O Estado deve ser popular, controlado pelo povo, organizado

Pio XI ensinou, na encíclica “Mit brennender sorge” (14.03.1937), ao condenar o nazismo, que a sociedade é um “meio”, um instrumento, criado para proporcionar a todos seus membros os bens necessários a uma vida digna e feliz:

A sociedade é querida pelo Criador como meio para o pleno desenvolvimento das faculdades individuais e sociais de que o homem deve valer-se, ora dando, ora recebendo para o seu bem e para o bem dos outros. Mesmo aqueles valores mais universais e mais altos que podem ser realizados não pelo indivíduo, mas somente pela sociedade, por vontade do Criador, têm como fim último o homem [o ser humano] e o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento natural e sobrenatural”.

O mesmo ocorre com o Estado. A sociedade e o Estado são construções humanas, que devem ser pautadas pela razão e pelo bem comum.

Pio XI, na encíclica “Divini Redemptoris” (1937), disse:

“No plano do Criador, a sociedade é um meio natural, do qual o homem pode e deve servir-se para a consecução do seu fim, sendo a sociedade humana [instituída] para o homem, e não vice-versa. Não deve isto entender-se no sentido do liberalismo individualista que subordina a sociedade ao uso egoísta do indivíduo; mas só no sentido de que, mediante a união orgânica com a sociedade, a todos seja possibilitada, pela mútua colaboração, a realização da verdadeira felicidade terrena; e ainda, no sentido de que na sociedade acham desenvolvimento todos os dotes individuais e sociais inseridos na natureza humana, os quais excedem o interesse imediato do momento e refletem na sociedade a perfeição divina, o que no homem isolado não pode verificar-se”.

“Porém, mesmo este último escopo é, em última análise, em ordem ao homem, para que ele reconheça esse reflexo da perfeição divina, e o devolva em louvor e adoração ao Criador”.

A ideia de considerar a sociedade e o Estado como construções racionais visando o bem comum (para que sejam boas, legítimas) é complementada por outra, a idéia da personificação da sociedade, entendida como uma pessoa social, moral, uma pessoa jurídica natural. Esta pessoa jurídica de direito natural, a sociedade civil, cria, por sua vez, o Estado, uma pessoa jurídica de direito positivo, de direito público.

A personificação (considerar a sociedade como um sujeito político, com inteligência e vontade, com soberania, autodeterminação, com direitos e deveres) está presente na terminologia política medieval, como ressaltou Otto von Gierke, no livro “Teorias políticas de la Edad Media” (Buenos Aires, Ed. Huemul, 1963).

Gierke, na página 243, ensina que o “antropomorfismo” ou “organicismo” medieval utilizava textos de São Paulo, que comparava as pessoas aos “membros de um corpo” (“membra in corpore”), sendo a sociedade um “corpo social”, uma pessoa construída, composta, que, por sua vez, cria o Estado, outra pessoa, sujeita à primeira, à sociedade.