Artigo de Emir Sader, “Esquerda e direita no neoliberalismo”, publicado em 04.03.2018.
“A era neoliberal do capitalismo reformulou muitos aspectos da vida política mas, ao contrário do que alguns pregam, reafirmou e não terminou com a vigência da polarização entre direita e esquerda.
No novo período histórico, a direita se renovou, passou a assumir um projeto de “reformas” que, se na verdade são regressivas em termos sociais e político, aparecem como renovadoras do Estado, reduzindo-o, por ajustes fiscais, a proporções mínimas, a favor da centralidade do mercado.
O dinamismo econômico foi transferido, no ideário neoliberal, da esfera estatal para a esfera mercantil, a centralidade do cidadão, como sujeito de direitos, foi substituída pela centralidade do consumidor e do seu poder de compra. A praça pública cedeu lugar para o shopping center.
No plano político, como que se resignando à globalização, a social democracia abandonou o campo da esquerda e aderiu à nova moda. Para justificar essa adesão, a social convinha à social democracia e a seus porta vozes pregar o fim da polarização entre direita e esquerda, para não confessar sua adesão à nova direita.
Porém, o que se deu foi a delimitação dos campos da esquerda e da direita pelo neoliberalismo. O campo da direita, ampliado com a adesão da social democracia, colocou em prática programas neoliberais de governo, alinhados com a globalização em escala mundial.
A esquerda resistiu, com seus partidos e movimentos sociais, constituindo um campo popular antineoliberal e, quando se tornou governo, colocou em prática governos antineoliberais. Estes se caracterizam pela centralidade das políticas sociais ao invés da centralidade dos ajustes fiscais, pela prioridade dos processos de integração regional e de intercâmbio Sul-Sul no lugar dos Tratados de Livre Comercio com os EUA, e pelo resgate do papel ativo do Estado, como dinamizador da economia e garantia dos direitos sociais para todos.
Foi assim reatualizada e reafirmada a polarização entre direita e esquerda.
Na América Latina, essa polarização se deu entre o kirchnerismo e o antikirchnerismo, o chavismo e o antichavismo, a Frente Ampla uruguaia e os velhos partidos de direita, o evismo [Evo Moraes, na Bolívia] e o antievismo, o correismo [Rafael Correia, no Equador] e o anticorreismo e, no Brasil, o petismo e o antipetismo. Polarizações que expressam o neoliberalismo e o antineoliberalismo.
Os que se sentem deslocados partem para a busca de alguma “terceira via”. No Brasil, alegando que “os brasileiros estão cansados da polarização petistas-tucanos”, que “chega de Fla-Flu”, que “teria terminado a hegemonia do PT na esquerda”, etc., etc. Conhecemos candidatos que buscaram personalizar essa suposta nova via. Vimos como a Marina, na última campanha, incorporou um economista neoliberal e, no segundo turno, votou pelo Aécio, demonstrando como a terceira via não era tal, era um disfarce para a adesão ao neoliberalismo e ao bloco da direita.
A derrubada do governo do PT e o enfraquecimento radical dos tucanos renova a busca de “terceiras vias”, com a cantilena da superação da polarização esquerda/direita. Para que isso se desse, se teria que superar a polarização neoliberalismo/antineoliberalismo.
Ao contrário dos sucessivos e precipitados anúncios fúnebres, nem o Lula nem o PT esgotaram sua capacidade de protagonizar a superação do neoliberalismo. O programa que o Lula vai atualizando através das caravanas representa a continuidade do projeto antineoliberal que caracterizou os governos do PT desde 2003.
A polarização pode ser dar de novo com os tucanos, com algum candidato do PMDB, com algum outsider no seu lugar. Mas qualquer algum deles, antipetistas, defende programas de Estado mínimo, de liberalização, de privatizações, de ajuste fiscal, de expropriação dos direitos dos trabalhadores, de cortes nos recursos para políticas sociais. Representam todos o campo neoliberal que, apesar do seu fracasso no Brasil, na América Latina e no mundo, continua sendo o programa da direita.
Lula é o dirigente e o melhor representante do campo progressista, do campo da esquerda, do campo antineoliberal, seja ele o candidato, o presidente eleito ou quem, de uma forma ou de outra, expressa o programa de superação do neoliberalismo.
Daí a impotência das buscas de terceiras vias ou de variantes do programa neoliberal, até mesmo pretendendo estar no campo da esquerda. Para encontrar um lugar, precisam questionar a polarização direita/esquerda, até porque, se essa polarização permanece vigente – porque o neoliberalismo segue sendo o programa da direita -, o campo da esquerda está ocupado pelo PT e pela liderança do Lula”.