricas sobre a Liga dos Justos, organização que forneceu a Marx a maior parte de suas ideias, ideias cristãs que eram o socialismo cristão, utópico, pré marxista, a base principal do marxismo.
Ketteler, em 1877, também redigiu um estudo, demonstrando que os católicos poderiam aderir ao partido socialista de Lassalle.
Afinal, Lassalle apenas reproduzia as idéias de Buchez, como o próprio Marx reconheceu várias vezes.
Buchez, Ozanam e Ketteler são as estrelas da doutrina social da Igreja no século XIX e suas idéias apontam uma democracia não-capitalista, real, popular, economia mista, baseada na ampla intervenção do Estado na economia e no cooperativismo (as principais unidades produtivas, das principais forças produtivas, devem ser cooperativas ou estatais com estruturas de co-gestão, sempre pautadas, as duas, por formas de planejamento público participativo).
Frise-se que planejamento público, ampla intervenção estatal, amplo Estado social e econômico, tudo isso é totalmente compatível com ampla difusão de bens, milhões de pequenas propriedades pessoais e familiares, moderadas, sob controle e regulamentação estatal sobre o uso, para que todos tenham pequenas fortunas privadas, moderadas, para proteger a todos da miséria.
A difusão de bens é feita também mediante renda estatal universal, o Estado emitindo papel moeda controlada, para que todos tenham renda pessoal estatal, um mínimo, um colchão contra a miséria, um piso forte, para ninguém afundar na miséria diabólica.
O ponto essencial da ética, na visão de Ozanam (e dos vicentinos, da Teologia da libertação e da doutrina social, tal como da lei natural), era “promover a abolição do pauperismo”, “advogar a causa dos operários” e “procurar para os homens a maior felicidade terrestre”.